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Marighella: um dos filmes mais importantes do ano, nas palavras do seu diretor

Mais do que ouvir a gente dizendo o quanto o filme é foda e merece ser visto NESTE momento da história deste país, principalmente, a gente queria era que você ouvisse o próprio diretor, Wagner Moura, defendendo a obra com o fígado e o coração.

Por THIAGO CARDIM

Nas últimas semanas, as grandes discussões em torno da Sétima Arte têm girado basicamente em torno do processo de nolanização (ou seria snyderização?) do diretor Denis Villeneuve por conta de seu “Duna” – que é, precisamos admitir, um PUTA filme, apesar de todas as questões que merecem ser feitas – ou então da chegada dos Eternos da Marvel aos cinemas, melhor ou pior da franquia, fadiga dos super-heróis, aquela coisa.

Mas é preciso dizer, antes de qualquer coisa, que NADA disso importa. Porque nesta quinta, dia 4 de novembro, ENFIM chegou aos cinemas Marighella, um dos longas mais importantes DO ANO. Que merece ser assistido, que PRECISAVA ser assistido muito mais do que qualquer medalhão de grandes estúdios, que qualquer agente secreto, aventureiro ou super-herói.

Marighella foi, antes de qualquer coisa, um filme CENSURADO – e é bom que isso seja dito assim, sem meias palavras. Inspirado no livro “Marighella – O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães, o filme é a estreia por trás das câmeras do ator baiano Wagner Moura. Projeto de uma vida, Marighella (originalmente a ser estrelado pelo Mano Brown, dos Racionais MCs, que depois saiu do projeto por questões de agenda com a banda) deveria estrear por aqui logo depois da exibição no Festival de Berlim, em 2019. Mas não foi assim que aconteceu.

Afinal, estamos falando da biografia de um político, escritor e guerrilheiro comunista, opositor declarado dos ditadores do Regime Militar. Como você acha que uma obra como esta seria recebida por um governo como ESTE, em meio a uma onda de conservadorismo? Aconteceu o esperado. A Agência Nacional de Cinema (Ancine), alegou problemas com a entrega de uma papelada, usou da burocracia aqui e ali… O resultado é que o filme acabou fora das telonas por praticamente dois anos. Até agora.

A gente aqui do Gibizilla teve a chance de ver o filme. E ele é tudo isso mesmo. E muito mais. Uma porrada, um grito de revolta, um berro de insatisfação. Marighella não é só sobre Marighella, a pessoa, complexa, multifacetada, cheia de defeitos e contradições, como eu e você. Mas agora, em 2021, quer dizer muito mais. Tem toda uma nova camada de significado.

Só que, ao invés de ouvir A GENTE falando, resolvemos fazer um exercício diferente. Porque, como o Wagner Moura fala de maneira tão intensa e apaixonada sobre o projeto, queríamos que você escutasse DELE. Infelizmente, não tivemos a chance de entrevistá-lo. Só que muitos colegas de profissão puderam fazê-lo. Então, separamos trechos destes papos e costuramos de forma que eles ajudam a contar um pouco desta história.

Sugerimos que, além de ler este texto, vocês cliquem nos links e leiam as entrevistas NA ÍNTEGRA. Porque este panorama geral acaba, no caso de uma obra como Marighella, sendo tão vital quanto o próprio filme.

“Eu comecei dirigindo um filme muito mais complexo para alguém que nunca tinha dirigido nada. É um filme com implicações políticas e históricas, grande, cheio de personagens, centrado numa figura maldita, que talvez cause mais polêmica hoje do que na própria época em que viveu —o que diz mais sobre a época de hoje do que sobre o Marighella”
Folha de S.Paulo

“Desde novinho sou fascinado por histórias de resistência: Inconfidência Mineira, Revolta dos Alfaiates, Guerra de Canudos e toda essa galera que resistiu ao poder tirano. São histórias mal contadas ou até mesmo apagadas, como a de Marighella (reconstituída no livro de Mário Magalhães, de 2012, base para o longa). O filme é uma representação não só daqueles que lutaram pela democracia nos anos 1960 e 1970, mas dos que lutam hoje, o povo preto, os indígenas, a população LGBT e os favelados que seguem sendo chamados de terroristas. Em momentos de distopia, os movimentos se fortalecem. É instinto de sobrevivência. Como agora, em que está no poder um psicopata, sujeito sem condições morais de ser síndico de condomínio, o que dirá de dirigir um país”
O Globo

“A escolha pelo retrato do Marighella guerrilheiro tem a ver com o meu interesse nas rebeliões populares e nos personagens silenciados, mas tem a ver também com o meu desejo de fazer um filme de ação, capaz de atrair um público que não quer, necessariamente, ver um filme político”
Carta Capital

“Marighella não é apenas sobre quem resistiu à ditadura militar nas décadas de 1960 e 1970, é sobre os que resistem hoje no Brasil. [O filme] homenageia também Canudos, Palmares, a Revolta dos Malês e outras revoltas populares que sempre foram contadas sobre o ponto de vista do dominador”
Roda Viva

“Marighella foi a síntese do meu interesse por essas figuras, e de uma certa revolta por ter total compreensão de que essas insurreições foram mal contadas. Queria futucar esse lugar. (…) Eu só tinha na minha cabeça que o Marighella era preto. Mas hoje eu penso: que ótimo que esse Marighella é preto pra caralho. Ele não foi apagado só porque lutou contra uma ditadura. O fato de ser preto não é insignificante. Quero que os jovens negros digam: ‘esse cara era foda e era preto’.”
UOL

“A mãe de Marighella nasceu em 1888, dia da abolição da escravidão, dia em que o último país do mundo ocidental removeu a escravidão. Ela era filha de escravizados africanos, neta de gente que veio a força ao Brasil trabalhar como escravos. Essa origem de Marighella diz muito sobre quem ele era. Marighella era um homem negro, o pai dele era italiano. Com a escalação de Seu Jorge, eu estou reafirmando a importância do fato desse homem ser preto. E eu quero dizer para as pessoas no Brasil que o Brasil teve uma figura histórica, lutador pela justiça social, pelos direitos dos pobres, dos trabalhadores, pela liberdade, pela luta contra a ditadura, que era preto”
Omelete

“Esse personagem importante da história do Brasil teve sua trajetória apagada pela narrativa oficial e o filme que fizemos devolve ao imaginário popular a figura de um homem importante. Você pode gostar dele ou não”
Adoro Cinema

“Eu fiz um filme sobre Marighella, você não é obrigado a gostar dele. (…) É engraçado como o fantasma de Marighella causa, ainda hoje, talvez mais medo e terror nessa galera, do que na época em que ele estava vivo”
Brasil de Fato

“Eu me interesso pelas pessoas. Todos os personagens, todos os guerrilheiros, estão vivos na tela, são pessoas com conflitos. Se não, viraria vetor de um panfleto político. E quem quer ver isso? Eu não quero”
O Estado de S.Paulo

“São muitos anos carregando isso. E eu fiz um filme de amor. Para mim, o meu filme é um filme sobre amor. (…) Eu queria muito ver os personagens de forma complexa. Para mim, como ator, o meu trabalho é esse. É ver as pessoas de forma multidimensionais. Ninguém é uma coisa chapada”
Scream & Yell

“Marighella é imperfeito. Qualquer personagem que eu fiz, que eu desenhei, que eu fiz como ator, são personagens imperfeitos. No filme, você vê que Marighella é colocado em xeque a todo momento. Não fiz uma hagiografia (descrição de um santo, servo de Deus), embora o filme tenha nascido de uma admiração pelo Marighella, meu trabalho como artista é entregar personagens complexos. Não consigo defini-lo como herói. Tenho muita admiração por ele, acho que é um personagem muito importante na história do Brasil. Um cara que dedicou sua vida, literalmente, à luta contra uma ditadura militar, pela liberdade, pela democracia, pelos direitos dos mais pobres, pelos trabalhadores, pelos direitos civis, isso está na história de vida de Marighella, e inclusive, não está nem no filme. Mas ele é um personagem complexo, com falhas e imperfeições”
Correio Braziliense

“O filme é feito para o Brasil, para o brasileiro. Apesar de ter feito muito sucesso fora do país, fizemos a obra para cá. Tem sido lindo, abraçado com muito amor pelas pessoas que querem que o filme aconteça. Por ter vontade de ver essa história por aí, mesmo com todas as dificuldades. (…)  “O filme é sobre alguém que lutou contra a ditadura militar e que levou um tiro no cinema gritando ‘viva a democracia’. Neste sentido, esse valor deveria unir. Você gostando de Marighella, ou não, deveria ser um valor caro a qualquer democrata no Brasil”
Glamurama

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