Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Sobre Kiko, Andreas e quando chega a hora de parar

Nem tudo é pra sempre. E a gente precisa mesmo aprender a lidar com o fim. Do que quer que seja.

Por THIAGO CARDIM

Lá em 2015, escrevi um texto pro JUDÃO.com.br que abordava a questão sobre a hora de parar – focado, obviamente, nos rockstars clássicos. O Black Sabbath acabava de anunciar a sua turnê de encerramento e a gente ia vendo, pouco a pouco, Lemmy Kilmister definhando à frente do Motörhead. Mesmo antes de sua partida, eu já questionava: será que vale a pena? Dizia eu mesmo, naquele artigo:

“Para os fãs, vale a pena continuar acompanhando ano após ano uma banda que vai se destruindo, que vai se desfazendo, que insiste em discos que são gravados no piloto automático, pra cumprir tabela e garantir shows que vão ficando cada vez mais burocráticos e broxantes, sem energia? Não é o que acontece em todos os casos, claro. Mas a idade chega para todos. Não dá mais para pular, gritar, correr como antes. E quando se é uma estrela do rock, é muito difícil olhar para trás, para todas as conquistas, para o estilo de vida louco e selvagem, e admitir: pra mim, já deu. É hora da aposentadoria”

Cada palavra destas soa tristemente atual, principalmente em meio a tantas turnês de despedida dos palcos que a gente vem vendo rodando o mundo nos últimos anos. Uma delas, no entanto, me trouxe uma epifania interessante: a recém-anunciada aposentadoria dos brasileiros do Sepultura. Que não poderia estar num oposto mais direto do exemplo citado acima.

O nome mais importante do heavy metal brasileiro (e um dos mais relevantes da nossa música, como um todo) a conquistar o mercado internacional, influenciando diversas gerações de outros músicos, goste você ou não da atual formação – que, vamos lembrar, já não tem Max Cavalera à frente tem mais de 25 anos (portanto, SUPEREM DE UMA VEZ). Uma banda em uma fase excelente, no auge de suas habilidades, depois de lançar uma dobradinha de discos que estão não apenas entre os melhores da fase Derrick Green, mas também de sua carreira como um todo. “Machine Messiah” (2017) é incrível e “Quadra” (2020) é top 3 no meu ranking da banda disparado.

E uma banda que soube olhar para tudo isso e enfim dizer: é, acho que deu. Hora de parar. Chegou o fim.

Celebrating Life Through Death

Justamente no ano em que celebra 40 anos de existência, o Sepultura fará uma turnê, com duração prevista de 1 ano e meio, culminando com o lançamento de um álbum ao vivo. O novo trabalho contará com 40 faixas gravadas em 40 diferentes apresentações ao redor do mundo.

“Saímos de cena de uma forma tranquila, em paz com a gente mesmo”, disse o guitarrista e principal porta-voz do grupo, Andreas Kisser, na coletiva de imprensa que anunciou a turnê, apropriadamente batizada de “Celebrating Life Through Death” (traduzindo pro português, algo como “Celebrando a Vida Através da Morte”). Segundo Andreas, a própria carreira do Sepultura teve várias finitudes. “A minha entrada, a saída do Jairo (Guedz, guitarrista original)… a saída do Max, do Iggor, Jean, a entrada do Eloy. São ciclos. Estamos tranquilos com o que estamos fazendo. Queremos celebrar, não é um momento triste. Não queremos ver o Sepultura acabar por uma briga ou alguém entrando em um rehab e não podendo subir no palco. São novos desafios individuais, mas sempre representando o coletivo”.

Mas, em outro momento, Andreas chegou na frase que me fez ter vontade de escrever estas linhas. Quando questionado pelos amigos do IgorMiranda.com.br, deixou claro que o fato de o grupo estar em um bom momento, ainda entregando performances consistentes, também contribuiu para querer sair de cena em alta.

“Nada melhor que tomar uma decisão como essa enquanto ainda temos controle”, disse. “Ainda estamos afiados, tocando muito bem. Conversei comigo mesmo, depois com a banda e empresários. Fez sentido com todo mundo. É um privilégio poder parar assim. Obviamente dá ansiedade e medo, mas faz parte da mudança. Mas também é muito excitante ter essa liberdade”.

Poisé. A liberdade de dizer NÃO. A liberdade de poder parar no momento CERTO. De simplesmente querer fazer outras coisas. De explorar outros territórios. Eloy Casagrande, por exemplo, é um verdadeiro monstro, um dos melhores bateristas do planeta, ainda vai ter muito o que mostrar por aí. E o próprio Andreas, sabemos bem, é um músico bastante eclético e sempre topou crossovers com artistas dos mais diferentes segmentos, sem estes preconceitos metalísticos que conhecemos de longa data.

Mas depois da partida da mãezona Patrícia, a esposa amada com quem dividiu a vida por 32 anos, o músico passou a ser um defensor ferrenho dos chamados cuidados paliativos – essencialmente, um conjunto de práticas de assistência ao paciente incurável que visa oferecer dignidade e diminuição de sofrimento mais comum em pacientes terminais. Os últimos anos se tornaram fundamentais para que Andreas encarasse o peso do fim de frente. O encerramento na vida pessoal, no seu principal projeto de vida… São conclusões que não significam, necessariamente, apenas um ultimato. Mas talvez algum tipo de recomeço.

“Simplesmente optei por não estar no Megadeth”

A frase é do brasileiro Kiko Loureiro, também guitarrista, ex-Angra e que registrou uma bem-sucedida passagem de 9 anos pelo Megadeth, ao lado de Dave Mustaine. Depois de anunciar um “afastamento” do Megadeth em setembro, sendo substituído pelo finlandês Teemu Mäntysaari (do Wintersun e selecionado pessoalmente pelo próprio Kiko), logo viria a confirmação oficial de sua saída.

Atualmente morando na Finlândia, pai de uma menina de 12 anos e dois gêmeos de 7, Kiko primeiro tinha comentado o assunto ao participar do podcast Amplifica, comandado pelo amigo e também guitarrista do Angra, Rafael Bittencourt. Numa conversa divertida e informal, afirmou que tomou a liberdade de optar por não estar no Megadeth. “É a minha opção. Liberdade é ter escolha entre duas ou mais opções viáveis. Se você está num trabalho e você gostaria de não estar, ou você não pode estar, mas você precisa estar porque precisa pagar as contas, você não tem essa liberdade. Mas eu tenho liberdade de ter essa escolha”, afirmou ele, absolutamente ciente de seus privilégios.

Segundo ele, não houve qualquer briga com Mustaine (conhecido por sua personalidade pouco agradável) e mesmo as questões pessoais, relativas à sua família, que acabaram sendo o pontapé inicial da decisão, não foram necessariamente algo emergencial. “Sempre as pessoas acham que tem um problema muito sério na vida acontecendo para poder abrir mão. Ninguém consegue imaginar assim: o cara simplesmente tomou uma decisão”. Faz TOTAL sentido. E estamos, tal qual acontece com Andreas e o Sepultura, falando de um músico que continua em seu auge, tocando como nunca, afiadíssimo, no pleno controle de seu talento e suas atividades.

E, antes que alguém diga, não, não está voltando para o Angra. Este é outro Kiko, em outro momento da vida. Este trem, definitivamente, já passou da estação faz tempo.

“Não posso mais ficar três meses em turnê e mais seis meses fora de casa. É uma ‘maturidade’, vamos chamar assim, ou resultado de um desenvolvimento pessoal”, afirmou o guitarrista. Numa entrevista recente pra revista Guitar World, no entanto, Kiko foi ainda mais direto e reto ao comentar a saída. “Quando você é jovem, não é casado e não tem filhos, a mentalidade é ‘quanto mais shows, melhor’. Mas minha filha tem 12 anos agora e eu quero passar um tempo com ela. Também quero estar tocando. Quando entrei para o Megadeth em 2015, eu tinha uma filha pequena e gêmeos que eram recém-nascidos”, explica.

Ele disse que estava sempre lutando com o fato de que precisava estar em turnê, mas também queria estar em casa com os filhos e a esposa. “Então, a sensação de ‘devo continuar com isso de rockstar enquanto meus filhos estão em casa?’ continuou surgindo. E quanto mais momentos e datas importantes eu perdia, mais difícil ficava”.

Como pai, preciso dizer que entendo DEMAIS a sensação, meu caro Kiko. Muito, mas muito MESMO.

O que ele vai fazer agora? Ué. O que ele bem entender.

Aprender a enxergar o fim é também aprender a lidar com a qualidade do tempo que ainda nos resta. O que queremos DE FATO fazer com ele. Como e com quem queremos gastar nossos dias, nossas horas, nossos momentos, nossas experiências.

Aprender a enxergar o fim também passa por aprender a dizer simplesmente NÃO. E sem se preocupar com o que os outros vão dizer, sejam eles seus fãs ou seus colegas de banda – ou, quem sabe, de trabalho. E este “não” pode ser um definitivo, do tipo “não quero mais”.

Como Andreas e Kiko fizeram. E em ambos os casos, não foi porque algo estava errado, uma situação, uma crise. Foi simplesmente porque a vida mostrou um outro caminho.

E tá tudo bem com isso.

Porque as coisas, em algum momento, podem MESMO acabar.
Temos que aprender a lidar com isso, de uma vez por todas.