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O cinema tá morrendo?

Antes de colocarem toda a culpa sobre uma tal “crise” no filme Furiosa, vale responder uma pergunta mais simples: o que é um sucesso de bilheteria?

Por VINICIUS CARLOS VIEIRA*

 “E o cinema, hein?! Tá morrendo, né?”.

A resposta será sempre a mesma: NÃO.

Mas mesmo assim parece que, vai ano, vem ano (já há mais de um século), essa questão sobe à tona. Quase sempre ela vem colada de números que não são tão bons quanto deveriam, ou alguma mudança tecnológica que promete tirar as pessoas das salas de cinema. Duas coisas que 2024 está vivendo. Então é normal tentar responder o que está acontecendo com o cinema.

O causador dessa preocupação agora em 2024 (na verdade “a causadora”) atende pelo nome de Furiosa. Tudo bem, são muito mais detalhes envolvidos, mas é preciso partir de um lugar para chegar em outro. Até porque Furiosa só existe, pois Mad Max: A Estrada da Fúria se tornou não só um blockbuster, mas também um jovem clássico. O que jogava a expectativa dessa “prequel” lá no alto, ainda mais por sair da mente do mesmo George Miller e até ser uma história que ele estava preparado para contar antes daquela do filme anterior. De qualquer jeito, não tinha como Furiosa não ser um sucesso de bilheteria… até ele não ser.

Mas talvez seja legal, antes de qualquer coisa, responder uma pergunta mais simples: o que é um sucesso de bilheteria.

Anatomia de um blockbuster

Mais difícil do que responder qual a razão da crise (ou não) do cinema, é cravar com muita certeza o que torna uma produção um sucesso, já que cada estúdio e produtora comanda seus orçamentos e contratos de um jeito só deles, e nunca irão apontar um filme como um fracasso ou coisa parecida tão abertamente. Mas a conta que se faz para chegar perto disso é aquela do “orçamento vezes três”.

Se um filme teve um orçamento de US$ 100 milhões, o mais comum é o estúdio, na hora de lançar o filme, gastar mais o dobro disso com toda parte de distribuição e publicidade. Portanto, quando essa produção juntar US$ 300 milhões nas bilheterias, ela começa a dar lucro de verdade. E nessa hora estamos falando do mundo inteiro e não do dinheiro só dos americanos.

Entretanto, para tentar entender essa “crise”, será mais fácil tomar o mercado americano como bússola. E não, Índia e China não são maiores indústrias: ainda que produzam muitos filmes e tenham números maiores em comparação, acaba que é tudo interno. Ambos olham para o cinema como um produto para seu próprio mercado, não precisando de investimento externo e nem se preocupando muito que seus filmes extrapolem seus territórios em termos de influência. Bem diferente de Hollywood (e os Estados Unidos), que por razões históricas e de oportunidade, se tornou uma máquina de cinema que olha para o mundo (mesmo com seu olhar quase sempre enviesado).

Furiosa: Uma Saga Mad Max é australiano, assim como os três primeiros filmes da franquia, dos anos 1980 e 1990, mas agora ele é bancado pela Warner Bros. Foi filmado na Austrália e se passa na Austrália, mas é um filme feito para ser visto pelas salas de cinema de qualquer lugar do globo terrestre. Portanto, é preciso olhar para os números do lugar onde mais gente vê, respira, produz e exporta cinema. Se existe uma crise, ela vem de lá e, ao prejudicar a sua produção, acaba exportando também um problema.

O filme de George Miller custou algo em torno de US$ 168 milhões, mas juntou as migalhas de pouco mais de US$ 100 milhões nas bilheterias de cinema pelo mundo inteiro. Talvez fosse uma das mais esperadas estreias do verão americano, mas por lá não chegou nem a US$ 80 milhões. Para se ter uma ideia, arrecadou US$ 32 milhões no primeiro final de semana em cartaz, mas já no segundo, teve uma queda de 59% de ganho e perdeu o primeiro lugar para o novo filme do Garfield. A queda na terceira semana foi de mais 61% e amargou apenas o sexto lugar no ranking das melhores bilheterias, com o novo Bad Boys em primeiro.

O primeiro problema é quase uma análise.

Furiosa não é Estrada da Fúria. Na verdade, é um filme diferente o suficiente para afastar grande parte do público que entrou no cinema esperando uma história semelhantemente frenética. Ao encontrar um épico absolutamente dolorido e muito mais “calmo”, muita gente acabou “perdendo” um dos melhores filmes do ano, somente “porque não era aquilo que esperavam”. Mas isso é problema do marketing da Warner, não nosso, e aposto que o filme deve ter uma sobrevida excelente quando bater na porta do Max (streaming da Warner).

O outro problema é que é o problema real, já que nem Garfield e nem Bad Boys também foram bem nas bilheterias. Na verdade, ninguém tinha ido bem até a estreia de Divertida Mente 2.

Sentimentos são… como uma canção…

Até a estreia do novo filme da Pixar/Disney, nenhum filme tinha feito mais de US$ 100 milhões nas bilheterias do primeiro final de semana. E esse não é um número aleatório, é uma contagem já antiga que os especialistas discutem para entender o quanto aquele ano foi um sucesso ou não para os filmes. Até Divertida Mente 2, as duas maiores bilheterias de 2024 tinham chegado perto. Duna – Parte 2 com US$ 82 milhões e Godzilla vs. Kong 2, com US$ 80 milhões. Ambos se pagaram e deram um pequeno lucro para seu estúdio (curiosamente, ambos da Warner TAMBÉM), mas essa ausência de produções batendo os US$ 100 milhões logo de cara acendeu uma luz de alerta que muita gente já tinha certeza que iria brilhar mais cedo ou mais tarde.

Para se ter uma ideia, em 2023, três filmes quebraram a “barreira dos 100 milhões”. Mas é impossível olhar para o passado recente e ter uma comparação justa – afinal, após a pandemia de 2019, é difícil ter um número que não seja influenciado diretamente pelas paralisações e dificuldades sanitárias. Mas é possível levar isso em conta e chegar perto o suficiente para se ter uma ideia e talvez uma resposta.

Em 2019, sete filmes quebraram a “barreira dos 100 milhões”. Nos anos anteriores, dez filmes fizeram o mesmo. Em 2017, foram incríveis 17 filmes fazendo esse valor no final de semana de estreia. O que leva a um problema maior ainda: descobrir o problema.

A Velma então resolveu o mistério

Talvez não haja um problema, mas sim um ciclo. Um ciclo de exageros que deve culminar na busca por uma estabilidade que fica alta demais quando vista lá de cima, do alto dos números. É como imaginar uma torre de qualquer coisa (aqui, no caso, dinheiro, muito dinheiro): quanto mais alta ela fica, menos estável ela se torna. E quanto mais alta, menos chances de você descer dela sem se machucar.

Hollywood viu uma oportunidade e a agarrou. No ano 2000, foram 439 filmes lançados no mercado americano, com um lucro de US$ 7 bilhões. No ano seguinte foram 412, saltando para 570 em 2002 e um aumento de quase US$ 2 bilhões nas bilheterias. Portanto, mais filmes era igual a mais dinheiro. Parece uma conclusão meio burra e fadada ao fracasso, mas era o que se tinha para a época.

O ano de 2001 foi o último ano com menos de 500 filmes lançados nos cinemas até 2022 (ignorando os anos de pandemia, claro), que só lançou tão pouco, pois ainda estava lutando contra a Covid-19. Até 2018, a quantidade de filmes lançados por Hollywood chegou a 993 e um ganho de US$ 11 bilhões. Mas nessa situação, nem esse que vos escreve e que “é de humanas” cairia… mas eles caíram. Quando aumentou a quantidade de filmes de 400 e pouco para 500 e muito, teve um aumento de US$ 2 bilhões, mas quando aumentou de quase 600 para quase mil, teve também um aumento de US$ 2 bilhões. Nessa hora, lá de cima da montanha de dinheiro, não dava mais para descer.

Ao que tudo indica, Hollywood criou uma máquina tão grande que não conseguiria dar conta de segurá-la diante de qualquer tropeço. Nessa hora entram em cena uma epidemia mundial, a explosão dos streamings e uma greve que discutia, justamente, por que essa pilha de dinheiro não era dividida também com quem efetivamente criava os filmes.

A Covid-19 desacelerou a produção de filmes em quase dois anos: é só pegar os making-ofs dos filmes que estão sendo lançados ainda em 2024 para ver um monte de gente com máscaras. Os streamings encurtaram o espaço entre o filme estrear nos cinemas e chegar na sua casa (entre outras coisinhas). A greve paralisou aquilo que já estava atrasado. O resultado: um ano com filmes que gastaram demais pensando ainda em 2018, mas só tendo 2024 em mãos.

Pior que isso, a grave ainda jogou para 2025 e 2026 filmes que estavam programados para encher o verão de 2024 com cartazes com nomes como Capitão América, Missão Impossível e Homem-Aranha.

Talvez os streamings tenham até um efeito oposto, tendo desafogado um mercado que não entendia mais o que estava chegando no cinema. Como se estivessem gastando dinheiro demais em coisas que não tinham como atingir o retorno esperado. Como uma bolha que estava prestes a estourar e agora deve estar ainda mais perto de espalhar isso para todo lado. Colocar a culpa só nos streamings de uma temporada ruim dos cinemas é simplista e perigoso. Olhar para eles como se fossem apenas um novo formato, talvez seja o mais correto. O cinema terá que aprender a lidar com um mercado que é menor do que aquele que ele criou e sentou em cima.

As pessoas não deixaram de ir aos cinemas. Divertida Mente 2 encheu as sessões de cinema do mundo inteiro, então interesse tem. Ano passado, Barbie e Oppenheimer se fundiram em uma espécie de Megazord que marcou o mundo, ambos ultrapassaram a casa do bilhão de dólares. A China continua vendendo mais de 1,5 bilhões de ingressos por ano. Portanto, ninguém trocou a grande tela do cinema pelo sofá da sala,. Só mudou um pouco seus hábitos.

Matamos a charada, então?

Talvez a resposta seja uma diminuição do preço dos ingressos, ou apenas 2024 ainda esteja suando com a febre que vem deixando na cama o cinema americano nos últimos quatro anos. Mas, depois de toda essa enrolação, é melhor ter uma opinião forte para fazer valer quem esteve lendo aqui até agora.

Eu fico com o ciclo e a tendência de que os filmes em Hollywood voltem a ser resultado de um cuidado maior, tanto com a qualidade do produto, quanto com a sua importância, tamanho e interesse para ser lançado no cinema com cheiro de Blockbuster, com B maiúsculo. Furiosa foi vendido como um filme tão grande e frenético quanto Estrada da Fúria, mas nunca teve a intenção de ser isso. Só que a dona Warner precisava torná-lo o maior lançamento do ano e não deixou que ninguém se surpreendesse com o filme, apenas criasse expectativas.

Talvez falte para o cinema em Hollywood deixar de ser só mais um lançamento semanal. É preciso que ele volte a ser um evento.

Mas o cinema não morreu, nem em Hollywood e nem em lugar nenhum.

Definitivamente, ele só está sofrendo com um ciclo que ele próprio criou e não percebeu que teria que lidar com isso. Mais do que tudo, se você acha mesmo que o cinema morreu porque Furiosa “flopou”, o problema não é o cinema é você. Saia de Hollywood, vá procurar o que está sendo feito em outras línguas que não o inglês.

Aceite que nem todo filme precisa ser gigante para ser bom. Procure por diretores e diretoras mais jovens. Olhe para dentro de seu país! Experimente enquanto Hollywood se recupera desse buraco que ela mesmo cavou. Depois é só pegar o maior e mais caro balde de pipoca e fazer tudo de novo.

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* Editor, criador e crítico do CinemAqui, jornalista por formação, escritor por definição e chato por natureza. Viu filmes demais e leu mais quadrinhos do que devia, o resultado foi essa vontade de discutir, entender e se emocionar com ambos. Se tornou crítico de cinema pelo amor à Sétima Arte e continua a cada dia ainda mais apaixonado por cada frame, quadro, quadrinho ou linha escrita.

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