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Alanis e uma pequena pílula difícil de engolir

Só dava ela: em todas as rádios, na MTV, nos festivais de rock, casas noturnas. Foi um rolo compressor. Se houve uma cantora que brilhou nos anos 1990, foi Alanis Morissette


Por GABRIELA FRANCO

Você sabe que está ficando velha quando um dos principais álbuns de vocal feminino dos anos 1990 faz quase TRINTA anos e você já estava trabalhando com jornalismo musical na época e pegou todo o frisson de seu lançamento. É o meu caso. Jagged Little Pill, da Alanis Morissette, completou vinte e oito anos. o_O

O álbum, cujo título quer dizer algo como: “pequena pílula espinhosa”, é o terceiro disco da cantora, mas o primeiro lançado internacionalmente. Sua estreia data de Junho de 1995 e logo de cara a belezinha já emplacou 5 faixas nas paradas (convenhamos, isso é música pra caralho, quase metade do disco) e vendeu mais de 30 milhões de cópias no mundo, entrando no ranking de álbuns mais vendidos do globo terrestre.

É nele que estão os mega hits “You Oughta Know”, “You Learn”, “Hand in My Pocket” e “Ironic”, que você cansou de ouvir e cantar em karaokês nessa vida.

E justamente agora, 12 anos desde sua última passagem por aqui e mais de 60 milhões de discos vendidos depois, Alanis retorna ao Brasil justamente com a turnê de celebração deste disco, que começou em 2020. A apresentação, única, será no dia 14 de novembro, a partir das 21h, no Allianz Parque (Av. Francisco Matarazzo, 1705), em São Paulo.

Quem é ela?

Alanis Nadine Morissette sempre foi um gênio da música, precoce na composição musical e nas letras, estilo Björk, que também ingressou pelo mesmo caminho de superstar infantil. Canadense de Ottawa, começou cedo no piano e violão. Era presença quase constante em programas de TV infantil e apresentação de talentos. Ficou famosa localmente e era frequentemente convocada a cantar o hino do Canadá em eventos esportivos, principalmente em campeonatos nacionais de hóquei. Ou seja, era bem conhecida e queridinha no país da polícia montada e do Maple Syrup.

Ok, e do Rush. 😉

Formou-se no conservatório musical durante a adolescência, lançando seu primeiro disco, Alanis, aos 17 anos, logo assinando contrato com gravadoras locais, o que fez com que seu trabalho chegasse até os ouvidos de Scott Welsh, executivo da indústria musical americana, que ficou totalmente encantado com a voz da moça.

A virada em sua carreira se deu quando Morissette resolveu mudar-se para Los Angeles, onde foi providencialmente apresentada ao produtor Glenn Ballard, o grande cérebro por trás da produção musical do disco e seu parceiro de trabalho constante por muito tempo.

No mesmo dia em que se conheceram, Alanis e Ballard já compuseram uma canção, chamada “The Bottom Line”, que nunca entrou em disco algum, mas alguns de seus trechos foram aproveitados em “All I Really Want”, faixa de abertura do disco.

Morissette-Ballard eram uma fábrica de hits. Um encontro no estilo grandes duplas da música. Escreviam canções inteiras em cerca de trinta minutos, gravavam demos e BAM, passavam para a próxima. Tanto que todas as versões do álbum são baseadas diretamente nas demos, com pouquíssimas mudanças. Foi um processo muito instintivo, sem muita enrolação e discussão sobre como deveriam soar as músicas. A melodia vinha, eles colocavam letras, gravavam, em um processo intenso e altamente criativo, como se uma entidade tivesse se apossado de ambos. Em entrevistas, os dois declaravam constantemente que gravar Jagged Little Pill foi como tentar “engarrafar relâmpagos”.

Apesar de tanta genialidade, o caminho para o sucesso não foi tão fácil. Depois de pronto, ambos tiveram bastante dificuldade em emplacar “Jagged Little Pill” em uma gravadora. Estavam quase desistindo quando simplesmente Guy Oseary, o homem que “fez” a Madonna ser o que é, da Maverick Records (gravadora fundada por Madonna, BTW), ouviu uma demo e resolveu bancar a aposta.

Sobre o disco

“Jagged Little Pill” é delicioso. Tem franca inspiração na música de raiz norte-americana, com muito folk, muitas cordas de aço, muito dedilhado, muita gaita, muita caixa e prato de bateria aparente. Mas também não nega seu lado roqueiro com overdrives nas guitarras, baixos proeminentes e vocais gritados.

Aliás, o vocal de Alanis é um assunto à parte. Ela tem um registro mezzo-soprano, comum entre cantoras pop, mas é bem volumosa, preenche os espaços, se dá bem tanto em agudo quanto em graves. E sim, ela faz “aquilo” com a voz, no final das frases cantadas, uma espécie de “mudança de registro” um trêmulo, que acabou virando uma marca registrada, tanto dela quanto de Dolores O’Riordan, do Cranberries.

Glenn Ballard, ao contrário do que acontece com a maioria dos produtores, motivava Alanis a escrever sobre o que quisesse, tanto que suas letras são extremamente agressivas, sarcásticas, ácidas e autobiográficas.

Ela deu voz a muitas angústias, escancarou a alma feminina em letras ressentidas, baladas românticas, respostas ao modo de vida americano, fez elogios à amizade verdadeira, criticou o modelo de perfeição imposto à mulher pela sociedade e o modo como são tratadas de um modo geral, cutucou religiões e filosofou sobre a brevidade da vida, tudo isso em um único disco. Ufa.

Nunca me esqueci a primeira vez que ouvi “Not the Doctor” (não querendo diminuir a força de “You Oughta Know”, mas essa todo mundo cita), uma homenagem àquele parceiro sem noção que te confunde com a mãe dele:

I don’t want to be the filler if the void is solely yours
I don’t want to be your glass of single malt whiskey
Hidden in the bottom drawer
I don’t want to be a bandage if the wound is not mine
Lend me some fresh air
I don’t want to be adored for what I merely represent to you
I don’t want to be your babysitter
You’re a very big boy now
I don’t want to be your mother
I didn’t carry you in my womb for nine months
Show me the back door


Genial.

Enfim, ela pode estar quietinha agora, mas Alanis é considerada uma das mulheres mais influentes da música, acumula uma série de prêmios e discos de ouro, já desde muito nova, incluindo 13 Juno e 10 Grammy.

Ela é mega-foda e está numa vibe reclusa por querer se dedicar à família, já que virou mãe e isso mexeu com ela. Mas esperamos que volte logo, possivelmente com uma visão diferente do mundo, um pouco como a que pode ser vista (e ouvida) em “Guardian”, canção de “Havoc and Bright Lights”, seu disco de 2012 na qual fala a respeito de um “alguém especial que deve ser protegido” (claramente dedicada ao filhote Ever) . E para alguém que já foi Deus no cinema, ela assume o papel de um “mero” anjo no videoclipe de “Guardian” – mas que tem uma missão bem mais especial desta vez… <3

Desdobramentos

Em 2018, “Jagged Little Pill” virou um musical – que acabou tendo a carreira interrompida inicialmente assim que pintou na Broadway, em 2019, porque poucos meses depois, teve uma tal de pandemia no meio do caminho. A produção, dirigida por Diane Paulus e com roteiro de Diablo Cody, voltaria à força em 2021.

Além das canções do disco original, o musical incluiu também outras músicas do catálogo de Alanis, como “Thank U”, “That I Would Be Good”, e “So Pure” (de “Supposed Former Infatuation Junkie”); “So Unsexy” e “Hands Clean” (de “Under Rug Swept”); “Unprodigal Daughter” (de “Feast on Scraps”); “No” (da edição japonesa de “Havoc and Bright Lights”); e “Uninvited”, da trilha sonora do filme “Cidade dos Anjos”. A cantora também escreveu duas faixas inéditas para o musical, “Predator” e “Smiling” – esta última, depois incluída no disco “Such Pretty Forks in the Road”, de 2020.

Analisando o disco “Jagged Little Pill” tanto tempo depois, a cantora afirma que ainda sente como se estivesse naqueles dias iniciais. “O que aconteceu na época é que eu estava passando por uma transição, depois de trabalhar com Leslie Howe. E eu estava cercada de pessoas que estavam mais preocupadas em criar uma imagem ou uma persona, enquanto eu apenas dizia pra mim mesma: não vou parar até escrever um disco que me ajude a expressar de verdade quem eu sou como ser humano”.

You did it. 🙂

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Comments
  • Carol

    Alguém que conhece e é fã da Alanis escrevendo sobre a brilhante carreira dela, OBRIGADA! Amei o texto, Gabi. Ansiosa pelo show! Mt saudades de cantar junto com ela!

    14 de setembro de 2023

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