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Guardiões da Galáxia Vol. 3 encerra a trilogia pensando mais em si e menos no MCU

Última obra do diretor James Gunn pro universo expandido da Marvel se foca menos no futuro de uma grande saga e mais em dar camadas e fechamentos aos personagens – AINDA BEM!

Por THIAGO CARDIM
(publicado original no site IGORMIRANDA.COM.BR)

Assim que acabei de assistir ao terceiro e último filme desta fase dos Guardiões da Galáxia, considerado o encerramento de uma trilogia comandada por James Gunn – o cineasta que, lembremos, agora é o todo-poderoso chefão justamente da DC nos cinemas, principal concorrente direta da Marvel no segmento “filmes com super-heróis” – lembrei imediatamente de uma modalidade de conteúdo muito comum hoje tanto em sites/portais de cultura pop quanto em canais de YouTube que abordam este tipo de tema.

Sabe aqueles textos/vídeos na pegada “filmes e séries que você precisa assistir para entender Guardiões da Galáxia – Volume 3”? No momento em que você está lendo este texto, aliás, já devem existir dezenas deles pela internet afora. Pois bem: já digo, de imediato, que todos são totalmente dispensáveis. Afinal, as únicas coisas que você precisaria de fato ter visto para não apenas sacar mas também entrar no clima deste terceiro volume são os próprios filmes dos Guardiões. E, obviamente, o especial de Natal dos personagens que rolou no final do ano passado, lá no Disney+. Só isso. Nada de filme dos Vingadores, do Homem-Aranha, do Thor, do Homem-Formiga, qualquer coisa assim.

“Guardiões da Galáxia – Volume 3” não tem qualquer intenção, da mesma forma que acontece com os dois primeiros filmes desta franquia, em se focar numa construção de futuro do Universo Marvel nos cinemas. Não tem Kang, não tem multiverso, não tem participações especiais de outros heróis ou vilões. É somente um filme sobre os Guardiões da Galáxia – e isso é uma EXCELENTE notícia. Porque a preocupação de Gunn acaba sendo em fazer uma verdadeira declaração de amor aos personagens, se derramando em emoção mas sem jamais perder a essência das suas aparições anteriores.

Uma história, um novo protagonista

Conforme o filme começa,com Rocket (voz de Bradley Cooper) andando pela comunidade de Luganenhum – formada dentro da gigantesca cabeça de um Celestial – de posse do Zune (player de música da Microsoft) do Senhor das Estrelas (Chris Pratt), ao som de “Creep”, do Radiohead, está claro que temos uma mudança direcional de protagonismo. Ainda que o guaxinim antropomorfizado passe grande parte do filme correndo risco de vida dentro da baia médica da nave Bowie, os flashbacks de sua história ocupam grande parte da narrativa.

Enquanto descobrimos de que maneira os brutais experimentos científicos do Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji) traumatizaram Rocket – não apenas fisicamente – e o apresentaram aos seus primeiros amigos, vamos descobrindo por qual razão o novo vilão ainda é obcecado por sua criação e faz de tudo para trazê-lo de volta, contando inclusive com aquele que deveria ser a criatura suprema de uma das raças que ele mesmo criou: Adam Warlock (Will Poulter), diretamente da horda dos Soberanos, aqueles insuportáveis humanos dourados do filme anterior.

Rigorosamente tudo, ao longo da trama, gira em torno disso. A busca por uma cura, a luta contra o Alto Evolucionário e seus planos eugenistas, a reunião final do time… Afinal, como diz uma determinada personagem (se eu explicar mais, é um BAITA spoiler) em um diálogo para o Rocket, “a história sempre foi sobre você, mas você nunca percebeu”.

Ainda assim, no entanto, James Gunn sabe como dar espaço suficiente para cada um dos personagens da equipe, trazendo novas camadas de profundidade e fechando uma série de pontas soltas, sem deixar ninguém de lado.

A partir do que aconteceu no aparentemente inocente especial de Natal dos Guardiões, percebemos que não apenas Peter Quill mas também sua irmã Mantis (Pom Klementieff) precisam encontrar seus próprios caminhos. Gunn também mostra que existe mais na personalidade de Nebulosa (Karen Gillan) do que uma guerreira mal-humorada de dentes trincados, assim como há muito mais em Drax (Dave Bautista) do que um grandalhão com senso de humor questionável. E, de maneira bastante inteligente e ao mesmo tempo sensível, ele não opta pelos caminhos mais fáceis para esta “nova” Gamora (Zoe Saldana), retirada de um tempo e espaço diferente, que mal conhece os Guardiões…

E a gente ainda tem espaço para entender o pequeno drama pessoal de Kraglin, tentando vestir os sapatos que outrora foram de Yondu e dando mais chances para vermos Sean Gunn, conhecido pelos papéis com captura de movimento, brilhar como ele mesmo em tela.


O tom é bem diferente do que você imagina…

Agora, veja só, não dá pra se deixar enganar pelo tom dos trailers, que sugeriam claramente uma choradeira sem fim e uma verdadeira tragédia à frente. Sim, o filme é bem mais emocional do que os dois antecessores (e olha que, no anterior, o diretor ainda partiu nossos corações com a morte de Yondu), mas a parada está longe do dramalhão simples que uma morte traumática poderia causar. A emoção está carregada nas conexões entre os Guardiões e na sensação nítida todo o tempo de que este é mesmo um capítulo final.

Ainda assim, o humor pop e cheio de referências de Gunn, aquele que nos fez apaixonar por este grupo disfuncional desde o primeiro filme, está lá, inteirinho. Ou seja, se você é do tipo que odeia as “piadinhas da Marvel”, sinto lhe informar que elas estão lá o tempo todo, permeando a história e dando a ela uma leveza necessária. Destaque primordial para a dupla Drax e Mantis, cuja química funciona tão bem desde as últimas aparições de ambos que a gente quase chega a pedir por um especial cômico de ambos em alguma plataforma da vida.

Além disso, a ação está presente em momentos pontuais, mas essenciais – destaque para uma daquelas clássicas sequências de pancadaria em um corredor estreito. Mas aqui, ao som de “No Sleep Till Brooklyn”, dos Beastie Boys, vemos todos os Guardiões reunidos, usando seus poderes-habilidades ao mesmo tempo e de maneira complementar, detonando um exército de monstrões geneticamente alterados enquanto uma câmera maluca, parecendo quase um drone, fica indo e voltando, oferecendo ângulos quase videoclípticos (quem lembra da MTV, com certeza vai sacar e perdoar o meu neologismo).

Os novos personagens

Quando eu disse que o filme dos Guardiões gira em torno DELES e conta a história PARA ELES, sem preocupação direta com o universo cinematográfico da Marvel, não estava mentindo. Sabe quando anunciaram as participações de nomes como Nathan Fillon, Daniela Melchior ou mesmo Jennifer Holland, esposa de Gunn? Todos, de alguma forma, vindos do Esquadrão Suicida dirigido pelo diretor? Pois é, o que não faltaram foram especulações sobre quem eles seriam – muita gente apostava claramente que Melchior, por exemplo, seria a Serpente da Lua.

Pois nada disso. Os três, assim como tantos outros rostos ou vozes que você venha a reconhecer, existem ali apenas como coadjuvantes simples, personagens que não vieram das HQs e que estão na história somente para cumprir um papel: acompanhar a jornada dos Guardiões.

O mesmo vale para os dois grandes estreantes aqui. Sim, eu sei que muita gente vai ficar irritada com o Adam Warlock deste filme, uma espécie de Superman repleto de poderes mas cujo retrato chega a beirar o ridículo, especialmente porque ele acaba de sair de seu casulo e mal conhece o mundo ao seu redor. É tipo um bebezão. Esqueça o guerreiro cheio de pompa e nobreza dos gibis – e, honestamente, ESTA versão funciona muito melhor para ESTA história.

O mesmo vale para o Alto Evolucionário. Se, nos gibis originais, ele é um escroto fleumático, classudo e irritantemente elegante, aqui ele é uma espécie de fanático descompensado, que grita, que perde a linha, alguém que representa a ciência sem ética, sem limites, um alucinado em busca de se tornar um deus. Ou de, talvez, assumir, o papel de Deus. O antagonista perfeito para que Rocky possa, enfim, encontrar o SEU próprio papel. Belíssima construção, aliás.

Como imaginar os Guardiões sem Gunn?

Quando o filme acaba e a gente enfim percebe que a equipe mudou, o status quo de cada personagem é outro e os caminhos tendem a ser divergentes, fica uma sensação de vazio no peito. A gente já viu, lá na DC, com o Esquadrão e com a série do Pacificador, o que Gunn pode fazer com os personagens DAQUELA outra galera. Mas a grande pergunta que permanece é: quem poderia, com os Guardiões, fazer algo tão marcante quanto o que ele fez na Marvel?

Aliás… qual vai ser mesmo o papel dos Guardiões na Marvel a partir de agora? De fato, não sabemos. O que a gente sabe é que este volume 3 é, ao mesmo tempo, tocante, divertido e representativo – no sentido de que encerra um ciclo. E sabemos que, no MCU, tal qual nos gibis, encerrar ciclos é difícil. Podemos ter (e meio que já temos) novos Guardiões, podemos até encontrar Guardiões de outras regiões do multiverso… Mas Guardiões como estes, com assinatura e com trilha sonora, olha, acho BEM difícil.

Tudo que é bom, vejam vocês, tem começo, meio e fim. E é ótimo quando vemos um fim tão delicinha quanto o começo.