Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Mötley Crüe e Def Leppard fazem belo espetáculo de opostos em SP

Apesar de ambos serem ícones do hard rock, americanos e ingleses fizeram performances completamente distintas (e complementares) em um show grande demais pra público de menos

Por THIAGO CARDIM

Fazia um tempão que eu não escrevia uma resenha de show. Aliás, pra ser honesto, fazia um tempão que não ia de fato a um show – por aqui, levamos os cuidados com a pandemia até o limite e só começamos a frequentar apresentações com um tantinho mais de gente em janeiro deste ano, 2023, quando pintamos na plateia do Tuatha de Danann, de longe uma das minhas bandas brasileiras favoritas hoje em dia. Mas foi apresentação pequena, quase intimista, apesar de toda a garra e suor.

Aquelas paradas enormes, megalomaníacas, em estádio, só rolaram DE FATO com este prometido combo de Mötley Crüe e Def Leppard, performance única em São Paulo.

Tá bom que eu ia curtir em dobro se fosse mesmo uma reprodução da Stadium Tour original, que trazia Poison e Joan Jett no pacote. Mas digamos que Mötley e Def já matariam um tanto da minha fome por hard rock farofa. Meio sem grana, um tanto ignorado pelas assessorias de imprensa (somos um site pequeno, ora bolas), segurei a compra de ingressos até o último minuto. “Será que rola?”, pensava eu, contando os centavos. Mas aí veio a oportunidade da tal promoção 2 por 1 e, bingo, eu e Gabi desafiamos nossas colunas cansadas e confirmamos nossa bela dose de adrenalina e banhos de cerveja.

Em se falando no tal 2 por 1…

Vejam só, quem já tá neste rolê de cobertura de shows há mais tempo, tá ligado que quando a venda de ingressos entra em 2×1, sinal de que algo não vai lá muito bem no resultado comercial… Tudo bem que tanto Mötley e Def são bandas que vieram muito pouco ao Brasil – e, dada a longeva trajetória de ambas, vieram tarde demais. Mas, mesmo assim, apesar do ineditismo, são bandas pequenas por aqui, gostem os fãs de ouvir isso ou não.

Os mesmos fãs, aliás, que tranquilamente encheriam um Espaço Unimed, antigo Espaço das Américas, mas não necessariamente lotariam um Allianz Parque – justamente por isso, pra dar uma disfarçada, o palco acabou montado meio que na metade do gramado, tentando meio que mascarar o público abaixo do esperado.

Aparentemente, apesar de uns espaços aqui e ali, funcionou.

Dito isso, o que se viu foi um espetáculo de duas bandas muito interessantes, dois ícones do hard rock, bandas especialistas no que se convencionou chamar de “rock de estádio”… Mas que entregam duas performances radicalmente diferentes.

Mas, antes delas, vamos falar sobre Edu Falaschi.

Poisé, antes teve Dudu

Proeminente expoente do nosso metal espadinha nacional, coube à banda solo de Edu a tarefa de abrir os trabalhos. Ainda que moremos relativamente perto do estádio, as responsabilidades da vida adulta (leia-se “aquela que paga as contas e que não é nem este site e nem qualquer um dos nossos podcasts”) nos impediram de pegar a apresentação completa de Edu.

Quer dizer, mais ou menos. Porque o set do sujeito foi bem curto, com apenas cinco canções… e nós chegamos no meio da terceira (no caso, “Bleeding Heart”, aquele cover do Calcinha Preta)*.  Com apenas UMA faixa de seu trabalho solo, o recente “Vera Cruz”, ele se focou nas mais farofentas de sua fase do Angra, pra tentar ganhar o público. Aqueles que, como eu, eram mais do mundo metalístico, conseguiram entrar rapidamente no clima. Mas não era bem o perfil de quem esperava as duas atrações principais da noite.

No fim, apesar de uma banda bastante competente e de ter o suporte de dois backing vocals de responsa, a performance vocal do Edu, que tem sido alvo de muitas críticas ao longo dos últimos meses, realmente está bem irregular. Foi tudo meio esquisito e ele pareceu, mais do que nunca, apequenado naquele palco imenso. Mas, mesmo assim, segurou a bronca no carisma, bateu no peito e entregou uns 30 minutos de aquecimento sem comprometer a experiência de ninguém. Demorou pra turma aquecer, mas no final da última canção, “Nova Era”, já tinha uma galera apaixonada gritando o nome dele.

Certeza que, se ele tivesse mudado os planos e apelado pra uma “Pegasus Fantasy” da vida, que tinha muita gente pedindo, tinha virado o jogo mais rápido.

Pra mim, este momento de chegada, este retorno a um show de estádio, foi uma ambientação interessante. Estava empolgado, quase como se fosse a minha primeira vez – e, bom, era mesmo, depois de quase três anos. Foram muitas sensações, eu ficava sorrindo feito bobo, olhando pros lados, pra cima, prestando atenção nas camisetas, em toda aquela gente, voltando a respirar um ar que me foi bastante familiar um dia, já que cuidei da cobertura de grandes shows internacionais durante um bom tempo da minha vida.

E retornando ali justamente com a voz do Edu, já que vi tranquilamente uma dezena de apresentações do Angra nas turnês do “Rebirth” e do “Temple of Shadows”… Pô. Pra mim, foi meio um “fica sussa, cara, você tá em casa DE NOVO”.

Def Leppard em SP
Def Leppard em SP

Deixa eu falar do leopardo surdo

Sim, sim, estou PROPOSITALMENTE invertendo a ordem aqui. Porque eu sei que, nesta turnê, Crüe e Leppard estão alternando a cada data quem começa e quem encerra a noite. E obviamente que eu sei que aqui em SP, foi Crüe antes e Leppard depois. Porém…Vocês vão me entender.

Talvez uma das coisas mais simbólicas desta combinação de bandas seja o quanto elas são diferentes entre si e o quanto entregam performances distintas. Mesmo.

O show dos leopardos surdos ingleses é correto do início ao fim. Joe Elliot ainda canta benzaço e segura bem na presença de palco, o lindão Phil Collen é tão bom de peitoral quanto de guitarra com sangue nos olhos, com uma performance que Vivian Campbell completa na medida. A cozinha do estiloso Rick Savage e do queridíssimo Rick Allen é a cola que integra direitinho este belo risoto.

Que é bom. Mas que não é um sanduba com batata frita.

Não apenas eles conseguiram colocar no setlist canções do disco novo, “Diamond Star Halos”, incluindo a abertura “Take What You Want”, como meteram uma bonitinha releitura acústica pra “When Love and Hate Collide”. Entre canções mais chatinhas (tipo “Rocket”) e belos clássicos como “Bringin’ On the Heartbreak”, o equilíbrio tava feito, pois seria impossível não se empolgar com “Rock of Ages”, com o cover novelístico do Yahoo*, a grudenta balada “Love Bites” (que eu cantei em português, vocês me perdoem) e com a sexy versão para o hit de Wilson Simonal*, “Pour Some Sugar on Me”.

Eles tocam bem e cantam bem – fazendo, aliás, belíssimas harmonias vocais, alternando vozes e se juntando a Elliot tal qual um Roupa Nova britânico. É um show limpo, asseado, simpático. Mas um tanto… hum… morno. Que não chega a ser chato, mas também não te faz berrar a plenos pulmões. Eu e Gabi curtimos, dançamos, namoramos. Fofo. Mas… né? ¯\_(ツ)_/¯

Portanto, de fato, achei até um pouco injusto que eles tenham se apresentando DEPOIS de Nikki Sixx e companhia. E explico o motivo.  

Motley Crue em SP
Motley Crue em SP

Crüe e ponto final, porra

Olha só, vou tirar de vez o band-aid e dizer que, sim, Mötley Crüe é uma banda do meu coração, uma das poucas que eu ainda não tinha conseguido ver ao vivo. E sim, o principal motivo de eu ter comprado estes ingressos. E sim, eu conhecia LITERALMENTE todas as canções do setlist. Claro que isso tem impacto. Mas… ainda assim, eu conseguiria dizer aqui, tranquilamente, se eles tivessem sido engolidos pelo Def. Não tenho problema de admitir isso. Só que não foi o caso.

O Mötley Crüe estava, aliás, no extremo oposto. Com John 5 assumindo as guitarras no lugar de Mick Mars, debilitado graças à sua doença degenerativa, eles ganharam ainda mais espaço em presença de palco. O sujeito corre de um lado pro outro, faz caretas para a câmera, mete referências ao saudoso Eddie Van Halen (com “Eruption”) em seu momento de solo… É do tipo de showman que uma banda como esta de fato precisa. Dá uma boa equilibrada na equação.

O que se viu foi uma formação BEM melhor entrosada do que aquela que subiu no palco do Rock in Rio, em 2015. Mesmo estando longe de uma performance “ideal”, o vocalista Vince Neil agora se adequa um pouco mais, com canções cujos andamentos foram mexidos para não deixar o sujeito sem voz logo na primeira metade. Tá bom que o apoio das meninas da dupla Nasty Habits, formada por Bailey Swift e Hannah Sutton, foi crucial pra ele em muitas ocasiões. Mas o sujeito não decepcionou, brilhando principalmente na linda “Home Sweet Home”, grande momento da noite.

No fim, o show do Mötley Crüe é sujo. É caótico. É bagunçado. É barulhento. É explosivo. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Tem mais efeitos especiais, mais pirotecnia, mais colagens vibrantes nos telões. E traz uma banda que erra – basta ver a loucura que foi justamente a performance de um de seus hits absolutos, “Dr.Feelgood”, uma mistureba que foi até difícil de acompanhar. Portanto, também é mais humano. Mais orgânico. Mais vivo. Muito mais do que Vince, os dois donos absolutos da banda, o baixista Nikki Sixx e o baterista Tommy Lee, fazem o papel de interlocutores com a plateia, em momentos que conseguiram não quebrar toda a fluidez.

Sixx é o coração, o cara que vem com a bandeira do Brasil, que demonstra emoção com o que tá rolando ali, que chama uma garota da plateia pra representar meio que a “nova” geração de fãs da banda. E Lee é o bobo da corte, o zé graça, que faz as piadas de tiozão, que fala de bunda e peito como se tivesse quinze anos de idade, mas que declara amor ao nosso país e diz odiar os Estados Unidos. Aí tu já me ganhou, rapá.

Sim, tivemos dois momentos bem fraquinhos, com “The Dirt” (parceria com Machine Gunn Kelly para promover o filme do Netflix) e “Saints of Los Angeles”, que eu particularmente amo, single do último disco de estúdio dos sujeitos, lá de 2008. Nenhuma das duas estava no rol de sucessos como “Girls Girls Girls”, “Live Wire” ou “Looks That Kill” e, portanto, o público não respondeu muito. Só que os caras bem compensaram ao inventar um medley com pedaços de versões para “Rock and Roll Pt. 2” (Gary Glitter), “Smokin’ in the Boys Room” (Brownsville Station), “Helter Skelter” (Beatles), “Anarchy in the U.K.” (Sex Pistols) e “Blitzkrieg Bop” (Ramones).

Ali, o jogo tava ganho.

E o que aconteceu comigo? Ué, eu enlouqueci. Pirei. Berrei cada letra durante 1h30 até ficar sem voz. Suei feito um maluco, me descabelei mesmo tendo poucos cabelos na cabeça.

Dois lados do hard rock. Numa bela noite, do tipo que teria tudo pra entrar pra história. Pena que pouca gente viu. Bom, vamos lá. Pelo menos pra MINHA história, ah, esta noite com certeza entrou.

Vejamos qual vai ser o próximo do ano.

* Olha só, se tu não entendeu as referências devidamente marcadas com o asterisco e está arrancando os cabelos de raiva, de fato talvez este site não seja bem pra você… Mas valeu pela visita, parça! 😉