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Mestres do Universo passam por cima da nostalgia. AINDA BEM.

Nova animação do Netflix, produzida pelo cineasta Kevin Smith, se foca no que REALMENTE interessa a respeito do desenho animado clássico, joga o resto fora e ignora completamente a turma do “acabou com a minha infância”. Eles choram, a gente agradece.

Por THIAGO CARDIM

Apesar de leonino em dose dupla (acredite você em astrologia não, porque o máximo que entendo foi o que aprendi com os cavaleiros de ouro dos Cavaleiros do Zodíaco), apesar de assumidamente egocêntrico em alguns aspectos, eu nunca fui daquele tipo que celebra o simples fato de ter razão. Juro, pode acreditar em mim. Acho determinadas discussões tão inócuas que simplesmente prefiro adotar a postura do “fica aí com sua opinião de merda” do que qualquer outra coisa.

No entanto, sou obrigado a confessar que este ano eu fiquei bastante satisfeito por ter razão em UMA coisa. Sobre a reação dos “fãs” a respeito do desenho do He-Man (que não é só do He-Man, mas calma que chego lá). No caso, a nova versão, que acaba de ganhar cinco episódios iniciais no Netflix, com produção de Kevin Smith e atendendo pelo título original da série de brinquedos, Mestres do Universo. Assim que saiu o PRIMEIRO trailer, aquele com a canção Holding Out For A Hero, da Bonnie Tyler, eu publiquei a impressão abaixo nas minhas redes sociais. Assiste ao trailer aí e depois lê o que escrevi.

“Tô achando BEM curioso uma galera aí depois do 1o trailer do novo He-Man, do Netflix, comentando umas paradas. ‘Aê, produção com feeling dos anos 80, respeita os fãs antigos, nostalgia sem lacração…’. ENTÃO… Acho que vai dar ruim pra quem tá pensando assim. E eu vou achar bem divertido”, foi assim que comecei. E continuei.

“Ó, acompanha comigo… é só um trailer (e do qual eu gostei, há de se dizer). Focado em cenas de ação. Tá, a promessa é ser continuação direta da série original. Mas acho que MUITA gente vai se surpreender com o TOM. Porque, definitivamente, eles querem buscar outros públicos. E não só aquele mesmo fã véio de sempre.

Afinal, mais gente precisa comprar bonequinho, e não menos. Lógica de mercado, gente. E fazer coisa só praquele mesmo velho macho branco de sempre, apoiado naquela testosterona descerebrada de outrora, é um verdadeiro tiro no pé. Vocês conseguem enxergar um Netflix da vida, com um pilar tão calcado em diversidade, bancando algo que não tenha esta pegada, em algum sentido? Poisé…

Tô aqui aguardando ANSIOSAMENTE as reclamações sobre como a Teela não tá mais sexy, tá muito ‘machona’, tá ‘empoderada’ demais. E isso só pra citar o exemplo mais óbvio. Vai ser divertido”.

Então… eu tava CERTÍSSIMO, hahahahahahahaha. Aconteceu RIGOROSAMENTE o que eu previ. Inclusive, aliás e principalmente, os comentários sobre a Teela ser machona, feminista, aquele papo furado de sempre. E pode parecer lenda urbana, mas SIM, estavam lá os sujeitos comentando que Netflix, Kevin Smith, Mattel, o mundo, estavam todos arruinando a sua infância.

Os pecados da nostalgia

Esta nova versão, como eu disse antes, na verdade pretende se posicionar cronologicamente DEPOIS do final da série original. E a escolha pelo título “Mestres do Universo” não é por acaso. Não estamos falando de uma história que gira em torno da tanga peluda do He-Man, mas sim de Etérnia. É a jornada de um planeta que perdeu sua magia e seu maior herói. Ele não é o protagonista, mas sim sua coleção de personagens absolutamente peculiares. E para mostrar o impacto de tudo que aconteceu, nada mais justo do que escolher a personagem que melhor conecta os dois mundos, entre pessoas comuns e seres superpoderosos.  

Teela está incrível, muito mais tridimensional do que a guerreira eternamente tratada como dama em perigo. Assim como ganha contornos lindíssimos a sua relação com o pai, Duncan, o nosso Mentor. E isso sem falar na Maligna, gente. Ah, a Maligna. Que coisa MARAVILHOSA o que fizeram com ela. De longe, a melhor personagem (e olha que eu já gostava dela UM BOCADO no He-Man clássico, confesso). O Esqueleto? Na medida certa entre ameaçador e ridículo, como bem deveria ser desde sempre – e com a infalível voz de Mark Hamill.

Tem ação, tem humor, tem emoção. Tudo no lugar certinho. E não nega, em momento algum, a breguice, aquela estética exagerada e multicolorida. É puro 1980 sem QUERER ser 1980.

Em resumo, o que o Kevin Smith fez foi pegar a animação original e desmontar. Ele pegou os conceitos e reinterpretou. Desconstruiu, cortou tudo aquilo que não funcionava, que era horrível, que era datado, que não funcionava agora e nunca funcionou, entendeu os pilares realmente importantes por trás dos personagens e aí resolveu contar uma nova história.

AINDA BEM.

Porque, assim, dependendo de quem seja você e como diabos chegou aqui, talvez seja um pouco traumático ouvir isso, mas… o desenho do He-Man original, aquele lá de 1983, que fez a sua infância e de muita gente naquelas manhãs com gosto de Danoninho da TV Globo, era uma BOSTA. Lide com isso. E com suas memórias.

He-Man, tal qual Thundercats e muitos outros

Em 2018, quando saiu o trailer da série animada Thundercats Roar, aquele desenho animado do Cartoon Network todo non-sense, que trazia um novo olhar para os justiceiros felinos dos anos 1980, a internet explodiu. E veja, todo o barulho rolou quando saiu SÓ A PORRA DO TRAILER. Foi rigorosamente A MESMA chiadeira. E por causa disso, motivado pelos comentários de uma turma cuja infância deve ter sido BASTANTE questionável, lá fui eu me meter a escrever (ou seria cometer?) este texto aqui, pro JUDÃO.com.br.

Como parte de um exercício prático de estudo de campo, larguei o escudo virtual de lado e passei boa parte daquele final de semana ENGAJADO em discussões nas redes sociais a respeito do PALPITANTE assunto, de peito aberto e coração cheio de luz (mentira, eu tava até meio puto da vida mesmo). Desta forma, capturei aqueles que foram os comentários mais recorrentes e me dediquei a responder cada um deles.

A conclusão é a MESMA.

Quanto tempo faz que você viu um episódio do He-Man? Na sinceridade? Digo assim, pra valer, do início ao fim. Vou te contar que, nos últimos anos, eu fui lá e revi não só He-Man, mas também Thundercats, a G1 dos Transformers e os Silverhawks que, se pá, eu gostava ainda mais do que os felinos de Thundera. Vi diversos episódios de cada um deles. E sinto informar que TODOS, sem exceção, envelheceram mal PRA CARAMBA.

Não tô nem falando só em termos de animação, já que a dita cuja deixa bastante a desejar. O resto também é de lascar. As histórias são rasas até dizer chega e com um desenvolvimento de personagem que beira o sonolento. Memória afetiva, gente, é UMA MERDA. Preferi não fazer o mesmo exercício com Caverna do Dragão, que eu AMAVA. Porque tenho praticamente 99% de certeza que o resultado vai ser o mesmo. Vou guardar estas lembranças junto do meu eu de 10, 12 anos de idade.

Agora, lembra, por exemplo, quando fizeram a nova versão dos Caça-Fantasmas, agora com quatro minas? Eu usei a mesma pergunta – sabia que o original continua lá? Que, quando alguém faz um remake/reboot/nova interpretação, os filmes, séries, desenhos, gibis anteriores continuam existindo? Que basta você ir lá pegar pra curtir de novo aquela versão da qual você gosta tanto? Que uma versão modernizada não significa “vamos queimar todos os DVDs antigos do He-Man e tá todo mundo proibido de assistir? Todos os vídeos do He-Man antigo serão DELETADOS do YouTube”. ENTÃO. Não, né.

Só queria saber se isso tava claro pra todo mundo, sabe?

Pois se a sua infância foi tão ruim ao ponto de um novo desenho acabar com todas as boas memórias que a versão original te deixou, talvez o problema não esteja na nova animação e sim… em VOCÊ.

Quer dizer, não necessariamente em você, que acessa o Gibizilla regularmente. Mas no “você” que deve ter chegado aqui porque alguém te mandou este texto.

Se é o seu caso… fica aí com esta música pra tentar dar uma alegrada no seu dia.

¯\_(ツ)_/¯