Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Don’t Believe The Hype

A pressão pra consumir cultura pop só porque as pessoas ACHAM que você deveria transforma o que deveria ser um prazer num inferno

Por THIAGO CARDIM

(publicado originalmente no JUDÃO.com.br)

Na real, eu quis muito usar o título da música do Public Enemy aqui porque a banda é foda e a música é foda. Mas o papo vai além disso. Talvez seja mais até pela pegada de “não deixa o hype te dominar, porra”.

Lembro bem da cena. O ano era 2019. Um mundo pré-pandemia, numa hora do almoço da minha identidade secreta como publicitário (entra a vinheta de troca de cena daquela série do Batman dos anos 60), fui submetido a uma espécie de interrogatório por alguns amigos que sabem da minha faceta de jornalista especializado em cultura pop. “Ah, então, a série da Marie Kondo, aquela que você certeza que viu…”. E aí eu mandei um “não, não vi”, pra espanto geral da mesa. “Mas certeza que tá programado pra ver, fazer maratona?”. E aí eu mandei um “olha, nem sei se vou ver, viu”.

Olhares assustados.

“Mas cara, é o grande lançamento do Netflix, como assim você não viu, meoOoOoOoOoOoO?”.

 ¯\_(ツ)_/¯

Na real, isso tem sido BASTANTE frequente com as séries/filmes do serviço de streaming que virou papo obrigatório quando o assunto é cultura pop. Mas não pensem que nunca passei por isso antes: foi assim com Tropa de Elite, que só vi muuuuuuito tempo depois de todas as frases do Capitão Nascimento rodarem na boca das pessoas. Foi assim com Lost, cujo trem eu só adentrei muitas temporadas à frente.

E é assim sempre com Game of Thrones (vi só 1 episódio e meio depois de ler aquele primeiro livro chaaaaaato do Martin), com Breaking Bad (vi pouquíssimos episódios), com bandas do tipo Arctic Monkeys (grupo que só fui ouvir com a devida calma bem depois de toda a comoção) e com demais fenômenos pop dos últimos anos. E tá sendo assim com o filme ou série do momento não só do Netflix, mas do Amazon Prime, do Disney+, de quem quer que seja.

Minha mãe, neste momento da pandemia, quarentena, trancada em casa, embarcou com tudo no bonde do Netflix, para o qual não dava lá muita bola. Aí, encontrou La Casa de Papel e DEVOROU. Veio falar comigo, afinal, filho tem site de coisas assim, enfim. E ficou INDIGNADA quando descobriu que eu nunca tinha visto a série espanhola que virou assunto de boteco.

Tornou-se recorrente que alguns filmes / séries / gibis / bandas tenham subido a um nível tão imensamente agressivo de hype que é OBRIGATÓRIO você consumir aquilo. Qualquer um. Imagina então a gente, que trabalha com cultura pop, cara, que absurdo, como assim, vocês TÊM que assistir / ler / ouvir tudo!!!!11!1!!

Eu, durante algum tempo, até acreditei nisso. E vou dizer que me fazia um mal danado escrever sobre cultura pop e não ter consumido o pacote completo do grande hype dos últimos tempos da última semana. Me sentia sempre correndo atrás do meu próprio rabo.

E isso começou a desencadear UM MONTE de gatilhos da minha própria ansiedade, uma coisa com a qual aprendi a lidar/admitir/assumir tem bem pouco tempo. Eu me sentia menor, desqualificado, sem talento, uma farsa. Até pensei, muitas vezes, em desistir, jogando limpo.

A verdade é que existem uma série de fatores aí. Claro que o fator TEMPO é fundamental. Faço o Gibizilla porque gosto, porque quero, porque sou teimoso. Foi assim com a PQP, com A ARCA, com o JUDÃO. Só que nunca ganhei dinheiro DE FATO com eles (assim como não ganho aqui, tá, só pra esclarecer). E aí sempre tive que dividir estas atividades com um OUTRO emprego, um que me pagava as contas mesmo. Tempo. Mas não é SÓ isso. Às vezes tem a questão do gosto. Do “não tô afim”. Ao qual a gente tem direito, né?

A gente tenta cobrir todas as principais frentes, a gente tenta se dividir pra poder fazer o melhor, pra trazer um olhar realmente diversificado sobre cultura pop pra vocês? Claro que sim. E a ideia é que a gente continue fazendo isso cada vez mais e mais, incluindo falar sobre Game of Thrones, Breaking Bad e a Marie Kondo quando a gente achar que faz sentido.

Mas a gente TAMBÉM tem que se cuidar, né? Pra escrever BEM sobre cultura pop a gente precisa consumir bastante mas não só como trabalho. A gente precisa estudar um determinado assunto no detalhe, mais a fundo, o que demanda mais tempo. A gente precisa apurar uma matéria por mais tempo, cruzar mais fontes, dados, declarações, o que também demanda bastante tempo.

E, cara… pra falar BEM sobre cultura pop, a gente precisa ter tempo pra consumir cultura pop pelo TESÃO e não sempre pela OBRIGAÇÃO. Eu tenho que ouvir um disco e entrar no clima — e não necessariamente ouvir um e já pensar no outro da lista, do álbum de figurinhas, pra não perder a listagem completa de lançamentos. Eu não ouço discos sempre sentado no computador, já dedilhando a resenha. Eu ouço enquanto corro, no ônibus, no metrô, enquanto lavo a louça, enquanto faço a faxina da casa. Eu ouço porque quero ouvir. E aquilo nem sempre vai virar um texto.

Tenho que poder ler um gibi na minha, sentado no parque, debaixo da sombra de uma árvore.

Tenho cada vez mais forçado meus olhos e ouvidos para o novo. Tenho lido muito gibi nacional, muita coisa fora do ambiente super-heróis Marvel e DC. Tenho visto muito filme fora do mundinho blockbuster, visto séries que não são oriundas dos gibis mas também não são o último hype do Netflix…

Tenho ouvido MUITA coisa fora do meu mundinho metal/hard rock. Tudo isso por mim. PRA MIM. Porque isso vai fazer de mim não só um profissional melhor, mas uma pessoa melhor. Porque eu quero. Porque eu gosto. Porque me faz bem, me provoca, me tira do lugar comum. Mas isso sou EU, sabem?

Não só o Netflix, mas qualquer outra empresa de entretenimento, virou especialista em construir o hype do momento. E isso vem com a carga de te fazer sentir por fora, deslocado, quase como se, num esquema meio mundinho da moda, você estivesse usando a roupa errada naquele evento chiquérrimo.

Eu vou em reunião com gente de multinacional superquadrada, vários tiozões brancos e ricos de terno e gravata, usando minhas camisetas de banda e meu All-Star. Se eu faço isso, por que diabos deveria me achar menor do que alguém só por que fui o único da roda a não entender (e, sem exagero, sequer dar a mínima) pros Stark, Baratheon, Bolton, Lannister…?

Não acredite no hype. Não se deixe dominar pelo hype. Acredite no que você gosta e no que você quer. Porque a cultura pop não deveria ser MAIS uma opressão numa vida que já te suga pra caralho, né? Ainda mais no momento em que vivemos AGORA.