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35 anos de Violator: o disco que ensinou o silêncio a gritar

Três décadas atrás, o Depeche Mode mergulhou no abismo sensorial com um álbum que transformou dor em desejo, escuridão em beleza e eletrônica em carne viva

Por GABRIELA FRANCO


Em março de 1990, o mundo ainda se recuperava da ressaca estética da new wave — aquela febre multicolorida que estereotipou os anos 80 como os lembramos até hoje. Cabelos armados com spray ou gel com glitter, ombreiras desproporcionais, batons fluorescentes. E, claro, sintetizadores cintilantes que soavam como trilhas de fliperama.

A música da época era escapista, dançante, cheia de refrões fáceis e clipes que pareciam comerciais de refrigerante. Os palcos eram vitrines de neon, e tudo ao redor pulsava em excesso: visual, sonoro e emocional.

Foi nesse rescaldo quase carnavalesco que a banda britânica de synthpop Depeche Mode fez o movimento praticamente inverso — mergulhou para dentro. Violator, seu sétimo disco de estúdio, não foi um simples álbum e sim uma travessia. E essa obra-prima completa 35 anos agora em 2025.

Silêncio enquanto alma. E arma.

Na contramão do brilho e da velocidade dos anos 80, Violator transformou dor em desejo, escuridão em beleza. Sétimo disco da banda britânica, ele foi um mergulho íntimo e denso, numa música que respirava com mais textura, mais alma, mais silêncio.

O Depeche vinha do sucesso estrondoso de Music for the Masses (1987), que deu ao mundo hits como “Strangelove”, “Never Let Me Down Again” e “Behind the Wheel”, disco que havia expandido a fama da banda para além da Europa, consolidando sua identidade mais sombria no rock alternativo. Foi nessa fase que embarcaram na histórica turnê encerrada no Rose Bowl, em Pasadena, Califórnia, diante de 60 mil pessoas — registro que se tornaria o documentário 101, dirigido por D.A. Pennebaker, e que transformaria a banda em símbolo de culto global dos cools mundo afora.

Mas o sucesso trouxe seu preço. A fórmula que os havia levado ao estrelato começava a soar repetitiva. Internamente, os membros enfrentavam dilemas pessoais: Andy Fletcher lidava com questões de saúde mental como depressão, enquanto Dave Gahan começava a experimentar com drogas sintéticas — uma espiral que ganharia peso nos anos seguintes e influenciaria muitos outros álbuns no futuro. Era preciso mudar. Ou afundar. E o Depeche fez os dois.

Foi nesse cenário que Martin Gore passou a apresentar demos mais simples, intencionalmente cruas, sem muita produção ou arranjos mais ricos. Em vez de fechar os arranjos com rigidez eletrônica, a banda optou por explorar um som mais atmosférico e denso, sob a batuta do produtor Flood (U2, Nine Inch Nails), que trouxe uma abordagem mais sombria. As gravações do álbum aconteceram em estúdios da Itália, Dinamarca, Londres e Nova York — uma verdadeira peregrinação criativa em busca de algo novo.

O resultado foi um disco que soava que pulsava em carne viva.  Guitarras discretas mas cortantes. Sintetizadores que respiravam em vez de atacar. Gahan não cantava: ele confessava. Uma das maiores pérolas do álbum, que já foi infinitamente reinterpretada por nomes como Johnny Cash, Marilyn Manson, Def Leppard e Nina Hagen, “Personal Jesus” nasceu com um riff seco, quase ritualístico, inspirado na biografia de Priscilla Presley, que chamava Elvis de seu “Jesus pessoal”.

Já outra que se tornou praticamente um hino dos alternativos e também já ganhou inúmeros covers mundo afora, “Enjoy the Silence” — que começou como uma balada introspectiva — foi transformada por Alan Wilder num manifesto épico sobre a introspecção e solidão. Uma ode ao silêncio em um mundo mergulhado em barulho.  No clipe, dirigido por Anton Corbijn (fotógrafo holandês que fez carreira tirando fotos e dirigindo clipes de bandas como U2, Nirvana, Metallica e Nick Cave), Gahan vaga como um rei errante por paisagens desoladas, com inspiração (pasme) em “O Pequeno Príncipe”. O clipe condensa o retrato perfeito de Violator: realeza solitária no meio do fim de uma década barulhenta.

O impacto de seu lançamento foi imediato. Mais de 13,5 milhões de cópias vendidas, Top 10 na Billboard 200, multidões arrastadas para a World Violation Tour — incluindo um evento de autógrafos em Los Angeles que precisou ser interrompido pela polícia diante de mais de 17 mil fãs (segundo a NME). A icônica capa, com uma rosa vermelha solitária sobre fundo preto, também criada por Corbijn, virou símbolo visual do disco. Seu título provisório era Perversion, um aceno direto à intenção de cutucar feridas profundas.

Além dos dois maiores hits ainda temos a incrível “Policy of Truth” com seu riff marcante e uma letra que já, naqueles tempos, questionava o valor da “verdade” absoluta das coisas; a supersexy “World in My Eyes”, um convite sensorial  para enxergar o mundo através do prazer,;“Waiting for the Night”, que virou um refrão dos góticos e notívagos; “Blue Dress” e “Sweetest Perfection”, que sonorizam fetiches; e “Clean”, uma confissão de Gahan sobre suas lutas contra as drogas.

Coisa leve.

Mais do que sucesso comercial, Violator redefiniu os limites da música eletrônica com densidade emocional. Inspirou artistas como Nine Inch Nails, Muse, The Killers e até Lady Gaga. Tornou-se um divisor de águas.

Um disco que soa sujo, elegante, tenso e sensual.

Que cheira a couro, tem gosto de metal na boca e deixa aquela sensação da gente estar sendo observado no escuro.

Trinta e cinco anos depois, Violator não é nostalgia. É presença. É eco.

Porque certos álbuns não envelhecem. Eles continuam sussurrando. Dentro da gente, pra sempre.

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