Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Os muitos mundos de Oghan N’Thanda

Talvez você já conheça o trabalho dele. Talvez ainda não. O que dá pra dizer, no entanto, é que você DEVERIA conhecer. Até porque são trabalhoS. Assim mesmo, no plural. E são muitos. E ele está lançando mais um, o hopepunk “Os Oradores dos Sonhos”

Por THIAGO CARDIM

Originalmente conhecido como José Roberto Vieira, o nosso entrevistado nasceu em São Paulo e viveu em Toronto. Formou-se em Letras, fez pós em Jornalismo no SENAC e História da Religião pela Universidade Cruzeiro do Sul. Mas só isso não dá conta de descrever este cara. Ainda mais porque quem conhece o trabalho dele, obviamente é por outro nome: Oghan N’Thanda. Um escritor brasileiro cuja história parece tão interessante e inspiradora quanto aquelas de suas próprias obras.

“A minha história de vida é meio complicada”, conta ele, em papo exclusivo com o Gibizilla. “Quando eu era bem mais novo, ali pelos meus 12 anos, me envolvi com um pessoal barra pesada, e acabamos por cometer pequenos delitos no meu bairro”. Com o dinheiro em mãos, Oghan foi até uma locadora (joga no Google, xóvem) em busca de um jogo de luta chamado Final Fight 3, mas acabou alugando Final Fantasy 3, que apresentou pra ele o conceito de RPG.

“Por causa disso conheci o RPG de mesa e fiquei viciado, jogando todos os dias com uns amigos”. Foi aí que ele se meteu a estudar Letras, chegou a morar fora… e resolveu dar vida aos seus próprios mundos. “Nessa época, também eu escrevi meus dois primeiros romances steampunk e uma coletânea, além do conto Caliban, que consta em Crônicas de Tormenta – Volume 2”. Ele venceu, em 2018, o Wattys, prêmio anual do Wattpad, na categoria “Construtores de Mundos”, com seu livro “O Baronato de Shoah”, que gerou uma série de obras na ambientação de Nordara. “Também fui o primeiro brasileiro a publicar na Omenana Magazine, uma revista afrofuturista da Nigéria, e no ano que vem vou publicar um conto na Spacefunk, pela MV MEDIA, uma editora dos Estados Unidos. Ah, eu também estou estudando escrita criativa pela Universidade de Michigan!”.

Este é o Oghan N’Thanda. Que, por sinal, foi o primeiro autor brasileiro a publicar uma obra do gênero steampunk.

Mas cuma?

Sim, sim, tamos falando aqui justamente de O Baronato de Shoah, mencionado ali em cima, que se baseia na história do povo conhecido como Beta Israel, os judeus etíopes perseguidos na década de 1990. “Eu passei muitos anos sem saber que eu era o primeiro autor de steampunk brasileiro porque, socialmente, não fui reconhecido como tal”, explica. “Mas, com o passar dos anos, muita gente fez questão de me lembrar disso, de me trazer para eventos e entrevistas, onde eu podia falar da minha obra e me conectar com os steamers – os fãs de steampunk. Atualmente eu tenho obras steampunk publicadas em português, inglês e espanhol, além de estar sob avaliação de uma editora internacional”.

Para ele, o steampunk brasileiro, na literatura, é um dos mais variados e mais ativos do mundo. “Nós temos uma comunidade forte, resistente e criativa, comparável até mesmo aos australianos e estadunidenses, que são aficionados pelo termo”.

Mas pra quem tá caindo de paraquedas e leu o termo “hopepunk” lá em cima, usado para identificar o recém-lançado Os Oradores dos Sonhos, calma que a parada é mais simples do que parece. O próprio Oghan dá a letra: “O Hopepunk é o oposto das obras Grimdark e da Dark Fantasy – enquanto nessas obras tudo é pessimista e sombrio, no Hopepunk nós temos a esperança como motor da história e uma resposta aos questionamentos da sociedade atual: dentro do Hopepunk nós acreditamos, sim, que há ideais pelos quais podemos lutar, não importa o quanto difícil seja”, diz. “Resistimos pelo que é importante e acreditamos na mudança fazendo escolhas políticas conscientes. Afinal, em um mundo violento, cínico e dilapidado por quem tem mais dinheiro, ver a bondade, a gentileza e a fraternidade como algo bom é um ato de resistência. É preciso muita coragem para ser bom”.

Por falar nos Oradores dos Sonhos…

Este foi um livro que o autor escreveu durante a pandemia, buscando uma obra única, sem continuação, para as pessoas conhecerem o seu trabalho. “Caso elas não quisessem acompanhar meu universo steampunk com mais de 4 romances e 20 contos publicados até agora”, reforça ele.

Os Oradores dos Sonhos é um isekai, aquelas histórias de crianças que vão visitar mundos mágicos paralelos à Terra: no livro, os sonhos, pesadelos e imaginação humana estão sob controle da Cuca, uma criatura terrível que roubou o livro do destino. Agora, essas cinco crianças precisam pegar o livro de volta enquanto descobrem verdades terríveis sobre seus próprios pais e o destino da imaginação dos adultos.

Obra única, Os Oradores dos Sonhos tem um spin-off chamado O Apanhador dos Sonhos: este mundo, Agadá, é movimentado pela imaginação e pela esperança humanas.” Quando eu escrevi este livro, eu tinha percebido que tudo o que eu tinha como escritor, até o momento, eram continuações de outros universos”, conta Oghan. “Então eu escrevi um romance único que você, como leitor, pode apreciar, sem se conectar com outras 20 obras”.

Os Oradores dos Sonhos
Os Oradores dos Sonhos

Um moldador de muitos mundos

Além de contos pela contos publicados pela Jambô e outras editoras, como a Draco, Empíreo e Grupo Editorial Quimera, Oghan tem dezenas de materiais auto publicados em formato digital. A estratégia faz sentido, tanto no quesito formação de base de leitores quanto no quesito financeiro?

“Contos servem como passaporte de entrada para as minhas obras, onde os leitores podem me conhecer melhor. Eu não vivo só da escrita de livros, trabalho como professor de inglês e consultor criativo, e esses trabalhos vieram até mim por causa da escrita”, reforça ele. “Claro que eu gostaria de ter mais trabalhos fixos na literatura por aí! Eu quero escrever o romance da Grande Savana de Tormenta e um novo romance (ou cenário) para a Editora Draco, duas casas que gosto e respeito muito”.

No quesito financeiro, no entanto, ele diz que já ganhou mais dinheiro com uma ou duas histórias internacionais, mas ainda é pouco. “Por isso eu foco em um trabalho contínuo com várias parcerias, como a Barbárie Fantástica, uma revista de contos de espada e feitiçaria promovida pelo Fórum Conan; e a revista Literatura Fantástica Pulp; além do Projeto Picolé de Limão do JC de Lucca”.

Afrofuturismo e RPG

Oghan diz ainda que um filme como Pantera Negra, que popularizou o afrofuturismo – a estética cultural que combina elementos de ficção científica, ficção histórica, fantasia, arte africana e arte da diáspora africana, afrocentrismo e realismo mágico com cosmologias não-ocidentais – também ajudou a trazer interesse para a sua obra. Afinal, segundo ele, porque além de seus contos e livros terem muito de afrofuturistas, esta superprodução mainstream mostrou para as editoras e para produtoras que é possível termos narrativas negras que saiam do foco da criminalidade, racismo e violência.

O autor menciona que agora temos a série da Apple Afrofuturismo – A Origem da História; no Disney+, temos [a antologia de curtas] Kizazi Moto; além das produções literárias brasileiras O Último Ancestral, de Ale Santos; Céu Entre Mundos, da Sandra Menezes, Sankofia e (In)verdades, da Lu Ain-Zaila, os livros do Fábio Kabral… “E meu cenário Diáspora Distópica, publicado no Brasil, Estados Unidos e Nigéria”.

Já que o próprio Oghan mencionou O Último Ancestral, a gente não podia deixar de perguntar sobre a consultoria da adaptação do livro para RPG – com a qual o autor está envolvido e que, de alguma forma, é um retorno ao começo do ciclo. “Está em produção e já quase terminamos o fast-play e a aventura introdutória graças à competência e compromisso de pessoas como PH Alves, Pablo Powrosnek, Carol Bernardino e May Carneiro”. Mas ele deixa claro que está não apenas neste, mas em outros projetos de RPG ao mesmo tempo, em velocidades diferentes.

“Com o pessoal do Movimento RPG, estou elaborando um cenário afrofuturista, além de uma série de contos para publicação no site deles; em conjunto a isso, estou com o escritor independente Fabio Djyn e seu RPG steampunk Ankhmeriaz e também atuo com o Alan Santos em Cachorros Samurais 2”.

O homem definitivamente não para, tá louco. Só que tem mais. Porque eu cismei de questionar ele sobre o futuro. E plano é o que não falta.

“Além da publicação do meu romance Os Oradores dos Sonhos, eu quero terminar o terceiro romance da trilogia O Baronato de Shoah; escrever o romance focado na Grande Savana de Tormenta e, quem sabe um dia, atuar com a galera da D20 Culture em um romance com eles?”.

Pra completar, vem não um sonho, mas o que a gente entende como PROMESSA: “Eu quero ser o maior escritor de ficção e fantasia que este país já viu”.

Bom… os primeiros passos, definitivamente, ele já deu. E olha que foram MUITOS.

“Os Oradores dos Sonhos” pode ser adquirido neste link aqui. Além disso, pra quem está curioso, tem uma PORRADA de obras do Oghan disponíveis na Amazon, uma batelada de ebooks a preços bem em conta, pra que você conheça um pouco mais da obra dele. Vai valer a pena. 😉