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Héctor Bonilla em Chaves

Héctor Bonilla: vida e obra além do Chaves

Não, Héctor Bonilla não era um ator interpretando um galã canastrão das novelas mexicanas num dos episódios mais famosos de Chaves. Ele era um galã interpretando a si mesmo – e nem era tão canastrão assim 😉

Por THIAGO CARDIM

“Quando eu regressar, você dirá apenas duas palavras: TE PERDOO”

Esta é a única frase que o galã Héctor Bonilla diz, com ar de canastrice suprema, na tela da TV da Dona Florinda – deixando não apenas a mãe do Quico mas também a Chiquinha e a Bruxa do…digo, a Dona Clotilde suspirando. Mal sabiam elas que, a caminho da gravação de um filme, Héctor teria um problema com o carro e pararia justamente na frente de sua humilde vizinhança.

Enquanto tenta convencer o Seu Madruga a emprestar um macaco para que ele possa trocar o pneu (que vai ser alugado porque, afinal, “atores vemos, intenções não sabemos”), o ator vai tomar um café na casa da Florinda, vira alvo dos ciúmes do Professor Girafales e, claro, acaba ficando amigo do Chaves e até promete bater uma bola com ele.

Esta é essencialmente a trama de Um Astro Cai na Vila, episódio da sétima temporada da série, exibido pela primeira vez no México em março de 1979 – e talvez um dos mais clássicos de toda a sua trajetória, ao lado da viagem para Acapulco, do Festival da Boa Vizinhança, da venda de churros e do filme do Pelé.

O mais engraçado é que tem muita gente que ainda acredita que Héctor Bonilla é um personagem, uma caricatura de um daqueles galãs de novelas mexicanas. Mas a verdade é que aquele era Héctor Bonilla interpretando Héctor Bonilla. Que sim, existe. E sim, era um dos galãs mais famosos das novelas mexicanas na época, escolhido justamente para ajudar a bombar a audiência do Chaves – que, com a saída de Carlos Villagrán (Quico), vinha experimentando um período de baixa.

Falando sobre meu amigo Héctor

Nascido no dia 14 de março de 1939 em TETELA DE OCAMPO, cidade do município de Tetela de Ocampo, na região de Sierra Norte, no estado mexicano de Puebla, Héctor Bonilla Rebentun já participou de mais de 30 filmes e 30 novelas. Depois de se formar em artes cênicas na Escola de Arte Teatral do Instituto Nacional de Bellas Artes do México, trabalhou não apenas como ator, mas também como produtor, diretor e músico.

Grande parte de sua carreira, no entanto, se deu atuando em telenovelas, um fenômeno tanto lá quanto cá, desde 1967, quando interpretou o personagem Ramiro em La Casa de las Fieras.

O rosto de Bonilla não apareceu no SBT apenas no Chaves, aliás. Ele foi o protagonista de Viviana, em Busca do Amor, que a emissora do Senor Abravanel exibiu em 1984 e depois reprisou em 1987 e 1991. O ator foi Jorge Armando (ah, os nomes compostos), um picareta que se apaixona e casa com a personagem-título (Lucía Méndez, que também canta a música da abertura), garota simples de uma vila costeira, apenas para deixá-la pra trás em busca de um casamento com a filha de um homem rico. Depois de algumas viradas rocambolescas, é claro que ele descobre que a ama de verdade e vai precisar lutar para reconquistá-la.

Nada mais novela mexicana, aliás.

Mas Héctor Bonilla vem estabelecendo, ao longo dos anos, uma carreira também como dublador de filmes infantis – além de dar voz a um dos coadjuvantes de Ratatouille, no qual seu filho Sergio Bonilla dubla a versão em espanhol do ratinho principal, recentemente foi convidado para dar voz ao urso Baloo na versão live-action de Mogli (em inglês, a voz é de Bill Murray).

Pra você que curte produções do Netflix fora do circuitão americano, dá uma procurada em Natal, mas Pouco (Una navidad no tan padre), produção mexicana original da plataforma, lançada no final de 2021. O protagonista, um senhor de idade que tenta controlar o Natal da família numa viagem pra praia, numa daquelas comédias natalinas tão birutas quanto típicas, é justamente Hector Bonilla.

Fora das telinhas e telonas

No teatro, Héctor também gosta de trabalhar com a família: ao lado da atual esposa, a também atriz Sofía Alvárez (sua segunda esposa, neta da atriz mexicana de mesmo nome), esteve nos últimos anos em cartaz com Cartas Marcadas, peça na qual ambos leem cartas de personagens históricos como Evita Perón e María Estuardo (rainha da Escócia também conhecida como Maria Stuart ou Maria I). No drama Almacenados, sobre a relação de um homem prestes a se aposentar com o próprio trabalho, dividiu o palco com os filhos Sergio e Fernando Bonilla – além de atuar sozinho nos monólogos Yo soy mi propia esposa e El daño que hace el tabaco.

Além disso, o ator foi bastante elogiado por sua performance como Porfirio Díaz, general mexicano que comandou a presidência do México durante três décadas, com mão de ferro e postura ditatorial. No especial Porfirio Díaz, 100 años sin patria, produzido localmente pelo Discovery Channel, Héctor divide novamente a tela com o filho Sergio, que interpreta Porfirio quando jovem.

Um pouco de contexto


O episódio batizado originalmente de El Actor Héctor Bonilla é na verdade dividido em duas partes – quem se lembra da trama exibida no SBT, com certeza deve ter estranhado o recap logo nos primeiros minutos, no qual o narrador explica de maneira aparentemente fora de contexto como Héctor chegou à vila e encontrou Chaves, Seu Madruga e a Dona Clotilde. Não apenas parecia que tinha alguma coisa antes daquilo, como realmente tinha. 😉

Fãs de Chaves e Chapolin sabem bem que existe toda uma leva dos chamados “episódios perdidos”, que nunca chegaram a ser enviados no pacote para as emissoras retransmissoras, como a do titio Silvio, por mais que a Televisa negue oficialmente. Muitos motivos podem ter levado a este desaparecimento, indo da má conservação das fitas à censura deliberada por conta do desligamento de atores, passando até mesmo pela teoria de que o terremoto que atingiu o México em 1985 e de fato destruiu parte dos arquivos da Televisa também poderia ter atingido o material de Chaves.

Como grande parte da graça de Chaves é mesmo a dublagem, vale recordar ainda que quem dá voz para Bonilla é o veterano Luiz Carlos de Moraes, conhecido por dublar atores como Anthony Hopkins, Alan Arkin, Robert Duvall e Bob Hoskins, além de interpretar Peter Griffin na versão brasileira de Uma Família da Pesada (Family Guy, no caso). No Chaves, sua voz pode ser ouvida ainda como o Sr. Furtado, o ladrão da vila, e Seu Madroga, primo do Seu Madruga.

Héctor Bonilla em Chaves
Héctor Bonilla em Chaves


Bonilla e o menino em situação de barril

“Dou muita risada quando brasileiros me veem e me reconhecem pelo Chaves. Chama a minha atenção porque é precisamente no Brasil que acontece isso. Toda vez que encontro um brasileiro, me dizem isso. É muito engraçado”, afirmou ele, em entrevista concedida ao UOL em 2019. “Em 1978, eu estava muito famoso pela novela Viviana. Não estava gostando de como eram feitas as novelas e me aproximei de Roberto Gómez Bolaños porque soube que ele trabalhava com apenas uma câmera, em vez de três. Ele falou: ‘Vou escrever um programa para você'”, recorda o intérprete. “Este capítulo que Chespirito escreveu, passou um tempo e ele depois o refez com outro ator. Isso me fez rir muito”, brinca Bonilla sobre outra versão do episódio, gravada em 1986 com o ator Rogelio Guerra.

Fã de Caetano Veloso, o astro nunca conseguiu vir ao Brasil, o que lhe é causa de muita frustração. Mas, à época, ele já mostrou preocupação com a eleição de Bolsonaro. “Na América Latina, há processos parecidos. A esquerda aparece periodicamente, cheia de demagogias, e o projeto de equidade e equilíbrio se torna uma mentira. O povo se decepciona e leva à Presidência um homem que vota pela tortura e diz abertamente que seus ídolos são torturadores”, analisa. Lembremos, no entanto, que o ator tem um posicionamento político bastante claro – um dos fundadores do S.A.I.D. (Sindicato de Actores Independientes), se envolveu diretamente com o partido de esquerda e centro-esquerda Movimiento Regeneración Nacional, mais conhecido pela sigla MORENA.

Como está o ator hoje

Aos 83 anos e prestes a completar 60 anos de carreira, Héctor Bonilla vem enfrentando um câncer nos rins que o atormenta há quase quatro anos. Ele afirma, numa entrevista ao site mexicano TV y Novelas concedida em abril deste ano, que não cogita abandonar os palcos ou as telas. “Meu plano é continuar lutando para ver até onde consigo ir. Pode-se dizer que estou vivendo horas extras, e as vivi muito feliz”, diz. “Se eu puder viver mais 10 anos, seria um presente que a vida me dará, mas não estou angustiado; eu simplesmente quero continuar trabalhando no que faço: escrever, dirigir, atuar e cumprir meu ciclo”.

Ainda em tratamento, ele segue pensando de maneira bastante positiva. “Estou satisfeito com meu trabalho, com a família que formei, com o homem que sou… amo profundamente a vida”, confessa. “Tive muita sorte de encontrar minha esposa, com quem convivo há 41 anos, e de ter três filhos e sete netos que amo profundamente. Eu não poderia pedir por mais”.