Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Temos mesmo algo a comemorar neste #StarWarsDay?

Legal, temos um bocado de séries confirmadas, os quadrinhos entregando direitinho, uns filmes confirmados que aquecem o coração. Mas também temos o FÃ. Aquele que tem que acabar. Vale a discussão.

Por THIAGO CARDIM

“Meu sonho é que tenhamos, algum dia, um line-up farto e variado com séries como Rogue Squadron, Tales of The Jedi e Chronicles of The Empire. Algo assim, cobrindo diversos temas deste universo. George Lucas nunca conseguiu fazer isso. Mas a Disney tem o dinheiro para isso. O futuro é brilhante”. Este comentário foi feito na CCXP de 2015 por ninguém menos que Timothy Zahn, autor da cultuada Trilogia Thrawn de livros (Herdeiro do Império, Ascensão da Força Sombria e O Último Comando), talvez o mais adorado pedaço do chamado universo expandido, em entrevista exclusiva pra mim e pro Renan na época do JUDÃO.com.br.

Ah, Zahn. Como eu queria retomar este papo contigo AGORA, seis anos depois. Porque não apenas o seu Thrawn, seu filho favorito, o vilão psicopata azulado que todo mundo queria ver sair dos livros, ganhou sua primeira versão audiovisual como vilão das temporadas finais da (ótima) série animada Star Wars – Rebels como tudo leva a crer, com base numa menção em The Mandalorian, que ele será um dos antagonistas da série live-action solo de Ahsoka Tano.

E isso falando especificamente de uma das criações de Zahn, aliás. Porque imagina só como deve estar a cabeça dele NESTE MOMENTO, ao ver que sua ideia de um line-up farto e variado é a mais pura realidade. Por mais que a versão Star Wars dos cinemas tenha encerrado (?) a jornada da família Skywalker de maneira melancólica com um filme BEM ruim, pô, a Patty Jenkins, de Mulher-Maravilha, vai fazer um filme do Rogue Squadron, olha só, acertou, danado! Teremos um filme de Star Wars a ser dirigido por Taika Waititi (Thor: Ragnarok), imagina que sonho. E a tal nova trilogia de Rian Johnson, o homem que nos deu Os Últimos Jedi (maldito plural…) ainda não é carta fora do baralho.

E ainda teremos, depois do sucesso ACACHAPANTE das aventuras do Mandaloriano e seu pequeno e apaixonante Baby Yoda, nada menos do que DEZ novos projetos de Star Wars sendo lançados diretamente na plataforma de streaming Disney+ (que nem eu e nem Zahn imaginávamos que existiria no momento daquela entrevista). Vai ter aquela da Ahsoka, que mencionei acima, e também Obi-Wan Kenobi (com a volta de Ewan McGregor ao papel), The Book of Boba Fett (ele tá vivo, minha gente!), Rangers of the New Republic, Andor, Star Wars: Visions, Lando, The Acolyte, A Droid Story

Além disso, neste EXATO momento, acaba de estrear no serviço uma nova série animada, The Bad Batch,sobre um destacamento imprevisível dos nossos bons e velhos soldados clones. Isso só falando em audiovisual, porque ainda temos, por exemplo, os gibis de Star Wars, que encontraram nova casa na Marvel, sob o chapéu do Papai Mickey Mouse, e nos deram novos personagens incríveis como a Doutora Aphra.    

“Agora não está tudo focado numa pessoa, temos um bando de nerds sentados ao redor de uma mesa que sabem TUDO sobre Star Wars, mais do que nós até, integrando tudo, fazendo sentido”, afirmou, naquela mesma entrevista da CCXP, Chris Taylor, autor de Como Star Wars Conquistou o Universo, uma verdadeira bíblia sobre os bastidores da saga de George Lucas.

Isso não é motivo pra PIRAR, portanto, com este #StarWarsDay? Olha… até poderia ser. Mas só a reação que a menção ao nome de Os Últimos Jedi alguns parágrafos acima, por exemplo, poderia causar em determinada parcela de fãs, já é sintoma de algo MUITO RUIM e que precisa SIM ser colocado em perspectiva nesta data.

Ah, o fã. Ele tem que acabar MESMO, sabe?

Na real, a treta começou não é de hoje. Porque, por mais que se odeie a trilogia prequel, por mais que não se aguente ver o personagem do Jar Jar Binks nem pintado de ouro, NADA justifica os ataques sofridos pelo ator Ahmed Best, que interpretava o gungan desengonçado. Ameaçaram o cara de morte, usando o bizarro argumento do “você arruinou a minha infância”, e ele chegou, inclusive, a pensar em suicídio.

Só que, de lá pra cá, as redes sociais se tornaram isso que está aí. E apesar das maravilhas que permitiram ao se tornarem ponto focal de quem não tinha voz, igualmente elas deram plataforma para um bando de idiotas com um discurso de ódio na ponta da língua. E se isso é verdade para o Brasil do atual presidente, também é para a turma que odiou a nova trilogia. Aquela que, com O Despertar da Força, reviu seus personagens clássicos e foi apresentada então a uma nova trupe, no que deveria ter sido uma passagem de bastão. Mas da nostalgia retrô do primeiro filme para um novo passo como aconteceu em Os Últimos Jedi, algo de MUITO tóxico eclodiu.

“É perfeitamente compreensível a estranheza que muitos sentiram com esse filme. Uma estranheza que, pra alguns, se tornou ódio”, disse, com toda a razão, o Borbs NESTE texto aqui a respeito do filme – e com o qual concordo totalmente. “Como se não fosse permitido tocar o que lhe é sagrado. Como se ele fosse dono da história. Como se evoluir, progredir, fosse algo ruim. Aliás… Isso te lembra alguma coisa?”. Ô se lembra.

No fim, com um trio principal formado por uma mulher, um negro e um latino, parece que o homem branco que sempre enxergava a si mesmo nas produções ficou PUTO e se revoltou. Kelly Marie Tran, a Rose destes novos episódios, foi tão violentamente atacada em suas redes sociais que resolveu abandoná-las. Justamente os espaços de comunidade que deveriam servir para aproximá-la dos “fãs”. O mesmo aconteceu com a protagonista Daisy Ridley, a Rey, que se cansou de tanta violência nos comentários e acabou picando a mula dos meios digitais. Uma tropa de contas-robô se apresentou como haters do filme, espalhando comentários negativos por todos os lados. E até um imbecil se prontificou a perder horas e horas de sua vida para REEDITAR o filme, tirando o que ele considerava como sendo girl power… basicamente, quase todas as cenas envolvendo mulheres.

O movimento, no entanto, parece não se restringir aos filmes. Vejamos o caso do autor Chuck Wendig, por exemplo. Escritor de Star Wars – Marcas da Guerra, que tornou canônico um personagem LGBTQI+ na saga, Wendig virou alvo favorito dos conservadores norte-americanos dentro do fandom. Uma semana depois de ser anunciado pela Marvel como roteirista da série em quadrinhos Shadow of Vader, bingo, o cara é demitido. “Eu pensei que estava tudo bem, não tava sabendo de problema algum. Mas aí eu recebi a ligação”, explica o escritor numa enorme thread que ele depois transportou para um texto em seu blog. “Fui demitido. Por conta da negatividade e vulgaridade que meus tweets atraem. Sério. Foi isso que Mark [Paniccia], o editor, me disse. Muita política, muita vulgaridade, muita negatividade da minha parte. Basicamente, eu não tava sendo civilizado”.

O que aconteceu DE FATO? Chuck acredita que a grande onda de escrotidão, o que abriu o que ele chamou de “túnel do assédio”, surgiu principalmente depois da indicação do juiz Brett Kavanaugh, com acusações de abuso sexual, à Suprema Corte dos EUA. Ele fez uma thread sobre a tal da “civilidade” que vinha sendo pedida para tratar do assunto e eis que os monstros saíram do esgoto. Obviamente, já teve gente pedindo que a Disney/a Marvel/a Lucasfilm demitisse o cara. Dois dias depois da suspensão no Twitter, viria a ligação.

A Marvel se cagou de medo dos fãs. Assim como a Disney se cagou de medo das reações desta minoria barulhenta – e, depois de dar um passo adiante na saga com Os Últimos Jedi, deu dois passos atrás e entregou exatamente o que “eles” queriam em A Ascensão Skywalker, a conclusão que é o que cristaliza o que existe de PIOR na expressão fan service, além de ser talvez uma das coisas mais abomináveis com o nome “Star Wars” a ganhar as telonas. Filme ruim, ruim MESMO, com vontade. Mas aí teve romance babaca entre Rey e Kylo Ren, teve a volta do Imperador, teve Luke (ou a lembrança dele) praticamente voltando atrás no discurso questionador sobre o papel dos jedi (já disse que ODEIO este plural sem S?)…

No fim, parece que esta turba raivosa nunca nem sequer prestou atenção em Star Wars, na real.

Estamos falando de um império intergaláctico comandado por um homem em busca do poder absoluto e que, nesta gana, é capaz de passar por cima de qualquer um, esmagando direitos individuais, caçando e trancafiando quem pensa diferente, destruindo sociedades e planetas inteiros que ousem discordar dele.

Do outro lado, estamos falando de uma rebelião que prega e busca a liberdade. Cada um sendo quem é, do jeito que é, sem julgamentos. Se isso não fica claro de imediato, juro, fico aqui imaginando esta turma vendo algo minimamente mais complexo…

Porque, juro, não consigo crer que o sujeito assistindo Star Wars acredite que o pensamento do Império está certo e que os rebeldes são apenas um bando de desordeiros, comunistas, vai pra Cuba. Afinal, sob o jugo do Imperador Palpatine, a vida é boa para o “cidadão de bem”. Ditadura não. Dita “branda”. Não consigo crer que esta galera não enxergue que a Força é sobre união, sobre fraternidade, sobre amor. Que diversidade e representatividade são coisas que estavam ali, no coração da saga, prestes a ser devidamente desdobradas, desde SEMPRE.  

Não consigo crer que ainda exista gente gritando aos quatro ventos para que tirem a “política” do seu filme de espadinhas de luz, quando na verdade a política esteve ali o tempo inteiro, entre droids, hutts, wookies e ewoks falando idiomas incompreensíveis.  

Bom, nos dias de hoje, acho que consigo crer nisso sim. Afinal, há quem saia às ruas se aglomerando e celebrando um governo que nega a pandemia, que ignora a ciência, que acha que máscara é frescura, que faz campanha contra a vacina. Para esta galera aí, Vader desistir de tudo e se arrepender de seus pecados passados em nome do amor que sente pelos filhos é sinal de fraqueza. Pra esta galera aí, Palpatine é mito.

Em tempo…

Eu e a Gabi, lá no nosso podcast Imagina Se Pega no Olho, recebemos esta semana o jornalista e escritor Fábio M. Barreto, amigo das antigas deste que vos escreve. Um dos fundadores do Conselho Jedi de São Paulo (principal fã-clube brasileiro de fãs de Star Wars) e também um dos responsáveis pela criação da icônica Jedicon (convenção nacional dedicada aos fanáticos pela saga espacial), o Barretão colou no Zoom pra trocar uma ideia com a gente sobre passado, presente e futuro de toda a franquia. Ouçam e venham VOCÊS trocar uma ideia com a gente.

Porque, mais do que nunca, este tal #StarWarsDay pode servir para REFLETIR sobre a cultura pop. E esta discussão tá precisando acontecer o quanto antes. Afinal, um filme de navinha nunca é SÓ um filme de navinha. Mas se você não entende isso, olha… ¯\_(ツ)_/¯

PS: Você vai reparar que este texto está recheado de links para a minha antiga e saudosa casa na internet, o JUDÃO.com.br. Não é por acaso. Falamos muito sobre Star Wars por lá e apanhamos DEMAIS por causa disso. No entanto, continuo achando cada uma daquelas linhas, escritas não apenas por mim mas também pelo Borbs, pela Bia, pela Julia, extremamente relevantes. Se posso lhes pedir um favor, conhecendo ou não minha história pregressa no site, é para que vocês leiam. Este texto não é, definitivamente, um editorial que se encerra em si mesmo.  

Post tags:
Comments
  • Fabian Fontoura

    Thiago, parabéns pelo texto emocionante, como de praxe!… Artigo a artigo, você continua reiterando a posição de melhor redator de cultura pop da internet! Abraços!

    4 de maio de 2021
  • Rafael Veiga

    Ótimo texto e concordo com (quase) tudo. Mas detonou um filme que eu amo que é A Ascensão Skywalker 🙁

    4 de maio de 2021

Sorry, the comment form is closed at this time.