Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Quando Adam Lambert calou minha boca

Sim, eu sou um fã apaixonado do Queen. Sim, Freddie Mercury pra mim é Deus. E sim, agora eu acho que o Lambert é uma escolha perfeita pro posto.

Por THIAGO CARDIM
(texto adaptado do original publicado no JUDÃO.com.br)

Olha só, vamos abrir este papo já colocando todas as cartas na mesa: o Queen é a minha banda de rock favorita de todos os tempos. Sempre foi. E creio que sempre será, por mais que eu seja um sujeito bastante aberto a novas sonoridades, a conhecer e desbravar novas bandas.

E eu acho que Freddie Mercury é o melhor cantor que o rock já teve. E que jamais terá. O cantor de rock definitivo, o combo perfeito, talvez seja a melhor definição.

Confesso que, assim que os membros em atividade do Queen, Brian May e Roger Taylor, anunciaram que fariam uma turnê com Adam Lambert no papel de vocalista, putz, fui acometido por uma dose cavalar e aparentemente infindável de mimimi. “Ai, este moleque? Saído do American Idol? Quem diabos ele pensa que é? Mal saiu das fraldas e já está achando que pode substituir o Freddie?”.

Putz. Fã é mesmo uma merda. Eu sei. Nem precisam dizer que eu mesmo admito.

O primeiro erro está aí: o Freddie é insubstituível. Disso eu sei, todo mundo sabe, até o May e o Taylor sabem. Ninguém discutiu isso. Tanto é que, em nenhum momento, se disse que Lambert ou mesmo o parceiro anterior do grupo, Paul Rodgers, seriam “os novos vocalistas do Queen”. Nada disso. A grafia é sempre Queen + Alguém. Uma turnê conjunta ou algo assim. Justamente em respeito a um cara que, porra, tem sapatos impossíveis de serem calçados.

É bom que se saiba que este Queen não é EXATAMENTE o Queen. Tem o May, tem o Taylor… mas não tem o baixista John Deacon, ainda vivo mas afastado da vida de turnês há muitos anos, aposentado. É uma banda incompleta – que eu mesmo, durante anos, chamei injustamente de “banda zumbi”. Não, não é. Retiro o que eu disse. Este é sim, o Queen. May e o Taylor são o Queen, afinal. Mas digamos que é o melhor Queen que podemos ter neste momento.

Depois do tributo ao Freddie realizado em Wembley, no ano de 1992, tinha cravado na minha cabeça que o cantor ideal para acompanhar este Queen em uma turnê mundial seria o George Michael. Sério, o cara cantando ’39 e principalmente Somebody To Love, uau, é de arrepiar. E ele tinha mais do que uma voz incrível. Tinha também doses generosas de carisma, um brilho próprio que só os grandes performers exibem. Infelizmente, não deu tempo.

Não que Paul Rodgers não tivesse brilho, vejam. Mas o estilo de Rodgers, egresso do Free e do Bad Company, é MUITO diferente. Entendo perfeitamente que May gostasse de justificar a escolha dizendo que o próprio Mercury era fã de Rodgers e aprovaria a sua seleção para o papel. Mas, musicalmente, Rodgers era (e ainda é) muito mais Deep Purple do que Queen. Um hard rock mais duro, mais forte, mais cheio de adrenalina. Paul Rodgers não combina com as canções do Queen. Porque ele é um grande cantor, não dá para mentir. Mas as músicas do Queen precisam de mais do que um cantor. Precisam de alguém que interprete. Que faça um SHOW de verdade.

Eu disse que George Michael era um performer. E Mercury também era. São cantores que sabem comandar uma plateia não apenas com a voz, mas com o corpo, assumindo uma espécie de personagem em cima do palco. Eles não estão apenas cantando. Mas interpretando. Alguém que chama a responsabilidade, que faz parte do espetáculo – que, em casos como o do Queen, sim, é mais do que apenas um vocalista, um guitarrista, um baixista e um baterista. São luzes, efeitos especiais, pirotecnia. São conversas bem-humoradas e intimistas com a plateia. São provocações com os colegas de banda, pulos para todos os lados, correria para cima e para baixo do palco, se pendurando nas estruturas, sabendo exatamente quando fazer sorrir e quando fazer chorar. É ser parte do show. É fazer um show. É ser O show. É ser tudo MENOS low-profile.

Mercury era mestre nisso porque sabia exatamente como filtrar as referências mais pop do rock. Senhoras e senhores, cabe aqui uma pequena lição de casa: a palavra pop não é um palavrão, por mais que alguns fãs de rock achem o contrário.

A imprensa e as prateleiras das grandes lojas e magazines carimbaram “música pop” como aquela sonoridade simples e descartável, abarcando Britney Spears, One Direction, New Kids On The Block, Menudos, RBD, Restart, Wanessa Camargo e quetais. Mas será que isso é a definição mais justa para “pop”? De onde vem a expressão pop, aliás? Não seria de “popular”? Hum. Interessante. Assim sendo, chamar alguma coisa de “popular” não é uma coisa bem distante de dizer que a sonoridade é pré-fabricada, dependente de estúdios, produtores e demais artifícios para mascarar uma suposta falta de talento?

E mais: o Queen era uma banda de rock. Mas que flertava lindamente com o pop. Era rock para multidões. Rock de arena. Mais do que muitas outras bandas contemporâneas achavam que eram. Pode se rasgar aí. Mas é melhor aceitar que dói menos.

George Michael, pra mim, seria uma excelente companhia para este Queen porque ele é um artista de aspiração pop que sabe ser roqueiro. Quer saber de uma coisa? Quando Brian May chocou meio mundo ao sugerir que eles poderiam se meter a tocar com a Lady Gaga como cantora, gente, eu DELIREI. Porque, assim como Mercury, assim como Michael, ela é uma especialista em fazer espetáculos pop. E assim como George Michael, ela é uma artista pop que sabe ser roqueira. Transita bem neste universo: é fã de Kiss, de Alice Cooper, de Iron Maiden. Todos um bando de especialistas em fazer grandes espetáculos.

E se Gaga, para mim, seria uma boa escolha, por que diabos o Lambert não seria também?

Meu preconceito com o jovem Adam, talvez, tenha vindo de sua procedência – surgido num reality show? Pura bobagem. Basta assistir às performances do camarada no American Idol para sacar que ali tinha alguma coisa diferente, única, bastante especial.

Mas tá bom, eu até respeito a indignação alheia, a minha própria indignação. É o “cargo” que outrora foi do Freddie Mercury – ou algo assim. Era de se esperar esta pressão. O próprio Adam, aliás, sabia disso. Mas não teve medo do desafio. “Eu não sou o Freddie”, fez questão de dizer ao The Telegraph. “Não estou tentando ser o Freddie nem competir com ele. Mas eu sinto algum tipo de afinidade e eu estou aproveitando esta oportunidade para tentar fazer a sua música ganhar vida novamente”.

“Foi mesmo muito intimidador”, confessa. “Freddie é um mito, como você vive com isso?”.

Bom, você vive um dia de cada vez. Lambert viveu. E fez todo mundo engolir cada uma das palavras amargas a seu respeito, palavras disparadas sem que ele tivesse tido sequer a chance de mostrar a que veio. Eu, pelo menos, engoli as minhas.

A cada vídeo que vejo dele cantando junto com o Queen, tenho certeza de que May e Taylor fizeram a escolha certa. De que Deacon deve ter aprovado a seleção sem pensar. E de que Mercury, onde quer que esteja, deve estar dando pulos de alegria. A prova está, por exemplo, no álbum Queen + Adam Live Around the World, lançado oficialmente no começo do mês. O disco, que inclui a apresentação completa de 22 minutos do evento Fire Fight Australia, onde eles apresentaram o repertório do histórico Live Aid, de 1985, é uma introdução ideal para quem ainda tinha ressalvas sobre o poder de fogo do frontman.

Queen + Adam Lambert – Live Around The World

Lambert canta muito bem, isso ninguém pode negar. Consegue alcançar notas agudas com uma facilidade e naturalidade que deixariam muito medalhão envergonhado – o que garante, mais do que na época dos duetos com Rodgers, que 99% das canções serão cantadas no tom correto. Mas sabe a coisa de ser um performer? Pois é. Ele vai além. Lambert é mais do que um cantor. Tem presença, tem carisma, tem estilo, tem confiança. É um sujeito teatral, cool, exagerado, bem-humorado. Um tantinho arrogante, até. Mas do jeito que tem que ser, do jeito que Freddie era. Sabe as roupas que tem que vestir, sabe que tipo de olhar fazer para as câmeras, sabe provocar. Usa na medida certa um certo tempero de sexualidade. Sabe ser natural, ser envolvente.

Adam, em resumo, interpreta. E muito bem. Ele não precisa ser Freddie Mercury – porque pode ser quem diabos ele quiser. Nem Freddie Mercury, afinal, queria ser ele mesmo o tempo todo.

“Eu estou tentando manter a memória do Freddie viva”, disse Lambert para o The Mirror. “E lembrar às pessoas o quão maravilhoso ele era, sem imitá-lo. Estou tentando compartilhar com a plateia o quanto ele me inspirou”.

Valeu, Adam, por não ligar pra mim e nem pra ninguém. Você foi lá e roubou a cena. Aliás, “roubou”, não. Criou uma cena só sua. Isso é coisa pra poucos.

Don’t stop it now.