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Era uma vez Blade, um caçador de vampiros…

Se você gosta tanto de ver seus heróis de quadrinhos detonando nos cinemas, deve agradecer (e MUITO!) a este cara aqui!

Por THIAGO CARDIM

O ano era 1991. O nome do sujeito era Wesley Trent Snipes, natural de Orlando, na Flórida. Depois de um papel surpreendente no estudo de Spike Lee sobre o racismo, Febre da Selva, ele acabou sendo descoberto por Hollywood. Não demoraria até que fosse parar em um avião, chutando o traseiro de um bando de terroristas – a produção era Passageiro 57, um dos mais subestimados filmes de ação dos anos 1990, mas que ajudaria a consolidar a imagem de Snipes como astro da pancadaria.

Se seguiriam pelo menos mais oito filmes do gênero até que Snipes, então, assumisse o papel que elevou seu nome às alturas. Um caçador de vampiros que, por acaso, era um obscuro personagem de histórias em quadrinhos. Seu nome era Blade.

Outrora nas mãos da New Line Cinema, atualmente um estúdio abaixo do guarda-chuva da Warner Bros., os direitos de adaptação cinematográfica de Blade retornaram para a Marvel, assim como aconteceu com Demolidor, Justiceiro e Motoqueiro Fantasma, a trinca do vigilantismo urbano nas ruas da editora de quadrinhos.

Matt Murdock e Frank Castle viraram séries do Netflix, contrato acabou, direitos mais uma vez tão no colo da Casa das Ideias e os rumores correm ferozmente sobre novos planos, novas séries no Disney+, eventuais aparições no MCU agora que o Multiverso é realidade… A respeito do Motoqueiro, depois DAQUELES filmes com Nicolas Cage, ele teve apenas uma breve aparição como personagem convidado em Agents of SHIELD e existia uma promessa de série própria pro Hulu, na versão Robbie Reyes, o motoqueiro que na verdade é um MOTORISTA fantasma. Mas o projeto acabou engavetado.

O Blade, no entanto, é OUTRA história.

Senta aí que a gente te conta…

Depois de Batman Eternamente (1995) e Batman & Robin (1997), as carnavalescas versões de Joel Schumacher para o Homem-Morcego nas telonas, muito antes de Christopher Nolan e Zack Snyder sonharem em ser beatificados pelos fãs, muito antes da Marvel virar um sinônimo de potência nos cinemas, parecia que Hollywood não estava assim tão empolgada com este papo de filmes de super-heróis. A crítica estava a pleno vapor, destilando veneno. O público não respondeu. O cenário era péssimo.

Mas a Marvel sempre teve um sonho, desde os seus primórdios, que era levar aquele bando de personagens para os cinemas. E, desde os anos 1970, com Stan Lee atuando como garoto-propaganda em suas rodadas de negociação com os estúdios, vinham tentando fazer acontecer. Ok, em 1986 eles conseguiram levar Howard, O Pato para as telonas mas isso é assunto pra outro dia. Porque, combinemos, o patinho mal conseguiu fazer cócegas nas ambições da Casa das Ideias. Foi algo muito fora da curva. O seu primeiro grande acerto, aquele que mudaria a dinâmica das coisas, veio em 1998, quando a New Line topou rodar a estranha jornada de um sujeito meio-homem, meio-vampiro, caçador implacável de criaturas da noite.

Não foi lá um risco muito grande, cá entre nós. Foi até meio calculado.

Afinal, Blade, criação de terror de Marv Wolfman e Gene Colan, sempre foi um personagem B na Marvel, bem mais underground, relegado ao circuito de histórias sombrias e macabras das revistas de terror e com pouca interação com o “elenco principal”, os campeões de vendas mutantes ou aracnídeos. Não seria, portanto, lá um grande problema para nenhuma das partes se o filme fosse mal. Não havia um compromisso que teria, por exemplo, caso o personagem fosse um dos blockbusters da editora naquele experimento. Não ia ser um ícone da cultura pop feito o Batman de anos antes. Seria só…o Blade.

O caso é que o Blade deu certo, muito certo, arrecadando mais de US$ 130 milhões em todo o mundo (pense que uma produção milionária e com centenas de vezes mais de efeitos especiais como o primeiro filme dos Os Vingadores fez seus US$ 620 milhões em 2012). Um filme de inspiração B para um personagem B que deu tão certo que ficou na cabeça do estúdio e gerou uma primeira continuação…dirigida por ninguém menos do que Guillermo Del Toro.

Só que, antes desta continuação, em 2000, o sucesso de Blade foi a mola propulsora para que a Fox aproveitasse o momento de fragilidade financeira da Marvel, naquele esquema de pedir falência e tudo, e fechasse de vez para o lançamento do primeiro X-Men, de Bryan Singer.

Goste você ou não, foi a partir daí que as películas de heróis deslancharam de vez e os executivos enfim entenderam o potencial da coisa. Sem Blade, não teria havido coragem para o primeiro X-Men. E sem os X-Men, não haveria o primeiro Homem-Aranha de Sam Raimi. E por aí vai. Robert Downey Jr. deve pelo menos um brinde de seu uísque mais caro a Wesley Snipes, afinal.

Só que agora, o Blade é da Marvel de novo

“Eu estaria aberto a fazê-lo”, afirmou Snipes para a MTV a respeito de um potencial Blade 4, durante o trabalho de divulgação de Os Mercenários 3.“Sabe, acho que deixamos algumas pontas soltas e existe espaço para que possamos trabalhar. Eu adoraria voltar ao uniforme e fazer algumas coisas que eu aprendi como fazer e que eu não sabia na época. Creio que estamos melhores na arte de contar este tipo de história agora”.

Exatamente, Wesley. E justamente por isso é que a Marvel tem que começar do zero. Porque eles agora conseguem contar uma história de Blade que não conseguiriam contar antes. Não tem que ser uma continuação do que foi antes.

O ponto é que isso foi antes de 2019. Porque na última San Diego Comic-Con pré-pandemia, Kevin Feige fez a turma presente pirar ao anunciar que, sim, teremos um novo filme do Blade. E que sim, será um reboot. Com ninguém menos do que o premiado Mahershala Ali (vencedor do Oscar por Moonlight e Green Book) no papel principal – que, aliás, já deu seus pulinhos no Universo Marvel como o Cottonmouth na série do Luke Cage. Na direção, o paquistanês Bassam Tariq (do elogiado drama “Mogul Mowgli”, com Riz Ahmed), com roteiro de Stacy Osei-Kuffour (da série de TV de “Watchmen”, portanto, UAU!).

Em um papo com o Gizmodo, aliás, o cineasta afirma que está empolgado justamente por não se tratar de um personagem com uma mitologia tão cravada em pedra quanto tantos outros medalhões, o que lhe daria ainda mais liberdade de ação.

“O que é muito bom é saber que isso não está assim tão engessado como acho que as pessoas imaginam que seja ou que eu mesmo pensei que fosse”, afirma. “Mas é muito empolgante, e acho que a realidade é que não temos um cânone do Blade. Em alguns gibis, você sabe, o nome dele é Fred H. Blade, ao invés de Eric Brooks . Infelizmente, seus arcos nunca duraram tanto, mas tivemos algumas passagens interessantes e emocionantes. Mas posso dizer que o novo filme tem foco no personagem antes de tudo”.

Lembremos que, originalmente, Eric Brooks / Blade apareceu nos quadrinhos em julho de 1973. Sua origem amplamente conhecida começa em seu nascimento, quando o médico que cuidou da gravidez de sua mãe, Deacon Frost, era na verdade um vampiro. O status de vampiro de Frost foi passado para Brooks após o assassinato da mãe do bebê, tornando Blade parte vampiro e imune a mordidas de vampiro. Ele foi integrantes de várias equipes nos quadrinhos da Marvel, dos Nightstalkers, passando pelos Filhos da Meia-Noite e chegando até mesmo aos Vingadores (na mais recente fase escrita por Jason Aaron).

Mas não dava pra chamar o Snipes de volta?

Então, este papo tem uns dois anos, na real. É assim.

Tá legal, o Snipes é bacana – depois de passar um tempo na cadeia por sonegação de impostos, ele está mais do que disposto a trabalhar, a suar a camisa. Veja só o bico que seu parça Sylvester Stallone, com quem trocou sopapos na divertida ficção científica O Demolidor (que enxerga muito bem e não se veste de vermelho), lhe arrumou na franquia d’Os Mercenários. Legal pacas, viva. Mas, definitivamente, não nos lembra o que a Marvel estaria pensando para o personagem – ainda mais pensando no que o estúdio vem fazendo com os seus filmes hoje.

Nem acho que seja pela idade – Snipes tem 59 anos, Robert Downey Jr. tem 56 e ficou até o último minuto como Tony Stark. Mas, sejamos honestos: trazer o ator novamente para o papel de Blade seria quase o equivalente (guardadas as devidas proporções, vejam) a pedir que Lou Ferrigno assumisse novamente a pele verde e as calças roxas rasgadas do Hulk. Não dá mais. Ainda mais depois de Blade: Trinity, o terceiro filme da franquia, uma bomba dirigida por ninguém menos do que David S.Goyer – roteirista dos filmes do Batman dirigidos por Christopher Nolan e também de O Homem de Aço, Batman v Superman, Liga da Justiça e porra toda da DC Comics nos cinemas. Isso sem falar na tenebrosa série televisiva da Spike TV, que teve apenas 12 episódios e, graças a Odin, uma única temporada (mas que aí não era com o Snipes, justiça seja feita).

Se, para fazer o seu filme do Capitão América, a Marvel Studios não precisou se inspirar NAQUELE filme de 1990 estrelado por Matt Salinger, não haveria necessidade alguma de prestar tributo a Snipes.

Quer dizer, veja. Melhor repensar esta frase.

Talvez até que o ator merecesse, de fato, uma homenagem carinhosa, talvez uma ponta como um vampirão superpoderoso (talvez o DRÁCULA?), enfim. Porque se hoje temos todo este frisson em torno dos heróis das HQs nos cinemas, com a Marvel alardeando os seus Vingadores, Guardiões da Galáxia e Eternos para todos os lados, enquanto a DC contra-ataca com Flash, Aquaman e Mulher-Maravilha, é tudo graças ao miserável do Blade que tava lá pra pavimentar o caminho.

Assim que Snipes descobriu que a escolha de Mahershala, aliás, foi bastante classudo, mesmo com todo o barulho dos fãs. Num papo com o ComicBook.com, disse ter ficado surpreso, mas sabe que este mercado é assim – por isso, era pros Daywalkers (o nome da base de fãs inspirado na capacidade do Blade de andar sob a luz do dia) relaxarem. “Honra e respeito ao mestre Stan [Lee]. Parabéns e salaam ao Mahershala Ali, um artista talentoso e belo cujas atuações espero ainda ver por muitos e muitos anos. Ishallah, ainda vamos trabalhar juntos. Mais importante, aos meus fãs fieis, o tanto de amor que tenho recebido é incrível. Sou muito grato pelo apoio infinito. Então, não se preocupe, não é o fim da história”.

Em tempo…

Todo este papo sobre o “vazamento acidental” da data do novo Blade, em um post que o perfil oficial indiano da Marvel acabou apagando depois, me parece um pouco exagerado demais. Afinal, uma produção que estaria, até o momento, prevista para começar a rodar em julho de 2022, do nada ir parar em OUTUBRO do ano que vem, de fato parece algo BEM apressado mesmo.

O que sabemos é que, segundo Feige, este Blade vai se passar na Fase 5 e não na Fase 4 do MCU – portanto, depois da loucura toda com o multiverso que tá prometida pros próximos filmes do Homem-Aranha, do Doutor Estranho e do Homem-Formiga. Mas mesmo assim, eles podem optar por fazer um “filme-flashback”, tipo Viúva Negra ou Capitã Marvel.

Tamos aí esperando pra ver…