Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Nova HQ abre as portas do Lugar do Caralho

Escrito e desenhado por Thiago Krening, o gibi Um Lugar do Caralho, que inaugura as atividades da editora hipotética, é uma celebração nostálgica a uma era mais simples de paixões e amizades


Por THIAGO CARDIM

Quando a gente, seja “a gente” de qualquer que seja a parte do país, ouve dizer que um quadrinista gaúcho (no caso, Thiago Krening, lá de Santa Maria) está fazendo uma história em quadrinhos chamada Um Lugar do Caralho, título de uma icônica canção do igualmente icônico (e saudoso) mestre do rock gaúcho Júpiter Maçã, ambientada no Boate do DCE da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), fica meio claro que se trata de uma obra sobre gaúchos e para gaúchos, né?

Bom, se você tiver a oportunidade de ler o gibi, vai sacar de imediato que esta percepção não poderia estar mais equivocada. “Acredito que a história bate mais forte em quem conheceu e frequentou o lugar, mas também acho que funciona bem como uma história mais universal”, afirma Krening, em entrevista exclusiva pro Gibizilla. “É uma HQ sobre várias coisas, no meu ponto de vista. Mas, essencialmente, é um quadrinho sobre nostalgia”.

Em essência, o autor queria contar uma história sobre esse período da vida – faculdade, início da vida adulta, enfim. Uma história que fala de amizades e paixões, de uma época mais simples da vida, de um ponto de vista bem nostálgico e até romantizado. E ele conseguiu.

Apresentando o meu xará

Como estamos falando de uma história que tem lá um quê de autobiográfica (dele, mas também de cada um de nós que foi xóvem um dia), legal falar um tanto deste cara que era apaixonado por quadrinhos antes mesmo de saber ler e desde a adolescência sonhava em trabalhar com isso. Formado em desenho industrial, fez alguns zines e HQs curtinhas entre 15 e 20 anos, mas depois de formado, se focou em ilustração. Rolou especialização em Cinema e mestrado em Design, pesquisando quadrinhos digitais. E aí sacou que não dava pra deixar a paixão de lado.

Começaram as tirinhas pras redes sociais, zines pra distribuir em eventos. Vieram as parcerias pra publicar mais HQs (como Abandonados pelos Deuses – Sigrid, escrita pelo Guilherme Smee e desenhada por ele, e Caçadora de Fãs – Uma Aventura Acadêmica, HQ sobre a pesquisa de mestrado de Larissa Becko escrita pelo Fabio Mesmo e também ilustrada pelo Thiago).

Um Lugar do Caralho foi o primeiro quadrinho um pouco maior que escrevi e desenhei”, conta ele.

Uma história ficcional sobre um lugar que existiu por décadas em Santa Maria e marcou a noite universitária da cidade. Como diz a letra da canção, um lugar com um som legal, com gente legal e cerveja barata. Atrasados para a rodada dupla no Aldeia Bar, Carlo e Daniel mudam os planos de sexta à noite quando encontram Mica e Lia, que os convencem a trocar mais uma noite no mesmo lugar de sempre por uma ida a um lugar especial, um lugar mágico… “A construção de amizades e paixões e também aquele clima de estar na faculdade, de sair sexta à noite sem maiores preocupações”.

O pensamento sobre contar uma história que se passasse ali começou a maturar na cabeça do Thiago tem uns cinco anos. “Aquele lugar me marcou muito e eu sentia que era algo que valia a pena revisitar. É um pouco daquela dica que dão pra quem escreve: conte as histórias que você gostaria de ler”, conta. “Então foram anos gestando a ideia até as coisas se encaixarem e eu sentir que estava pronto pra contá-la”. Desde o começo, claro, ele quis que esta fosse uma história que funcionasse para além das pessoas que conheceram a Boate do DCE. “Então eu tentei colocar várias camadas pra ampliar essa possibilidade de identificação”.

Você, com seus 25, 30, talvez até 40 anos, sabe bem, uma fase em que a maior preocupação que tínhamos, além de não reprovar por frequência e não repetir nenhuma matéria, era com a ressaca no sábado…

Claro que a ambientação chamou muito a atenção das pessoas da cidade ou que só passaram por lá em algum momento da vida. Mas é uma trama sobre juventude e que vai MUITO além das referências regionais. Por mais que o quadrinista tenha trazido outro elemento crucial aqui – o rock gaúcho. “Era algo que eu consumia bastante na época de faculdade. Acho que isso já ajuda a trazer mais um público”.

Se você lembrar do amor que a antiga MTV Brasil tinha por bandas como Bidê ou Balde, Cachorro Grande, Ultramen e Acústicos & Valvulados lá começo dos anos 2000, vai sacar imediatamente o que ele está querendo dizer.

Construindo um Lugar do Caralho

Página de Um Lugar do Caralho
Página de Um Lugar do Caralho

Por mais que o autor curta Syd Barrett e os Beatles e quisesse tomar LSD, o fato é que o processo de escrita levou bastante tempo. “Eu fui cozinhando ideias ao longo de alguns anos e o roteiro teve várias versões até eu sentir que estava pronto”.

No paralelo, ele ia estudando como ia resolver visualmente a HQ: estilo do desenho, se seria em preto e branco, etc. “Segui com um desenho mais sintético e em preto e branco primeiro por ser mais o estilo que já tenho familiaridade, segundo por razões práticas. Como é uma HQ com mais de 100 páginas, eu precisava escolher uma forma de produzi-la que me permitisse fazer em um tempo razoável”, confessa. “Além disso, se fosse em cores, a impressão sairia muito mais cara. Foram decisões que misturaram a questão artística com as questões pragmáticas de produção mesmo”.

As páginas foram feitas em etapas. Primeiro, um esboço pra acertar o texto, ver se o ritmo e os diálogos estavam funcionando. Depois passou pro desenho. “Resolvi finalizar com sombreamento e retículas todo o primeiro capítulo pra lançar como um teaser. Isso ajudou bastante a aquecer o público pra campanha de financiamento coletivo”. A partir daí, Thiago finalizou o restante das páginas e passou pra toda a parte editorial, de revisão e produção gráfica, feita em conjunto com a editora hipotética.

Ah, sim, a editora hipotética!

Em Porto Alegre, existiu uma galeria. Um espaço físico que abrigou exposições, cursos, encontros, muitas iniciativas independentes, não apenas focada em quadrinhos mas que, por conta do histórico de seus sócios, tinha todo o DNA dos gibis por tudo que é lado. Tamos falando da jornalista Iriz Medeiros e do editor Fabiano “Oggh” Denardin, que durante anos foi o cara por trás dos gibis Vertigo no Brasil. A galeria, com o nome de hipotética, acabou. Mas…

“Inicialmente a ideia era fazer totalmente independente. Isso tem pontos legais, mas também causa uma sobrecarga no autor, que fica responsável por todo o processo”, revela Thiago. “Quando eu estava começando a anunciar que o projeto entraria no Catarse, o Fabiano Denardin me ligou dizendo que tava criando uma editora a partir da galeria hipotética e que gostaria que minha HQ fosse o título de abertura”. BINGO!

Tanto o Fabiano como a Iriz frequentaram a Boate do DCE e acharam que seria legal ter Um Lugar do Caralho como título inaugural esse trabalho, tanto pela questão de identificação pessoal como pela temática ser dentro da linha editorial que eles pensaram pra editora.

“Como eles são editores de muita experiência, isso ajudou demais a tornar o projeto melhor e mais profissional. Com certeza acabou saindo algo muito melhor do que imaginei inicialmente. Além disso, foi uma honra pra mim ser o título de abertura. Fiquei feliz demais com essa parceria”.

O gibi Um Lugar do Caralho pode ser comprado bem aqui, no site de uma ideia que foi galeria e agora é editora para publicar quadrinhos (mas não só).

Capa de Um Lugar do Caralho
Capa de Um Lugar do Caralho
Post tags: