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Uma viagem pelo Norte em Quadrinhos

Consumir gibis brasileiros e incentivar os artistas independentes é uma delícia – mas é FUNDAMENTAL entender de uma vez por todas que o Brasil não se resume à realidade de São Paulo

Por THIAGO CARDIM

Tudo começou nos corredores do Artist’s Alley da CCXP 2019. Do alto de seus 1,55m, a amazonense Sâmela Hidalgo, estudante de Produção Editorial, assistente de edição de quadrinhos e imprensa na editora Devir Brasil, podcaster no DFP (Devíamos Fazer um Podcast) e colunista no site Mina de HQ, percebeu que entre tantos artistas incríveis exibindo seus trabalhos, algo não parecia certo. Um incômodo. Talvez fosse o fato de que, em meio a mais de 500 nomes, ela só conseguiu encontrar TRÊS quadrinistas do Norte do Brasil? AH SIM.

Aqui, cabe um parêntese para quem AINDA se confunde com o mapa do nosso país. Quando a gente fala da Região Norte, isso NÃO inclui a Região Nordeste. Sim, sim, sabemos que pra muita gente, acaba sendo tudo a mesma coisa, mas NÃO é. Bahia, Pernambuco, Ceará, não estão na Região Norte. Os estados aos quais a Sâmela se refere são Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Explicado? Que bom. <3

“Vi esse enorme buraco e decidi ajudar a preenchê-lo”, explica, em entrevista pro GIBIZILLA, esta grande fã de ketchup em pizzas paulistanas (se você segue ela no Twitter, vai entender a referência). Mesmo sendo de lá, a própria Sâmela lia pouca coisa produzida entre seus conterrâneos, então passou a acompanhar este mercado BEM mais de perto.

Nascia pois o Norte em Quadrinhos, projeto que procura dar visibilidade aos artistas do Norte do país, tornando de alguma forma seus títulos acessíveis aos leitores do país inteiro. Originalmente, a partir do último mês de maio, ela começou a fazer lives no Instagram todos os domingos com um artista escolhido, apresentando sua história e suas obras.

Para ela, as principais dificuldades que a galera do Norte enfrenta para fazer quadrinhos de um jeito mais profissional passam pela falta de incentivo dos governos locais, além de problemas de distribuição e logística – para conseguir com o que a obra chegue em todo o país – e da falta de eventos de quadrinhos de grande porte para impulsionar a venda em grandes quantidades. “Também sofremos com a falta de escolas de artes voltadas para os quadrinhos para ajudar na especialização dos artistas”, explica.

Mas o que fazer para mudar este cenário? Segundo a Sâmela, precisamos começar a descentralizar a própria produção mercadológica das histórias em quadrinhos, hoje tão tocada em São Paulo. “Se o mercado não consegue enxergar autores fora daqui, os leitores dificilmente também conseguirão. Então, os editores e as empresas precisam abrir espaço para essas novas narrativas, histórias e pluralidade”, explica. E vai direto ao ponto: “Com todo respeito, mas estamos cansados de ler vivências sudestinas, também queremos ler e ter nossa vivência cultural e urbana do Norte sendo representada, publicada e admirada em todo o país. Abrindo esse espaço, com certeza os leitores também irão voltar os seus olhos pra parte de cima do mapa. Uma coisa vai puxar a outra e vamos conseguir alcançar cada vez mais leitores no país”.

Sâmela sente que o Norte em Quadrinhos tem surtido muito efeito até o momento, ajudando inclusive a chacolhar a produção do Norte e também a aproximar os artistas da própria região. “Então, collabs e amizades estão sendo feitas entre os artistas do Norte e também entre artistas de outras regiões”. Ela reforça que este é um mercado feito através de contatos. “Então, a maior dificuldade é simplesmente ser visto. Pretendo ser esse contato para os quadrinistas do Norte e pretendo fazer esses artistas serem vistos pelos editores, leitores e editoras do Sudeste”.

Pois o que era só uma live no Instagram virou canal no YouTube – e os planos são crescer ainda mais. O próximo passo é uma lojinha virtual do projeto. “Já está em produção, na verdade.  Também pretendo fazer um site com informações dos artistas e etc. O objetivo da loja é que exista um lugar onde os autores possam colocar seus quadrinhos à venda e os leitores consigam encontrar várias obras do Norte no mesmo lugar. Estou arquitetando tudo com muito carinho e vendo a melhor forma de beneficiar os autores e também os leitores”.

Ela ainda tem planos de tornar o projeto numa revista, uma antologia reunindo diversos autores (“Inclusive já recebi propostas de algumas editoras interessadas em algo do tipo”) e mesmo um evento físico de grande porte. “Quem sabe depois da vacina? Mas já pensei também em fazer em ambiente virtual, vamos ver se consigo colocar essa ideia em prática”. E ela não pensa pequeno – AINDA BEM. “Quem sabe, no futuro, o Norte em Quadrinhos vire até uma agência especializada em quadrinistas do Norte? Ou um selo editorial? Um estúdio de quadrinhos? Tudo é possível!”.

Além de acompanhar o que está rolando no Instagram e também no YouTube, com as lives dominicais às 18 horas (horário de Brasília) / 17h (horário de Manaus), a Sâmela convida você a conhecer inicialmente CINCO quadrinistas muito fodas de lá, que pouco têm visibilidade no lado de cá. Nos links, estão os perfis deles no Instagram pra você seguir.

Hipácia Carolina de Boa Vista – Roraima

Tiêe Santos de Macapá – Amapá

Nilberto Jorge de Manaus – Amazonas

Levi Gama da ilha de Parintins – interior do Amazonas

E a dupla de ilustradora e roteirista: Helô Rodrigues (Helô Ilustra) e Ítalo Rodrigues de Belém, do Pará

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