
Andor: Star Wars para além dos sabres de luz
Mais do que uma visão ainda mais política da franquia, a série ampliou o nível de detalhamento e ambientação do universo criado por George Lucas
Por THIAGO CARDIM
Se tem uma parada que este que vos escreve, como fã declarado de Star Wars, sempre pediu aos deuses da cultura pop, foi a possibilidade de curtir mais e mais histórias neste universo e que não tenham relação direta com a família Skywalker – e olha que eu mesmo também já disse aqui, para quem quisesse ler, que o Darth Vader era um dos meus heróis de infância.
Mas existem muito mais planetas, raças, heróis e vilões que merecem os holofotes neste mundão criado pelo tio Lucão, o barbado.
Pois se outras propriedades intelectuais como Marvel, DC e até a Turma da Mônica se dão ao luxo de contar outras histórias para públicos diferentes, indo do infantil ao mais adulto, e navegando por gêneros distintos, da comédia ao terror, Star Wars poderia tranquilamente fazer o mesmo. E que bom que vivemos numa era em que, ao mesmo tempo em que existem os Goonies do espaço batizados de “Skeleton Crew”, existe a possiblidade de alguém contar uma história como a de “Andor” – que se encerra oficialmente com esta segunda temporada, agora completa no Disney+.
E antes que alguém diga, não, não existe qualquer necessidade de continuação, derivação, etc. “Andor” tem começo, meio e fim. E tá ótimo deste jeito.
Claro que, sim, é muito legal ver que existe todo um espectro político mais complexo para além dos sabres azuis contra os sabres vermelhos – e a Força, por exemplo, chega a ser mencionada meras duas ou três vezes ao longo de mais de uma dezena de episódios, juntando as suas temporadas.
Mas, mais do que isso, “Andor” também amplia consideravelmente os horizontes de Star Wars. Existe um universo inteiro abaixo do Imperador Palpatine, que é apenas mencionado e nunca mostrado (ainda bem, aliás). Fica claro como o Império foi se infiltrando de maneiras por vezes sutis e por outras absolutamente paquidérmicas nas vidas das pessoas comuns, controlando as suas vidas, manipulando as suas existências, tirando suas casas, fazendo pessoas desaparecerem do mais absoluto nada depois de interrogatórios suspeitos.
A ditadura de Palpatine passa a ser mostrada como algo além de ataques apatetados de Stormtroopers, mas também como uma estrutura militarizada que vai minando qualquer traço de liberdade por meio de pequenas e grandes censuras, pressão econômica, manipulação da mídia (sim, um dos episódios mais fortes desta segunda temporada trata escancaradamente de FAKE NEWS propagadas pelo governo vigente em busca do controle completo da narrativa).
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O nome disso é FASCISMO, assim mesmo, com todas as letras. Mostrado de maneira franca, como George Lucas bem desenhou lá atrás (mas parece que parte do seu público sempre se recusou a entender).
E “Andor” nos mostra que existem pessoas comuns sendo afetadas por tudo isso, pessoas que não são jedis, sith, senadores, pilotos de X-Wing.
Que moram em prédios de apartamentos, que jantam, que preparam sobremesas especiais para celebrar a visita de um parente querido. Que saem para trabalhar e passam o dia atrás de computadores em cubículos minúsculos. Que fazem festas de casamento. Que dançam. Que tiram fotos. Que assistem programas noticiosos e de entretenimento na televisão. Que param pra fazer compras no mercado. Que são ricas e também as que são pobres. Que são patrões e que também são empregados. Que se drogam. Que vão pra cadeia. Que viajam, fazem turismo e se hospedam em hotéis. Que odeiam aquela sogra insuportável. Que, vejam vocês, TRANSAM.
Tudo isso existe em Star Wars. A gente só nunca tinha visto. Pelo menos, não deste jeito.

O que é Andor e por que ela se destaca no universo Star Wars
Para quem não faz ideia do que estamos falando: lançada em 2022, “Andor” é uma série derivada do universo Star Wars que foge dos elementos mais conhecidos da franquia – como jedis, sabres de luz e a Força – para focar na vida comum (e por vezes, nem tão comum assim) sob o regime totalitário do Império Galáctico. Criada por Tony Gilroy, que também coescreveu Rogue One: Uma História Star Wars, a série narra a trajetória de Cassian Andor, um ladrão comum que gradualmente se transforma em uma peça-chave da Aliança Rebelde.
A segunda e última temporada se encerrou agora, em 2025, consolidando “Andor” como um marco narrativo que mostra a galáxia muito, muito distante sob uma nova perspectiva: a dos bastidores da resistência, da opressão estatal e da luta política.
A conexão direta com Rogue One e sua importância
“Andor” serve como um prólogo direto de Rogue One, lançado em 2016 e já considerado por parte dos fãs como um dos melhores filmes de toda a franquia. No filme, Cassian Andor (interpretado por Diego Luna) é um dos protagonistas que lideram uma missão suicida para roubar os planos da Estrela da Morte — evento fundamental que possibilita a destruição da superarma no Episódio IV: Uma Nova Esperança.
A série, portanto, funciona como a construção de caráter desse rebelde improvável. Em vez de apenas um herói altruísta, conhecemos um Cassian multifacetado, moldado por traumas, perdas e pelo peso da opressão imperial. A narrativa se desdobra lentamente, com foco em espionagem, resistência civil e nas engrenagens da ditadura galáctica.
Onde Andor se encaixa na cronologia de Star Wars
Cronologicamente, a série se passa cinco anos antes dos eventos de Rogue One, o que a coloca aproximadamente no mesmo período da série animada Star Wars: Rebels (outro momento absolutamente brilhante da saga, aliás) e bem antes da clássica trilogia original.
O fim da segunda temporada conecta-se diretamente com o início de Rogue One, o que dá à série um sentido de completude e continuidade sem precedentes no cânone. Ao mesmo tempo, a construção da Estrela da Morte — que aparece no final da temporada — conecta a trama diretamente ao ponto de partida da saga clássica.
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Realizadores por trás de Andor: nomes de peso
O showrunner Tony Gilroy é um nome conhecido pelo trabalho na franquia Bourne e por ter salvado Rogue One nos bastidores. Em “Andor”, ele se aprofunda no lado mais humano e político de Star Wars, algo que já havia sugerido no longa.
Além de Gilroy, a série conta com uma equipe criativa sólida: seu irmão Dan Gilroy (O Abutre) e Beau Willimon (House of Cards) estão entre os roteiristas. A direção de episódios fica a cargo de nomes como Toby Haynes, Susanna White e Benjamin Caron, todos com vasta experiência em dramas televisivos intensos.
O retorno de personagens clássicos em novas versões
Apesar de não focar nos Skywalkers, “Andor” traz versões mais jovens de personagens importantes da trilogia clássica. A senadora e futura líder rebelde Mon Mothma, interpretada brilhantemente por Genevieve O’Reilly, tem um arco emocional robusto, mostrando sua atuação como senadora em meio ao nascimento da rebelião. Sua luta silenciosa contra o Império, enquanto tenta manter as aparências, é um dos pilares da série.
Outro personagem que aparece é Bail Organa, ainda que de maneira mais discreta (e com uma mudança de ator por conta de agenda: sai Jimmy Smits, entra Benjamin Bratt). Como um dos fundadores da Aliança Rebelde e pai adotivo da princesa Leia, Bail simboliza a costura entre as prequelas e a trilogia original.
Esses personagens não estão ali por nostalgia, mas para demonstrar que a rebelião nasceu muito antes do grito de “É uma armadilha!” (entendedores entenderão), exigindo riscos reais, sacrifícios pessoais e ação política estratégica.
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A política em Star Wars: de pano de fundo a protagonista
Desde Uma Nova Esperança, Star Wars sempre teve um viés político, ainda que muitas vezes mascarado por elementos míticos e aventura espacial. Em “Andor”, a política deixa de ser pano de fundo e assume o centro da narrativa.
A série trata com seriedade temas como autoritarismo, controle estatal, vigilância, militarização e manipulação ideológica. Mostra como o Império domina com burocracia, medo e propaganda — e como a resistência se forma não só com explosões, mas também com discursos, alianças e atos cotidianos de coragem.
Como já dissemos aqui no Gibizilla, essa é uma narrativa de Star Wars para além da Força, que encara de frente o fascismo e a tirania imperial e seus desdobramentos reais, quase tangíveis, na vida das pessoas comuns.
“Andor” é, enfim, o Star Wars que tira o foco das lendas e o coloca nos anônimos — aqueles que tornam a rebelião possível.
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