Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Ninguém pediu por Eco, mas ela veio e entregou BEM

A série pra qual ninguém tava dando lá muita bola acabou se tornando não apenas uma das produções mais interessantes do MCU pro Disney+ como ainda deixou aberto um caminho que parece mais convidativo do que o Kang e seu multiverso interminável

Por THIAGO CARDIM

“Cara, como assim, uma série da Eco? A mina é total coadjuvante nos gibis e até na série do Gavião Arqueiro. Por qual razão ela ganhou uma série só dela?”. Bom, vamos admitir, muita gente se fez esta pergunta durante meses, depois que a Marvel anunciou que a jovem apadrinhada do Rei do Crime ganharia seu próprio programa de TV. Muita coisa mudou de lá pra cá, incluindo o surgimento do selo Marvel Spotlight, que designa produtos audiovisuais mais, digamos, “urbanos” e que não necessariamente precisem conversar com o restante da trama maior do MCU.

A única coisa que não mudou, ora vejam, foi a Eco. E a ideia da sua série. Cujos cinco episódios inauguram a primeira vez em que a Marvel lança todos os capítulos no Disney+ de uma só vez. Surgida no gibi do Demolidor, em 1999, como criação da dupla David Mack e Joe Quesada, Maya Lopez é pouquíssimo conhecida pelos próprios leitores habituais dos gibis – imagina só então pelo público geral. Logo, isso faria da série um fracasso, não? Pois tenho três palavras pra você: Guardiões da Galáxia.

Ninguém (inclusive eu) dava nada quando a Marvel inventou na cabeça de fazer um filme do Senhor das Estrelas e sua turma, um bando de zés-manés das HQs. E o resultado foi o meu filme favorito do MCU, a minha franquia de filmes favorita do MCU e o meu canto favorito de qualquer filme do MCU. Maya Lopez abriu o ano de 2024 pra Marvel, este ano em que teremos apenas UM filme do universo estendido do estúdio nos cinemas (lembrem-se que Madame Teia, Venom e Kraven são filmes da Sony, não da Marvel), com um enorme ponto de interrogação na cabeça de todo mundo.

E o resultado… Olha, tá bom, seria um exagero dizer que Eco é o equivalente aos Guardiões da Galáxia para as séries Marvel do Disney+. Mas digamos que, sem muita pretensão, ela chegou chegando e entregou uma das séries mais coesas e concisas do estúdio até o momento. E isso não é porque se trata da primeira série efetivamente brutal, violenta e com reais cenas de sangue da Casa das Ideias no audiovisual. Mas sim porque a personagem carregou dos quadrinhos o que funcionava e ainda ganhou algumas novas camadas bem interessantes…

Dos gibis pra TV

Nos quadrinhos, Maya também é uma garota surda e de origem nativo americana. Tal qual o Treinador, ela tem reflexos fotográficos, o que a permite reproduzir qualquer movimento e, portanto, a torna excelente no aprendizado de qualquer arte marcial. Artista talentosíssima, com aptidão impressionante para a pintura e o desenho, ela acabou “adotada” pelo Rei do Crime depois da morte de seu pai, que foi capanga do Fisk. Mas obviamente que suas habilidades no quebra-pau não seriam ignoradas e ela acabou sendo usada pelo chefão da criminalidade, que a jogou contra o Demolidor, dizendo que ele matou seu pai. Exatamente como Fisk fez na versão televisiva, ao dizer que o Gavião Arqueiro tinha sido o responsável pela morte do homem.

Aqui, além de também ser uma mulher amputada, Maya – incrivelmente vivida pela excelente Alaqua Cox – tem uma relação ainda mais intensa com a sua ancestralidade, intrinsecamente conectada com as mulheres que vieram antes dela, todas integrantes do grupo étnico dos choctaw (choctó). A ponto, inclusive, da trama ganhar um contorno sobrenatural em certo momento, dando a ela uma habilidade que não existe na versão impressa. Isso é um problema para a história? Mas nem de longe.

Depois de descobrir a traição de Fisk – que, no fim, foi o REAL responsável pelo assassinato de seu pai – Maya retorna à sua cidade natal, em Oklahoma, em busca de vingança. Mas um outro tipo de vingança, no caso. Como ela acredita que o careca está morto, o que ela quer é desmantelar a sua operação e, mandando um recado, quer tomar a coroa para si. Quer ser a Rainha. O ponto é que, de volta para casa, ela tem que encarar adversários ainda mais duros do que os bandidos que restaram no comando das operações do Rei: sua própria família.

As cenas de luta – incluindo aquela com o Demolidor, novamente vivido por Charlie Cox, em um uniforme novo que lembra BASTANTE a versão do Netflix – são ótimas, vivas e intensas, porradaria que mistura aquele gostinho de verdade com as acrobacias malucas que se espera de uma série baseada em gibi. Mas a grande graça de “Echo” é ver Maya tendo que encarar o seu passado. Seu tio, seu primo e principalmente a dupla formada por sua avó e sua prima (e melhor amiga de infância). Todos que ficaram pra trás quando ela e o pai foram para Nova York. Todos que passaram por sua vida, fizeram parte de sua história… mas sumiram nas névoas do Rei.

Quando Fisk retorna, todas as sequências de diálogos entre ele e sua protegida, o único resquício de família que restou ao grandalhão, acabam se tornando repletas de pura tensão, permitindo ao sempre maravilhoso Vincent D’Onofrio exercitar ainda mais a sua interpretação poderosa e assustadora. Mesmo falando baixinho, quase sussurrado, ele parece ser estar sempre no modo calmaria que com toda a certeza precede uma tempestade.

Mais do que nos socos e pontapés, “Eco” se garante é nas relações entre os personagens. E está aí o seu principal acerto, aquele que faz a gente querer devorar os cinco episódios de uma só vez.

Ah, é, a cena pós-créditos.

Pois então, não que fosse exatamente preciso, mas fica aqui o aviso mais do que avisado de SPOILER. Se você não maratonou os cinco episódios de Eco e, portanto, não chegou na famigerada cena pós-créditos que existe depois do capítulo final, melhor parar por aqui. A gente se vê na próxima, tá, até mais, obrigado pela visita.



Bom, se o caríssimo leitor ou leitora ficou por aqui, então está disposto a seguir com a informação de que, depois do embate final com Maya, Wilson Fisk passa por algum tipo de cura, causada pelo poder sobrenatural da jovem indígena. Não fica lá muito claro o efeito, mas pelo flashback anterior, parece ter a ver com a superação do trauma dos abusos físicos aos quais ele e a mãe eram submetidos pelo pai arrombado. O fato é que, ainda refletindo os últimos acontecimentos a bordo de seu jatinho de volta para Nova York, o Rei vê um debate na TV.

Dois analistas falam sobre a corrida para a prefeitura da Grande Maçã, dizendo que faz falta uma “terceira via”. Alguém que não seja necessariamente seja um daqueles políticos de sempre, que venha para trazer sangue novo, que seja capaz de um “chacoalhão” na política. E Fisk parece entender que ele pode ocupar aquele espaço. Exatamente como aconteceu nos gibis (e exatamente como aconteceu na vida real, aliás, não apenas com Trump mas também com o próprio Bolsonaro).

Quando questionado pelo Screen Rant se Wilson Fisk seria o novo Thanos da Marvel, eis que Brad Winderbaum, líder da divisão de streaming da Disney, respondeu na lata: “Você meio que acertou em cheio”. E ainda completou: “Não posso dizer muito – apenas que, falando em capítulos da vida de Wilson Fisk, este é crucial e prepara o cenário para o que está por vir”.

Pois é, nas HQs, depois de uma manobra para ser visto pela população como um benfeitor que trouxe comida e proteção em meio a uma situação emergencial (no caso, a Hidra dominando os EUA em meio a saga “Império Secreto”), acaba que Fisk é eleito prefeito de Nova York. O sujeito, como era de se esperar, decreta uma verdadeira guerra contra a turma de heróis urbanos, mais street-level, da Marvel, criando inclusive um decreto que proíbe o vigilantismo na cidade e colocando toda a opinião pública contra eles. E além da própria Eco e do Cavaleiro da Lua, temos entre seus alvos Demolidor (ah, vá!), Justiceiro, Luke Cage, Punho de Ferro, Jessica Jones…

Percebe um padrão aqui? Sim, estamos falando de basicamente todo o elenco das séries Marvel lá da era Netflix, aquela mesma que acabou de ser OFICIALMENTE transformada em cânone do MCU. Sim, sim, você leu direito: todas as séries com personagens Marvel produzidas para o Netflix (e que agora estão no Disney+) estão integradas à cronologia macro do universo estendido, com confirmação oficial e tudo.

Se não inventarem nada de novo no meio do caminho, a próxima aparição confirmada do Rei do Crime será em “Daredevil: Born Again”, nova produção do Homem Sem Medo que acabou adiada para 2025. Pode ser que neste seriado tenhamos os primeiros passos deste Fisk na cadeira de prefeito, uma ameaça que conecta todo um novo núcleo de personagens, distantes do tal Kang (seja ele Jonathan Majors ou não), dos Vingadores, do multiverso e aquela coisa toda.

O Homem-Aranha também tá neste rolê, de sofrer nas mãos do Rei do Crime agora atuando como prefeito, lá nos gibis originais. E isso desde priscas eras. Mas, apesar da boataria de que ele deve ser um dos antagonistas do vindouro Homem-Aranha 4, é preciso lembrar que se trata de uma produção Sony, o que naturalmente complica as coisas do ponto de vista burocrático.

De qualquer forma, eu gosto da ideia de direcionar esforços para o Fisk. Isso vai permitir produções com uma escala bem menor, menos megalomaníaca e épica, acontecendo em seu próprio canto do MCU – sem precisar usar a porra do Kang como muleta. Exatamente como aconteceu com os Guardiões da Galáxia, cuja trilogia tem lá suas menções ao malvadão roxo do queiro enrugado, mas que funciona tranquilamente SEM que ele sequer exista. Quando os Guardiões participam de OUTROS filmes, aí a história é BEM OUTRA.

Por mais Eco. E por mais Rei do Crime.
Mas com parcimônia, por favor.