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Miss Marvel traz pro MCU o mesmo frescor que trouxe pras HQs

Com a ótima Iman Vellani no papel principal de Miss Marvel, nova série do Marvel Studios pro Disney+ apresenta a Kamala Khan live-action de um jeito leve, gostoso, divertido e pop como os melhores vídeos do TikTok

Por THIAGO CARDIM

“Miss Marvel. Se nós fossemos lançar essa revista há dez anos, provavelmente nunca teria dado certo”. A frase é de Joe Quesada, que foi editor-chefe da Marvel e até bem pouco tempo atuava como CCO da empresa, em uma entrevista pro CBR lá no ano de 2016. Na época, Kamala Khan tinha pouco mais de 2 anos desde seu lançamento. “Não só achamos o público, mas também tínhamos as pessoas certas na publicação e achamos a editora certa, os quadrinistas certos. E agora temos uma personagem que é muito conhecida – e isso muito, muito rápido”.

É fato – criação do combo formado pelos editores Stephen Wacker e Sama Amanat (que, assim como a personagem, também passou pela experiência de ser uma adolescente muçulmana crescendo nos EUA), dos artistas Adrian Alphona e Jamie McKelvie e da roteirista G. Willow Wilson (norte-americana que se converteu ao islamismo durante a faculdade e viveu muitos anos em Cairo, no Egito), Kamala Khan / Miss Marvel teve um crescimento meteórico nos gibis da Casa das Ideias. Mas tava na cara, desde as primeiras aparições, que ali tinha algo especial.

E tinha mesmo.

Rapidamente, Miss Marvel se tornou uma espécie de novo Peter Parker da Marvel. O nosso Cabeça de Teia original, agora um trintão, não era (e nem é) mais um adolescente com problemas familiares e, de alguma forma, ele acabou até perdendo um pouco da expressão de “gente como a gente”, o everyday man, mas também a conexão com o bairro que lhe deu a alcunha de “amigão da vizinhança”. Ficou tudo grande demais, complexo demais, cósmico demais. Não apenas o Miles Morales ter sido trazido para o mesmo universo ajudou a preencher esta lacuna, mas a Kamala também trouxe um frescor juvenil que andava fazendo falta na intrincada mitologia da editora. Kamala é natural, conversa com as garotas que não se enxergavam naquelas HQs, dá espaço para um tipo de personagem fora do padrão WASP.

E, não por acaso, Miles e Kamala são melhores amigos nos gibis.

E, igualmente não por acaso, a versão em carne e osso da Miss Marvel é uma mais do que bem-vinda lufada de ar fresco, de cor, de musicalidade, a um MCU (Marvel Cinematic Universe) que aos poucos vai se tornando cinzento e sofrido…

Obrigado pela existência da Iman Vellani

O primeiro episódio da série da Miss Marvel, exibida no serviço de streaming Disney+, já mostra total a que veio – e esperamos que o clima se mantenha alterado até o último episódio. Mais uma vez, como aconteceu com o seriado dos Gaviões Arqueiros, o universo Marvel está ali, ao redor. Aconteceu tudo, Batalha de Nova York, Thanos, Blip, as pessoas obviamente não se esquecem, os Vingadores tão na boca do povo. Mas, ainda bem, a história não gira EM TORNO disso. O que é um alívio. Miss Marvel tem vida própria, numa trama contida em si mesma e que conversa demais com os primeiros arcos do gibi, apresentando a família, os amigos e, principalmente, a vizinhança. Tanto quanto a sua própria cultura muçulmana, Jersey City tem um papel fundamental na trama, sendo quase como um personagem à parte. As ruas, os mercadinhos, a escola, a lanchonete, tudo tem papel fundamental na construção narrativa.

E aí que tem a Iman Vellani. Que achado, senhoras e senhores.

Assim, todo o núcleo principal da série é incrível, do tipo que você reconhece e fatalmente deve conhecer na sua vida cotidiana. Mas a protagonista é especial de tudo. Iman não apenas incorpora a Kamala dos gibis com perfeição como é uma metralhadora de carisma. O olhar, o sorriso, a empolgação com as histórias dos heróis… Ela é, sem exagero, perfeita. Para o papel e para ESTE momento do MCU. Porque dava pra perceber, antes mesmo das entrevistas que só confirmaram isso, que ela estava não só muito à vontade, mas curtindo aquilo DEMAIS. Ela está se divertindo. E é o tipo de coisa que faz uma diferença BRUTAL.

Eu senti vontade de dar um abraço na Kamala e também na Iman. De ser amigo da família, de ir na casa deles pra jantar, de ouvir as histórias do pai, de levar comigo as marmitas da mãe.

Não dava pra acertar mais do que isso, na moral.

Iman Vellani como Kamala Khan, aka Miss Marvel
Iman Vellani como Kamala Khan, aka Miss Marvel


Não é uma história pra você… Mas também é, tá?

Ó, vamos tirar uma coisa do caminho aqui nesta discussão – Miss Marvel é uma série sobre uma heroína adolescente. Estrelada por uma adolescente. E que, inevitavelmente, fala muito mais com o público adolescente do que com você, trintão ou quarentão reclamão. É aquilo que a gente sempre repete, como um mantra, pra ver se entra na cabeça de certas pessoas: nem tudo na vida PRECISA ser feito para você. E Miss Marvel pode ser um ponto de partida perfeito para uma molecada que nem estava neste rolê quando os trutas de Kevin Feige colocaram seu plano em andamento com o primeiro Homem de Ferro, lá em 2008 (já sacou que faz 14 anos?).

Mas veja só… Miss Marvel é uma série adolescente mas que QUALQUER um pode curtir. Ponto. Se você, homem adulto, não consegue curtir algo que não necessariamente é feito tendo a sua pessoa em mente, então talvez o problema esteja… vamos lá, é fácil de adivinhar… COM VOCÊ. Porque Miss Marvel é uma série de super-herói que, de alguma forma, dialoga muito bem tematicamente com uma Sex Education ou Heartstopper, por exemplo. O jovem fora do “normal”, tentando encontrar seu lugar, seu eu, sua personalidade. Pois eu tenho 42 anos. E sei que não sou, sei lá, o público-alvo de Sex Education. Mas… e daí? Fui lá, assisti e, ainda assim, adorei. Apaixonei.

Porque acredito de verdade que uma Miss Marvel da vida tem todo o potencial para ser pra minha filha adolescente o que os filmes do John Hughes foram pra mim, por exemplo.

Pop como os melhores vídeos do Tik Tok

Miss Marvel é uma série pop. Que sabe não apenas aplicar dinamismo e ritmo à história de uma garota apaixonada pela Capitã Marvel (que ela praticamente cultua quase com base numa espécie de lenda a seu respeito, já que existem poucos registros públicos sobre a heroína na Terra), mas também sabe usar muito da estética dos quadrinhos e das redes sociais a seu favor.

O aspecto visual acaba se tornando importantíssimo, lembrando um tanto do que Jon Watts experimentou no primeiro filme com Tom Holland, Homem-Aranha – De Volta ao Lar, e que infelizmente foi abandonado nas duas produções seguintes. Estão lá os desenhos que se misturam aos diálogos, os rabiscos nos cadernos se mesclando aos cenários, os stickers que lembram aqueles dos Stories do Instagram pulando para complementar as reações, as conversas via comunicador instantâneo nas janelas, os grafites da cidade que tomam vida diante da imensa imaginação da heroína que quer ir além das restrições da família tradicional.

Mais um belíssimo acerto dos produtores, deixando claro que este é um tipo de história do MCU diferente do que estamos acostumados a ver até o momento. E por isso, deixo mais um “muito obrigado”.

Ah, sim, tá bom, vamos falar sobre os poderes da Kamala Khan

Olha só, um dos pontos mais discutidos desde que saíram os primeiros vídeos da série foram, de fato, os poderes da Miss Marvel. Diferente do que acontece nos gibis, ela não muda de forma (pelo menos, até o momento) e não “se estica”, mas sim cria construtos que são como extensões de seu corpo, com uma textura que lembra muito cristal (acho que mais Quasar do que Lanterna Verde, pra ser honesto).

E não, ela não é uma inumana, cujas habilidades surgiram da exposição à névoa terrígena – e, honestamente, eu estou totalmente de acordo com isso, na moral. Não existem inumanos no MCU mas, ainda que existissem, a conexão que foi criada pelo bracelete torna tudo ainda mais relacionado com a própria ancestralidade dela, seu histórico familiar, alguém que ficava sonhando com as estrelas… Perfeito. Encaixe ideal. Agora… com relação ao visual, digamos que gosto mais desta solução do que do borrachão tipo Reed Richards. E explico.

O colorido mais vibrante e a textura lembram BEM mais tudo que envolve a própria Capitã Marvel e seus aspectos cósmicos, alienígenas, espaciais. E aí está o segredo. É isso que faz Kamala Khan ficar tão encantada, tão empolgada, pensando no que pode ser, em quem seria, no quão mais próxima de Carol Danvers ela ficaria. Exatamente como sua mãe mais tinha medo que acontecesse.

Pra mim, uma ÓTIMA solução, se quer saber minha opinião. 😉

Ah, sim, é claro, vamos então falar sobre a cena pós-créditos

Pô, não, nem vamos, hahahahahahaha. Assim, a cena pós-créditos do episódio 1 não precisa de explicação, vá. E você nem precisa ter assistido nada antes pra entender, por mais que seja um personagem mais do que secundário que apareceu lá no primeiro filme do Aranha. Ele é só um “gancho” pro próximo episódio. Galera tá tão acostumada com binge watching, com maratonar tudo duma vez só, que até esqueceu que isso é natural. Até novela faz, povo.

Estes “mistérios”, estes “suspenses”, são parte da dinâmica da TV semanal desde SEMPRE. Fica uma isca pro episódio da semana seguinte, pra todo mundo comentar e querer voltar pra entender o que acontece. Nada de novo, vai. Aí nas próximas semanas eles explicam e tá beleza. Ué.

Fechou, então?

Fechou. E que, a cada semana, a gente possa curtir um novo episódio de Miss Marvel sempre com um sorrisão no rosto e o coração quentinho da mais pura e genuína fofura. Eu topo FÁCIL.