Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Bill & Ted, Cobra Kai e a eterna dificuldade de abraçar a vida adulta

Filme e série, ambos trabalhando aquele irresistível toque retrô, tratam de maneira divertida e ao mesmo tempo crítica a resistência do homem em abandonar seu lado menino

Por THIAGO CARDIM

Neste cenário de incertezas que a gente vive, uma doença ao nosso redor que já matou mais de 1 milhão de pessoas no mundo, alguns de nós forçados a pegar ônibus e sair pra trabalhar em plena pandemia, outros que ainda podem resistindo numa quarentena que não parece ter fim (e se você não se encaixa em nenhum dos dois cenários e tá saindo só porque quer, queira por favor ir se foder), é inevitável recorrer a algo que aqueça os nossos corações.

Não raro, tenho visto amigos relendo livros ou gibis que marcaram suas vidas, revisitando aqueles discos clássicos que deixaram lembranças lindas em suas histórias e, claro, muita gente assistindo de novo e de novo aqueles filmes ou séries da infância e da adolescência. Aqui em casa mesmo, a gente apresentou pra filha adolescente coisas como Noviça Rebelde, Garotos Perdidos e Os Muppets Conquistam Nova York. Era óbvio que, portanto, a onda retrô que já era moda numa Hollywood repleta de remakes e reboots ganhasse ainda mais força.

Curiosamente, dois revivals dos quais gostei muito recentemente, um filme e uma série, parecem conversar entre si de maneira bem curiosa, já que ambos tratam de homens adultos tentando lidar com o que acontece em suas vidas décadas depois das glórias de suas adolescências… e, claro, do estrago que a expectativa sobre o futuro deixou.

Em Bill & Ted – Face the Music, Keanu Reeves e Alex Winter finalmente retomam os papéis dos dois aspirantes a roqueiros que, entre o final da década de 1980 e o comecinho dos anos 1990, protagonizaram duas ótimas comédias misturando rock ‘n roll e viagem no tempo. E esta continuação, tão prometida e tão aguardada por um séquito fiel de seguidores, não apenas veio no momento certo como também optou pelo tom mais adequado, fugindo da tentação de alçar a dupla a uma espécie de Olimpo da cultura pop. Explico.

O filme é leve, divertido, despretensioso, pop, com o coração no lugar certo. Um belíssimo exemplar do besteirol. E que sabe lidar, na medida, com a dose de ridículo necessária para abordar a história destes dois caras agora quarentões, mas ainda em busca dos holofotes que nunca vieram, da tal “música perfeita” que salvaria o futuro da humanidade. Eles não são “ícones” intocáveis – e, apesar de serem os mesmos que conhecemos lá atrás, o mundo mudou e, portanto, tem impacto suficiente sobre os dois. O resultado é que o non-sense todo está lá, as referências, mas com mudanças significativas o suficiente, sem precisar passar a mãozinha na cabeça da galera do “ai, estragou a minha infância”.

Quando Bill e Ted embarcam em sua nova jornada, tudo é muito insano, aquela coisa toda. Mas então, em certo momento, evitando dar aqui muitos spoilers, eles finalmente percebem que, apesar da amizade, do ROQUE, os Wyld Stallyns são pessoas diferentes. A vida adulta taí e, não, eles não precisam deixar as piadas infames de lado, o air guitar, a coisa toda. O que o filme vai mostrando, ao longo da narrativa, é que ser adulto não quer dizer usar sapatênis e camisa social pra dentro da calça. É outra coisa. É, literalmente, entender que você tem um OUTRO papel, muito mais importante, mais crucial, mais BONITO.

No momento em que isso acontece, que isso fica claro pros personagens e pro espectador, este terceiro Bill & Ted assume uma pegada um tanto mais tocante, que eu sinceramente não esperava ver e pela qual fui positivamente surpreendido.

O mesmo tipo de surpresa que, aliás, me veio quando maratonei as duas temporadas de Cobra Kai, assim que elas foram parar no Netflix. Quando a parada estreou no YouTube Red, confesso que fui resistente, por mais que muitos conhecidos tenham se apaixonado de imediato. Dentre os filmes clássicos ali da década de 1980, Karatê Kid tá entre os meus top 3 da vida e, bom, admito, fui esta pessoa que ficou com medo do que fossem fazer com os personagens, recorrendo ao óbvio pelo óbvio.

Uma baita bobagem da minha parte, é preciso dizer. Porque a série, mesmo com um monte de problemas, é uma delícia e, de longe, o tipo de coisa que eu REALMENTE tava precisando ver nesta quarentena.

O mais legal deste retorno às avessas, que mostra Johnny Lawrence e Daniel Larusso, os rivais adolescentes, enfim se reencontrando agora adultos, igualmente quarentões como a dupla de Bill & Ted, é que a trama igualmente evita glorificar ambos e tampouco cria aquela bobagem de bem contra o mal. Johnny é um sujeito que tá na merda e preso aos anos 1980. Daniel aproveitou o sucesso da vitória no campeonato de karatê e se tornou um empreendedor, self-made man. Mas o fato é que a série não poupa nenhum dos dois e mostra que AMBOS são idiotas e precisam URGENTEMENTE cortar os laços com o passado.

Johnny quer recomeçar a vida? Sim, mas o que ele faz? Abre NOVAMENTE o Cobra Kai. Daniel descobre, revive lembranças horríveis do passado e resolve superá-las? Sim, mas o que ele faz? Abre NOVAMENTE o Miyagi-Do. O resultado é uma treta que não tem fim, na base do caratê, da cara de mau. DE NOVO.

Estamos falando de dois homens adultos que, apesar do impacto que causam nas vidas dos adolescentes ao seu redor (e isso é MUITO legal, apesar das tretas), colecionam uma série de decisões equivocadas. A esposa de Daniel, coitada, é forçada a se colocar no papel de única pessoa racional do núcleo principal da série – o que já é bastante problemático, já que ela se torna, em muitos momentos, “babá” de dois sujeitos com quarenta anos na cara, um estereótipo feminino bastante equivocado para justificar dois sujeitos às vias de se esbofetear.

E o que já está claro desde o começo não apenas para o espectador mas também pra parte da molecada – que, com justiça, vai conquistando o papel de protagonista e colocando os dois marmanjos como coadjuvantes de luxo – começa a ser esfregado na cara de Johnny e Daniel, que FINALMENTE começam a sacar o ridículo de seus comportamentos. E o impacto que o acontecimento bombástico do final do segundo ano vai ter na vida de ambos ao longo da já confirmada terceira temporada, olha, parece ser IMENSO. Precisaria, inclusive. Porque é hora deles enfim seguirem em frente.

Tal qual rola com Bill & Ted, me agradou ver que o aspecto retrô, nostálgico, não virou muleta em Cobra Kai. Está lá para ser apreciado mas também dissecado, discutido, reinterpretado.

No fim, a dica vai ser sempre – claro, cerquem-se de pessoas que vocês amam, nunca deixem de pedir ajuda quando precisam. Conversem, escutem, abracem. Tudo isso é fundamental. Mas, por favor, FAÇAM TERAPIA. Bill, Ted, Johnny e Daniel se beneficiariam DEVERAS disso. <3