
The Last of Us e o ciclo interminável da violência
Na segunda temporada da série, que se encerrou dividindo opiniões, mergulhamos na jornada de vingança de Ellie – que nos leva a discussões éticas bem naquelas zonas cinzentas que existem entre o bem e o mal
Por THIAGO CARDIM
Antes de iniciar esta conversa sobre a segunda temporada de “The Last of Us”, que acabou de ser encerrada e está agora completinha no (HBO) Max, me permitam tirar nada menos do que um trio de rinocerontes da sala:
1) Se você é do tipo que se incomoda com spoilers, cuidado. Achei muito difícil entrar no nível de discussão que eu pretendia sem mencionar alguns acontecimentos-chave da trama. Então, caso você NÃO tenha visto a temporada completa ainda, conto com o seu retorno até este texto assim que finalizar a maratona. 😉
2) Se você é do tipo que acha que toda adaptação precisa ser fiel e fidedigna, saiba que está no lugar errado e possivelmente vai se estressar por aqui. Porque, se você queria uma trama idêntica à do jogo de videogame original, sem tirar nem pôr, talvez fosse o caso de continuar jogando o próprio jogo, que tá lá, intacto, pra quem estiver morrendo de saudades. Jogo é jogo, filme é filme, série é série, gibi é gibi. Acostume-se com isso de uma vez.
3) Se você é do tipo que se diverte “zoando” a Bella Ramsey por conta da aparência dela, distribuindo um monte de memes de procedência duvidosa por aí, saiba que te acho um IMBECIL e não faço a menor questão da sua presença neste site. Que isso fique BEM claro.
Agora que estes três pontos ficaram esclarecidos…
…é hora de falar da série. Porque, sim, é claro que os episódios 2 (“Through The Valley”) e 7 (“The Price”) foram de fato os ápices da temporada, respectivamente trazendo a morte de Joel (Pedro Pascal) e o flashback que aprofunda ainda a quebra de confiança no relacionamento entre ele e Ellie (Bella Ramsey), revelando que ela já sabia da matança generalizada que ele cometeu no hospital, ao salvá-la dos cientistas. Mas dizer que a série se resumiu a apenas isso, vamos lá, é um exagero enorme.
Entendo, sem dúvidas, algumas das críticas dos coleguinhas jornalistas com relação ao timing de alguns acontecimentos. Mas acho que esta segunda temporada de “The Last of Us”, no frigir dos ovos, acertou solenemente em alguns pontos muito importantes. O primeiro deles? Fazer com que Ellie seja, sim, guiada pela vingança, por um ódio que tira a sua capacidade de raciocínio. Mas que ela não seja, como muita gente gostaria que tivesse sido, uma máquina sanguinária de matar. Ela não se transforma em Frank Castle, ufa, ainda bem.
Ellie é uma jovem recém-saída da adolescência, insuportável em alguns pontos (o pai de adolescente aqui pode confirmar a veracidade do papel), cheia de dúvidas e incertezas, que se descobre homossexual em um mundo absolutamente hostil, com ameaças distintas vindas de todos os lados. Ela não sabe o que fazer dali pra frente, não sabe lidar com a própria raiva – inclusive a que sente do próprio Joel, sua figura paterna – e o roteiro claramente retrata esta confusão. Seus sentimentos estão todos à flor da pele, uma mistura explosiva de culpa, revolta e uma paixão ainda mais inesperada por Dina (Isabela Merced).

O que “The Last of Us” vai fazendo, e acaba causando certa revolta em quem acompanhou fielmente a primeira temporada da série, é mostrar que, não, ela não é uma heroína lutando contra o mal. Ela é uma pessoa comum. Com dilemas éticos que a forçam a tomar decisões equivocadas. Gostei muito do fato de que, no fim desta nova temporada, pudemos enfim assumir que ficamos com RAIVA da protagonista. Sim, eu também fiquei com um ódio supremo dela. Aquela que deveria a pessoa pela qual torceríamos acabou se tornando alguém que a gente queria ver aprendendo uma lição no meio do caminho (ou talvez duas).
Mas quer saber o pior (ou, pra mim, enquanto espectador, o melhor)? A trama faz com que a gente tenha sentimentos absolutamente conflituosos com relação à pessoa que matou o personagem de um dos atores mais carismáticos e queridos do atual panteão hollywoodiano, nosso papi Pedro Pascal. A Abby interpretada por Kaitlyn Dever não é uma mulher forte e musculosa como no jogo original, visivelmente ameaçadora – é uma jovem aparentemente comum, como qualquer outra, que se vê consumida por um ódio sem fim depois que um sujeito mata seu pai. O homem que estava prestes a produzir uma cura em potencial para a pandemia que assola o planeta.
Pensa nisso.
No fim, a gente passa a não enxergar a Abby como vilã. Mas também tampouco como heroína. Quando ela e Ellie ficam frente a frente, é mais do que claro que elas são faces de uma mesma moeda. E a gente até entende o que ela sente. Porque ela também está presa dentro de um ciclo de violência do qual simplesmente não consegue se livrar.
Justamente por isso, acho inteligentíssima a decisão de “quebrar” o segundo jogo em duas temporadas, fazendo com que a próxima leva de episódios da série seja contada inicialmente sob o ponto de vista da Abby, fazendo que a gente veja o OUTRO lado daqueles três dias iniciais em Seattle. Como diabos ela vai reagir à morte de seus amigos – em especial a jovem grávida, que tomou a decisão de ter a criança mesmo em um mundo repleto de fungos com tendências homicidas?
Esta dicotomia, ainda que apresentada com seus erros e acertos, com certa correria em alguns momentos e um tanto de lentidão em outros, acontece da mesma forma, num ponto de vista mais macro, por exemplo, com a relação entre o Washington Liberation Front (WLF) e o grupo primitivista dos Serafitas (ou Cicatrizes). Nenhum deles é herói ou vilão, bonzinho ou malvado. Ambos se enfrentam em busca da própria sobrevivência e ambos são capazes de atos absolutamente monstruosos.
No fim, o ciclo de violência continua se perpetuando – porque quando todos lutam contra a violência do mundo ao seu redor, acabam criando ciclo de violência entre os próprios sobreviventes.
E se você não enxerga os paralelos entre isso e a vida real, o mundo que a gente mesmo vive HOJE, agorinha, em cada manchete do jornal, olha, é melhor assistir tudo de novo.
Mas se você chegou aqui e não entende muito bem do que se trata “The Last of Us”, a gente explica…
Ambientada em um mundo devastado por uma pandemia causada pelo fungo Cordyceps, que transforma seus infectos em algo similar a zumbis, a série acompanha Joel (Pedro Pascal) e Ellie (Bella Ramsey) em uma jornada perigosa pelos Estados Unidos. Na segunda temporada, após a trágica morte de Joel, Ellie embarca em uma missão de vingança contra Abby (Kaitlyn Dever), membro do grupo Washington Liberation Front (WLF), levando a confrontos intensos e decisões morais complexas.
A série, baseada no aclamado jogo da Naughty Dog, continuou a explorar temas de vingança, perda e redenção em um mundo pós-apocalíptico.
Mas isso é muito “The Walking Dead”, não? Então… não, rs.
Embora ambas as séries se passem em cenários pós-apocalípticos, “The Last of Us” se diferencia por seu foco na relação entre os personagens principais e nas consequências emocionais de suas ações. Enquanto “The Walking Dead” enfatiza a sobrevivência em grupo e conflitos entre comunidades, “The Last of Us” aprofunda-se na jornada pessoal de seus protagonistas, explorando temas de amor, perda e redenção.
Lançado em 2013 para PlayStation 3, “The Last of Us” foi aclamado por sua narrativa envolvente e personagens profundos. O sucesso levou a uma sequência em 2020 e à adaptação para a televisão. O jogo é considerado um dos melhores da década, influenciando significativamente o gênero de jogos de ação e aventura.

Já a série é criada por Craig Mazin, conhecido por “Chernobyl”, e Neil Druckmann, diretor criativo do jogo original. Na segunda temporada, Mazin atuou como roteirista principal e diretor do primeiro episódio, enquanto Druckmann contribuiu nos dois episódios finais. Outros diretores incluem Mark Mylod, Peter Hoar, Kate Herron e Stephen Williams.
A primeira temporada foi amplamente elogiada por sua fidelidade ao material original, performances dos atores e qualidade de produção. Críticos destacaram a série como uma das melhores adaptações de videogame para a televisão, com destaque para as atuações de Pedro Pascal e Bella Ramsey.
Já a segunda temporada recebeu críticas mistas. Enquanto alguns elogiaram a profundidade emocional e a coragem narrativa, outros criticaram as mudanças em relação ao jogo e o ritmo da história. A morte de personagens queridos e a introdução de novos pontos de vista dividiram a opinião do público…
Principais Personagens e Intérpretes
Tommy: Interpretado por Gabriel Luna, é o irmão de Joel e desempenha um papel importante na narrativa.
Ellie: Interpretada por Bella Ramsey, é uma jovem imune ao fungo que busca vingança pela morte de Joel.
Joel: Interpretado por Pedro Pascal, é um sobrevivente endurecido que se torna figura paterna para Ellie.
Abby: Interpretada por Kaitlyn Dever, é uma soldado da WLF com motivações próprias, central na trama da segunda temporada.
Dina: Interpretada por Isabela Merced, é o interesse amoroso de Ellie e sua companheira na jornada.
Jesse: Interpretado por Young Mazino, é um amigo próximo de Ellie e Dina.