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Vigilante: justiceiro sombrio que virou queridinho

Ele se popularizou nos gibis como uma espécie de Frank Castle da DC – mas com a sua participação hilária na série do Pacificador, o sujeito ganhou outra divertida roupagem

Por THIAGO CARDIM

Entre os personagens mais fascinantes da série do Pacificador (e, acreditem, são muitos, hahahaha) dá pra dizer que nenhum desperta um misto de curiosidade e desconforto maior do que Adrian Chase, o Vigilante. O sujeito, que nutre uma amizade quase obsessiva pelo protagonista da série, transita entre herói e psicopata, parceiro e antagonista, sombra e reflexo do próprio Christopher Smith.

E como se trata, DE LONGE, do personagem favorito deste que vos escreve e vos edita, pois então resolvemos contar um pouco mais a respeito dele. Quem é esse personagem nos quadrinhos? Quais versões já existiram, e como ele chegou à adaptação da série da HBO Max? Colem com a gente pra mergulhar um pouco mais fundo nessa figura minimamente complexa.

Origem nos quadrinhos: quando e por quem foi criado o Vigilante?

Talvez isso te surpreenda, mas o codinome Vigilante não pertence originalmente a Adrian Chase: na real, ele faz parte de uma linhagem de portadores da alcunha dentro da DC. A identidade “Vigilante” foi usada pela primeira vez por Greg Saunders, personagem de faroeste que estreou em Action Comics #42 (novembro de 1941). Sim, sim, a criação da dupla Mort Weisinger e Mort Meskin deu a cara rigorosamente na mesma revista na qual surgiu o Superman!

Neto de um combatente nativo americano e filho de um xerife do Wyoming, Saunders, ainda jovem, mudou-se para o leste, para Nova York, e tornou-se cantor country. Mas acabou retornando para casa após a morte do pai, levando à justiça a gangue de bandidos que o matou. O herói fez parte dos chamados Sete Soldados da Vitória, um dos primeiros grupos de super-heróis, sendo inclusive “revivido” durante a Era de Bronze – quando o time foi reincorporado à cronologia oficial da DC nas páginas do gibi da Liga da Justiça. Chegou, obviamente, a aparecer até mesmo na popular “metassérie” da lendária equipe de heróis escrita por Grant Morrison entre os anos de 2005 e 2006.

Já Adrian Chase em si foi criado por Marv Wolfman e George Pérez, aparecendo pela primeira vez em sua identidade civil em The New Teen Titans #23 (1982) e estreando como Vigilante em The New Teen Titans Annual #2 (1983). A ideia de Chase como vigilante nasce de seu descontentamento com o sistema jurídico: ele era promotor público e, ao ver que os criminosos escapavam por falhas legais, resolve assumir a justiça com as próprias mãos. Se você tem idade o suficiente para se lembrar do juiz Nicholas Marshall, faça o favor de deixar um comentário no final do texto. 😀

Maaaaaaaaaaaaas… é apenas um entre vários que carregaram esse nome nos gibis da DC. Tivemos, por exemplo, Alan Welles, juiz e amigo de Chase que assume a identidade clandestinamente, adotando métodos extremamente violentos. Ou então Dave Winston, ex-assessor de Chase, que assume o manto após os eventos envolvendo Welles, tentando manter a reputação do Vigilante de forma menos letal.

Passamos também por Patricia Trayce, uma policial de Gotham que encontra o equipamento de Chase e se torna Vigilante em suas próprias histórias. Ou pela dupla Justin Powell e Dorian Chase, versões mais recentes e menos usuais do maluco, incluindo variantes de continuidade.

Dá pra ver, portanto, que a cronologia do matador mascarado só não é mais complicada do que a do casal Gavião, hahahahaha

A trajetória sombria de Adrian Chase nos quadrinhos

Mas quando a gente diz que o arco de Adrian Chase / Vigilante é bastante trágico e lembra, mas é claro, a história de perda e vingança do Justiceiro da Marvel Comics, não é exagero.

Na versão mais “aceita” de sua história (porque, vamos lá, muitas Crises, Novos 52, Renascimento, tem remake e reboot pra todos os gostos), após ser promotor, ele se torna Vigilante depois que sua esposa, Doris, e seus filhos são mortos pela máfia liderada por Scarapelli. Sua origem inclui AINDA uma jornada espiritual: Chase afirma ter sido levado por uma figura misteriosa a um deserto, onde convivem três “espíritos de vítimas” (Bloody Knee, Chaka e Chastity). Ele passa por provações morais e físicas antes de emergir com novas habilidades e determinação como vigilante (com e sem V em caixa alta).

O camarada é um excelente combatente corpo a corpo e um atirador brilhante, além de também possuir a capacidade de se curar rapidamente e regenerar seu corpo de ferimentos tão graves quanto facadas ou ferimentos de bala… embora seja capaz de morrer se os ferimentos forem graves o suficiente.

Nos primeiros momentos como Vigilante, ele tenta não matar seus alvos, usando armas não letais, tentando preservar uma linha ética, apesar de conviver com uma certa tensão interna. Em certo ponto, ele abandona a missao, acreditando que como juiz poderia agir melhor dentro da lei. Durante sua ausência, Welles e Winston assumem a identidade sem seu conhecimento.

Welles viria a matar um policial, o que força Chase a confrontá-lo e matá-lo (um momento que aprofunda sua culpa e instabilidade). Winston, por sua vez, morre em confrontos relacionados ao Vigilante e ao Pacificador. Isso reacende Chase como Vigilante, mas alterado: ele se torna mais brutal, lento e sem remorso, cada vez mais conturbado mentalmente.

Em uma reviravolta dramática, ele é desmascarado ao vivo na televisão, o que destrói qualquer anonimato remanescente. A culpa crescente e a instabilidade psicológica levam Chase ao suicídio no final da sua série (nº 50, em 1988). Mas mesmo após sua morte, Chase aparece no crossover Dia do Julgamento, entre outros eventos.

Nas cronologias mais modernas, Adrian Chase continua sendo assassinado em sua trajetória original: ele surge como juiz e vigilante, tendo um destino fatal consolidado em várias continuidades.

A versão atual mais ativa até hoje é Donald Fairchild, introduzido no reboot Vigilante: Southland (2016) como um Vigilante ambientado em Los Angeles. Donald é um ex-jogador profissional de basquete que se transforma no anti-herói para combater o crime e a corrupção em seu bairro após a morte de sua namorada. Mas, adicionalmente, em universos alternativos e em eventos de crossover, Dorian Chase (irmão de Adrian em alguma continuidade) também se conecta à persona.

Vigilante no Brasil

Não, nunca tivemos um Vigilante brasileiro – quer dizer, a não ser que você considere… ah, deixa pra lá. Tamos falando neste ponto é sobre o histórico de publicação do personagem por aqui, em especial Adrian Chase, a versão mais clássica (e, graças à série, agora também mais famosa) do personagem.

Os cinco últimos números de sua revista mensal, que lá nos EUA durou 50 edições, foram compilados por aqui num especial da editora Abril, apropriadamente batizado de “A Morte do Vigilante” e publicado em abril de 1991.Já os três primeiros números tiveram uma chance no gibi “Superamigos”, ali de 1987, enquanto uma história adicional acabou caindo num mix do Batman, no mesmo ano, sem continuidade na sequência.

Mas a sua origem, pelo menos, acabou sendo devidamente retratada nos quadrinhos dos Novos Titãs, também ali por volta de 1986 – ganhado espaço recente nos encadernados “Lendas do Universo DC: Os Novos Titãs”, aquela coleção lá de 2021. Pros interessados, é só escolher aqui. <3

Um outro Adrian Chase…

Se você, como eu, é um defensor daquele novelão de super-herói que atendia pelo nome de Arrowverse, talvez já tenha ouvido o nome Adrian Chase sendo mencionado em versão live-action antes do Pacificador sonhar em existir.Na quinta temporada da série Arrow, aquela do próprio Arqueiro Verde (e que eu, particularmente, considero a mais interessante de toda esta encarnação de Oliver Queen), quando pinta um promotor público chamado Adrian Chase (vivido pelo ator Josh Segarra) e, por consequência, uma versão do Vigilante nas ruas de Star City, digamos que todo mundo já ligou lé com cré e adivinhou o que vinha pela frente.

Ou quase isso. 😀

A grande graça é que a série pega de surpresa os fãs de gibis, que achavam que sabiam o que aconteceria, e mostra que o Vigilante é na verdade um mano de nome Vincent Sobel, que simplesmente não existe nas HQs. E quanto ao Chase? Ele se torna o alter ego do vilão Prometheus, de longe a mais cruel e duradora dor de cabeça para a vida de Oliver Queen desde que encarou o Exterminador lá na 2ª temporada…

Mas aí é outra história. 😉

Vigilante e Pacificador, Pacificador e Vigilante

Nos quadrinhos, Vigilante e Pacificador têm um relacionamento marcado por conflito e instabilidade. Em um dos momentos cruciais da narrativa de Chase, Vigilante acredita que o Pacificador é uma ameaça, e seu ódio pessoal cresce. Ele acaba enfrentando o homem do capacete pessoalmente, no mano a mano, chegando a ser derrotado e desmascarado.

Em particular durante sua série própria, Chase fica obcecado com a figura de Smith, que em algum momento aparece e confronta Chase. Essa tensão entre eles – um justiceiro que vai à beira da insanidade e outro que acredita na paz a qualquer custo (mesmo) – é um terreno fértil para adaptações dramáticas.

No entanto, lembremos que, nos quadrinhos, Adrian Chase é um homem metódico, movido por culpa, remorso e dualidade. Ele tenta manter um código moral, mas vai se transgredindo aos poucos, afundando em loucura e violência extrema. Sua trajetória termina em tragédia pessoal.

Já na série do Pacificador, o Vigilante interpretado por Freddie Stroma é reimaginado: ele tem traços sociopatas, diálogos rápidos, humor politicamente incorreto intenso, obsessão por justiça à sua maneira muito particular, e certa instabilidade mental visível desde o início. Ele surge como parceiro obsessivo de Pacificador, mas claramente temos um cara vulnerável emocionalmente, que busca aprovação dos amigos a qualquer custo, tem hobbies duvidosos e ainda mora no porão da casa dos pais.

Na primeira temporada, Adrian Chase/Vigilante aparece como um homem que idolatra o Pacificador, mas que age sempre com comportamentos instáveis, sendo disposto a eliminar criminosos sem piedade – o que gera tensão entre ele e Smith. Ele tem um arco de redenção, traição e revelação de sua própria obsessão.

Na segunda temporada, sua dinâmica com o Pacificador se aprofunda: ele se mostra ainda mais caricato, non-sense, digno de diferentes “momentos vergonha alheia” mas que, ali pro final da nova leva de episódios, revela inclusive seu lado mais emocional e, por que não dizer, emocionado.

Além disso, há uma edição recente de quadrinhos chamada Peacemaker Presents: The Vigilante/Eagly Double Feature! (que você compra aqui, em formato Kindle) com histórias que se passam entre a primeira e a segunda temporadas da série e inclui até páginas de diário escritas por Freddie Stroma como Vigilante.

Por falar em Stroma…

Freddie Stroma (nascido como Freddie Stroma Simpson) é um ator britânico que se tornou mais conhecido internacionalmente por sua participação em Bridgerton como príncipe Friedrich. Mas os potterheads imediatamente lembraram dele por sua interpretação em O Enigma do Príncipe e nos dois últimos filmes da saga escrita pela maldita transfóbica, As Relíquias da Morte, como o bruxo Cormac McLaggen

Em 2021, ele foi confirmado como o Vigilante na série Pacificador, substituindo Chris Conrad, que deixou a produção por divergências criativas. Stroma já falou que foi atraído pelo personagem graças ao contraste entre sua psicose e seu senso de humor, digamos assim, peculiar. Ele admite que interpretar um vilão/anti-herói com camadas emocionais riquíssimas era um desafio atraente.

Em uma recente declaração, ele expressou preocupação com a recepção de novos fãs mais jovens, dada a natureza intensa e “R-rated” da série, mas também vê a exposição como uma oportunidade de expandir a visibilidade do personagem.

Tanto é que estamos aqui, escrevendo este texto. 😀

Se você quiser saber mais sobre a versão HQ do anti-herói Vigilante, a edição de estreia do personagem sai de graça pra quem tem Kindle Unlimited, lá na loja do careca arrombado.