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Novo Homem-Aranha Ultimate é o Peter que estávamos esperando

Jonathan Hickman ganha a chance de ENFIM falar da vida adulta do eterno adolescente da Marvel Comics

Por THIAGO CARDIM

Se tem uma coisa que eu, enquanto fã e leitor do Homem-Aranha desde que me entendo por gente (leia-se “desde que comecei a devorar os gibis do personagem, inclusive os horríveis, com 7 anos de idade”), sempre pensei foi no quanto ele se parecia comigo. Aquela coisa que é típica do Cabeça de Teia desde que Stan Lee e Steve Ditko criaram o camarada, o chamado everyday man, o cara comum, adolescente cheio de problemas na escola, de grana, na relação com os amigos, com a namorada…

Isso, no entanto, durou até por volta dos anos 2000. Porque depois dos 20, 25 anos de idade, a minha vida obviamente era outra. As tretas eram outras, os boletos entraram na equação, veio a complicação desta coisa chamada “trabalho” … E aquele Peter eternamente preso na adolescência, ainda que tardia, não me representava mais tanto assim. Continuava, como fã, lendo pela teimosia. E amava vê-lo evoluindo, como professor de ciências da escola, como pesquisador dos Laboratórios Horizonte. Como um homem casado com a MJ. Mas ficava frustradíssimo quando a Marvel voltava a dar dois passos atrás e, logo na sequência, o colocava de volta sempre na lama, sem dinheiro, dormindo no sofá de um amigo e enfrentando, mesmo aos 20 e poucos anos de idade, os mesmos problemas de um moleque de 15.

Bastava algo similar a um estalar de dedos do Mefisto pro Peter voltar a ser moleque.

Mais do que acontecia com qualquer personagem de gibis, eu queria MUITO ver o Aranha crescer, envelhecer, amadurecer. Aliás, vamos combinar, eu queria mesmo ver o Peter envelhecer. O homem por baixo da máscara, que é a coisa mais interessante dos quadrinhos do Homem-Aranha. Queria enxergar o Peter um pouco mais como EU. Porque HQs de hominhos são verdadeiros novelões sem fim, que acompanhamos há décadas. E eu queria ver a próxima fase do novelão, tal qual acontece com os próximos capítulos de “Renascer”.

Chega o Miles e foi quaaaaaaaaaaaaaase…

Quando a Marvel criou o Universo Ultimate, a sua reinterpretação dos personagens sessentistas para o século XXI, vimos uma versão do Peter Parker teen mais uma vez, só que desta vez num mundo com internet e câmeras eletrônicas. As histórias eram ótimas, precisamos admitir, mas era MAIS UMA VEZ aquele Teioso moleque. Até que ele morreu. É, tombou em batalha numa luta contra o Sexteto Sinistro. Acontece.

Pintou então um novo Aranha, o nosso já querido Miles Morales. O Universo Ultimate foi destruído, em mais um daqueles eventos apocalípticos que editoras de gibis de heróis amam fazer de tempos em tempos. E, numa solução tão rocambolesca quanto ideal, o Miles foi trazido desta “realidade alternativa” para o chamado Universo 616, para encontrar com o Peter Parker “oficial”, da cronologia principal. Uma espécie de Crise nas Infinitas Terras versão pocket.

Sim, sim, sim! Agora o Miles assumiria o papel de “Homem-Aranha adolescente” e teríamos a chance de ver o Peter ENFIM ser retratado como adulto. Opções para todos os gostos e tipos de leitores. Viva!

Só que não.

Mesmo com o Miles por perto, pouco mudou no que se esperava de Peter Parker. Passamos a ter um Miles que, aliás, passou a encarar questões bem mais complexas e maduras em sua vida pessoal do que o sobrinho da Tia May. Peter continuou sendo um moleque de 17 anos preso num corpo atlético e cheio de superpoderes de 25, quase como uma versão não-oficial do Shazam em tempo integral.

Parecia MESMO uma batalha perdida.

Até que entrou em cena um sujeito chamado Jonathan Hickman.

Eis que temos um NOVO Universo Ultimate. E um NOVO Peter Parker.

A Marvel resolveu, recentemente, trazer o Universo Ultimate de volta. Ou pelo menos a ideia do que ele seria – mas, ao invés de pensar em “o que aconteceria se os heróis da Casa das Ideias tivessem sido criados nos anos 2000”, eles simplesmente deram liberdade aos criadores para que repensassem os bonecos todos do jeito que preferissem, com um viés preferencialmente BEM diferente das versões que conhecemos desde sempre.

No caso do Aranha, o roteiro é de ninguém menos do que Jonathan Hickman, o cara que criou a longeva e elogiada fase Krakoa dos X-Men, aquela que virou o status quo dos mutantes do avesso. E era isso que ele estava disposto a fazer com Peter Parker, obviamente que numa escala um tanto menor, devidamente acompanhado pelo traço certeiro, ágil e moderno de Marco Checchetto – ilustrador italiano que talvez seja hoje um dos maiores nomes dos desenhos na Marvel.

Dando um pouco de contexto: depois de “recriar” este universo das cinzas, o Criador, alcunha vilanesca do Reed Richards Ultimate, voltou ao passado e mudou a história de seus heróis para que eles simplesmente nunca existissem, de maneira que não desafiassem o seu comando. Sabe a aranha geneticamente alterada (e não radioativa) que deveria ter picado o Peter? Sumiu da existência.

Assim, Peter cresceu, nunca foi Homem-Aranha, se casou com a Mary Jane e teve dois filhos, tornando-se um respeitado fotojornalista no Clarim Diário. Até barba o desgraçado deixou crescer. 😉

Mas uma outra versão de Tony Stark estava disposta a mudar tudo. Recuperar o que o Criador mudou. E fazer com que este Peter adulto soubesse da história que poderia ter vivido. E trouxe a aranha de volta, dando a Peter a chance de picá-lo, como deveria ter acontecido muitos anos antes.

Pois eis que surge o Homem-Aranha. Só que num momento BEM diferente da vida de Peter Parker. E isso é MUITO legal.

“Família, família. Almoça junto todo dia. Nunca perde essa mania”

Este Peter Parker ainda é um cara bem-humorado, um piadista incorrigível… Mas a pegada, definitivamente, é outra. Até as piadas são mais daddy jokes (ou “tiozão do pavê”, no bom português). Tamos falando de um cara que sempre sentiu que faltava ALGO em sua vida, apesar de ser feliz. Alguém que não tem exatamente uma vocação heroica, mas está aprendendo tudo aos poucos, meio que aos trancos e barrancos. Sua noção de poder e responsabilidade hoje tem menos foco nos ensinamentos dos seus tios, mas sim na preocupação que ele tem com ser um bom exemplo para as suas crianças. Não é um eterno olhar pra trás, mas sim pra frente.

Lendo os três primeiros números da nova série – por enquanto, ainda sem previsão de lançamento aqui no Brasil, mas aparentemente a coisa não deve demorar – a gente percebe inclusive que o próprio perfil super-heróico deste Homem-Aranha vai sendo montado a partir de uma vida que vai além de um adolescente trancado em seu quarto com uma máquina de costura. Sua filhota mais nova, por exemplo, tem papel fundamental na escolha do uniforme e na postura mais “simpática” de um cara que tá bem longe de ser um Amigão da Vizinhança.

Além disso, já dá pra sacar que o roteirista escolheu (ainda bem!) dar um tom diferente ao relacionamento entre Peter e MJ – que funcionam numa dinâmica distinta tanto do que já vimos no Universo 616 quanto numa versão alternativa como aquela de “Renove Seus Votos”, escrita por Dan Slott. Ali, o que ele aborda é um Aranha já herói, com uma esposa e uma filha igualmente com superpoderes… É tudo bem engraçado, mas também mais pastelão, mais inocente até. Tal qual vemos, por exemplo, com o Peter paizão da animação “Através do Aranhaverso”.

Neste Homem-Aranha Ultimate, tudo soa bem mais pé no chão. Vida real. Pete e a sua amada ruiva parecem ter uma relação mais madura do que a gente já viu em qualquer gibi do herói, sem dramas rasteiros, sem soluções folhetinescas. Aliás, dá pra perceber inclusive que Mary Jane fez muito bem no processo de amadurecimento de Peter, que está longe de ser aquele trintão eternamente conectado aos traumas do passado e com saudades nostálgicas de seus tempos de moleque. O que existe entre eles é uma conexão que, entre contas e rotina de trabalho, parece ser de muita confiança e amizade. É bonito de se ver.

Gente de verdade, carne e osso, fora das discussões do Twitter.

Importante reforçar ainda que Hickman fez algumas interessantes escolhas narrativas para mostrar que a vida de Peter Parker mudou sob uma série de aspectos que vão além da idade e de nunca ter usado o pijamão vermelho e azul. Muitas coisas ao seu redor são diferentes.

Este Peter vive num mundo sem super-heróis. O lendário Capitão América é coisa BEM do passado. Peter nunca conheceu Harry Osborn. Ele nunca conheceu Gwen Stacy. Aqui, foi a Tia May que morreu – e seu Tio Ben está vivo. Aliás, Ben Parker é um grande amigo de J.Jonah Jameson, e a dupla se demite do Clarim Diário quando percebe que as coisas estão mudando para pior assim que um sujeito de nome Wilson Fisk assume o comando do jornal. Agora, eles estão querendo montar seu próprio veículo jornalístico do zero, gerando nas interações entre eles alguns dos momentos mais divertidos do gibi. E como sabemos que um dos segredos das HQs do Aranha é ter um bom elenco de coadjuvantes…

No fundo, aliás, o DNA do nosso Peter Parker velho de guerra está ali, não dá pra negar.

Pode ser que esta série dure pouco. Pode ser que ela tenha vida curta. Mas vou dizer, com toda a honestidade DO MUNDO: eu AMARIA que este Peter substituísse de vez o Peter do Universo 616 (assim, direto, sem frescura, apaga um da existência, vem o outro de mala e cuia, com a família a tiracolo) e tivesse a chance de dividir os holofotes com o Miles, aprendendo com ele sobre a vida de herói e ensinando a ele sobre a vida de adulto fora do universo dos vigilantes mascarados. Ia ser INCRÍVEL.

Me escuta aí, Dona Marvel.