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Um mago chamado Danny Elfman

O músico responsável por algumas das melhores trilhas sonoras contemporâneas tem tudo para ser lembrado como o John Williams da noss… Quer dizer, melhor: como o Danny Elfman da nossa geração. 

Por GABRIELA FRANCO

Talvez você seja mais xóvem e não saiba que, antes de compor trilhas icônicas como a da abertura dos Simpsons, Batman e Batman Returns (ambos de Tim Burton), Alice no País das Maravilhas, Beetlejuice – Os Fantasmas se Divertem, A Noiva Cadáver, O Estranho Mundo de Jack, a nova versão d’A Fantástica Fábrica de Chocolate, os dois primeiros Homem-Aranha de Sam Raimi, Missão: Impossível, o compositor Daniel Robert Elfman (natural de Los Angeles, nascido em 1953, favorito de Tim Burton), aquele mesmo que a Disney convocaria caso quisesse transformar Toy Story em uma franquia de horror – ou quase isso – tinha outra ocupação.  

Danny Elfman TAMBÉM foi vocalista de uma banda famosinha de pop, meio ska, meio punk, meio experimental, tudo com forte influência de Frank Zappa, chamada OINGO BOINGO, lá pelos anos 1980. Dá um Google porque você com certeza já ouviu o hit Stay em algum lugar. Nessa época, olha só que coincidência, a banda foi ainda trilha sonora do filme Mulher Nota Mil (Weird Science, de 1985) e de lá pra cá, o músico não parou mais.

Como nasce um fenômeno…

Elfman cresceu em Los Angeles, filho de mãe escritora e pai professor de literatura. Estudou música com licenciatura em composição, trombone, guitarra, piano e percussão na University High School, ao lado de nomes como o respeitado percussionista William Winant, Michael Byron e a ex-baixista do Sonic Youth, Kim Gordon, com quem inclusive namorou na época.

Aos 18 anos, Danny e um amigo foram para Paris com a intenção de seguir para o sul da África para pesquisar novos sons. Enquanto estavam na França, eles se encontraram com o irmão mais velho de Elfman, Richard, que estava trabalhando no Le Grand Magic Circus, projeto do diretor de teatro francês Jérôme Savary (uma espécie de Cirque Du Soleil da época). 

Obcecado pelo violinista de jazz italiano Stephane Grappelli, que também estava na trupe, Danny havia levado seu violino para que ele assinasse, caso o encontrasse. E eis que o diretor do circo, Savary, convidou ele e o amigo para se juntarem à banda em uma viagem pela Europa e África. Basicamente, Elfman realizou o sonho de toda criança e LITERALMENTE fugiu com o circo.

Para Elfman, a experiência da turnê de um ano foi transformadora, “como se meu DNA tivesse sido reprogramado”, segundo disse para o jornal L.A Times. Foi na volta pra LA que ele se juntou à banda Mystic Knights of Oingo Boingo (o primeiro nome da banda), basicamente no dia seguinte.

O cara se tornou o líder do Oingo Boingo depois que Richard saiu para produzir e dirigir o clássico musical de ficção científica trash Zona Proibida (Forbidden Zone, 1980), para o qual Danny compôs a trilha e no qual a banda inclusive atuava. Ele também faz o papel de Diabo no filme. “Nunca me enquadrei em nada na minha vida”, diz Elfman. “Nunca me senti alinhado com nada. O Oingo Boingo poderia muito bem ter vindo de Marte – era um cabaré estranho e surrealista. Os críticos nos odiavam. Colecionamos as piores críticas”,  completou em relato ao jornal L.A Times.

Ainda assim, a banda se tornou um pilar da música do sul da Califórnia, lançando oito álbuns entre 1981 e 1994 e ganhando atenção da mídia e o gosto popular por canções como Little Girls, Dead Man’s Party e Weird Science – além de Goodbye Goodbye, trilha sonora de Picardias Estudantis, de 1982. Grande parte do sucesso veio por conta das esquisitices da persona de Elfman, que emprestavam uma aura ainda mais doida à banda.

Festa estranha com gente esquisita

O encontro que mudou os rumos de tudo na vida de Elfman aconteceu em uma apresentação do Oingo Boingo numa série de casas punks de Los Angeles. Quando Tim Burton assistiu ao Oingo Boingo pela primeira vez, ainda era um estudante da CalArts e frequentava locais onde a banda costumava se apresentar “Não sei se é a minha experiência em animação que diz isso, mas tudo parecia muito cinematográfico”, lembrou Burton em entrevista à Rolling Stone. “Eles tinham uma harmonia e instrumentos diferentes –  estavam mais para uma experiência teatral do que uma banda de rock.. Algo sobre o ritmo deles já parecia trilha sonora de uma animação estranha”, completou o diretor.

No auge da popularidade de Oingo Boingo, Elfman entrou no mundo das trilhas sonoras cinematográficas, colaborando com Burton no primeiro longa-metragem do diretor, Pee-Wee’s Big Adventure (As Grandes Aventuras de Pee Wee), o agora clássico filme de 1985 estrelado por Paul Reubens. “Ninguém da velha guarda realmente o aceitou”, lembra Burton, descrevendo a tensão entre Elfman e o resto da equipe como “um rito de passagem, mas era uma rua de mão dupla”.

Com tensão ou não, a parceria pegou e as trilhas sonoras de Elfman impulsionaram filmes de sucesso tão diversos quanto a versão de Burton para o Morcegão, pela qual o compositor foi indicado ao Grammy, e Gênio Indomável, de Gus Van Sant, pela qual foi indicado ao Oscar. 

Em 1993, compôs a música do filme de animação Nightmare Before Christmas (O Estranho Mundo de Jack), e emprestou a sua voz ao personagem principal, Jack Skellington. Acabou indicado ao Globo de Ouro de “Melhor Trilha Sonora” por esse filme.

É extensa a lista de filmes relevantes na sua carreira para além da referida parceria: teve dois exemplares pop incríveis como Dick Tracy, de Warren Beatty, e Darkman – Vingança Sem Rosto, de Sam Raimi, ambos de 1990; rolou ainda um tenso drama histórico chamado Sommersby – O Retorno de Um Estranho (1993) de Jon Amiel; e ainda em 1997, ele voltaria a ser indicado ao Oscar por melhor trilha sonora pelo filme Men in Black.

Na TV, Elfman ainda ganhou um Emmy pelo tema de abertura de Desperate Housewives e ganha polpudos royalties toda vez que sua música tema de abertura de Os Simpsons é tocada. Também ganhou a reverência de maníacos por Halloween por conta de sua apresentação anual de O Estranho Mundo de Jack no Hollywood Bowl acompanhada por uma orquestra completa, em um evento realizado todo mês de outubro.

Apesar de ter sido indicado quatro vezes ao prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, Danny nunca ganhou um Oscar… AINDA.

Definindo o indefinível

Elfman estava começando a se preparar para um retorno aos shows ao vivo quando então chegou a pandemia. Ele não se fez de rogado e transformou tudo em um álbum em seu próprio estúdio, com integrantes da sua ex-banda e do Nine Inch Nails – cujo criador, Trent Reznor, também é um grande compositor de trilhas, recentemente premiado com Oscar pela trilha sonora da animação Soul, da Pixar. 

Big Mess não tinha sido concluído quando Elfman convidou o dono da Epitaph Records e fundador do Bad Religion, Brett Gurewitz, para uma audição do álbum em seu estúdio. Segundo o site Consequence of Sound, Gurewitz comparou a reunião a “fazer um passeio pela Fábrica de Chocolate de Willy Wonka, conduzido pelo próprio. Ele me mostrou sua coleção de instrumentos e objetos esotéricos e eventualmente me levou a um estúdio onde ouvimos os destaques do álbum”. O músico ficou pasmo com o que ouviu, dizendo a Elfman que aquilo o lembrava de “um Sgt.Pepper gótico”.

O álbum, cujo título (em tradução literal, “grande bagunça”) o músico diz que tirou da pandemia e da realidade alternativa que Trump criou nos EUA, acabou virando um disco duplo não apenas por causa da quantidade de músicas, mas pela densidade delas. 

Quando questionado sobre quem era pelo site The Ringer, o multiartista diz: “Eu sou um bicho estranho. Nos anos 1970, quando comecei, nem ouvia rock. Ouvia jazz dos anos 1930. Aí me cansei disso e então inventei que queria estar em uma banda de ska-punk. Comecei o Oingo Boingo. E desde então, minha vida tem sido: ‘Bem, tudo bem, mas eu quero fazer isso, e mais isso e isso também’. Eu nunca encontrei nada que me defina. Eu não sei o que eu sou”. 

Que ótimo, Danny… o indefinível é sempre mais interessante.

Quem quiser ouvir o último disco de Elfman, basta dar play abaixo.