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Malvada e o coquetel roqueiro surgido em plena pandemia

Batemos um papo com a banda autoral que canta totalmente em português, pronta pra escancarar uma porta aberta e inspirar outras gerações de minas

Por THIAGO CARDIM

No final de 2020, a audiência do programa The Voice Brasil foi apresentada a uma cantora paranaense que botou fogo durante sua passagem pela atração, interpretando canções de bandas como Guns n’ Roses, Foo Fighters e Van Halen – naturalmente incomuns no repertório por lá, é bom que se diga.

Tão egressa de Pato Branco quanto a Bozena de Toma Lá Dá Cá, Angel Sberse entregou tanto em suas performances que chegou até a cair do palco, o que a fez levar sete pontos no joelho. Apesar de eliminada na Rodada de Fogo, ela não se acomodou – muito pelo contrário. Antes mesmo de entrar no programa, ela já tinha dado início a um projeto autoral, uma banda com canções próprias todas cantadas em português. E só com mulheres na formação. Nascia a Malvada.

“Meu primeiro palco foi aos 11 anos e a primeira banda de rock aos 18, este é o meu terceiro trabalho autoral”, conta Angel, em uma conversa exclusiva com o Gibizilla. Cantora e compositora, a vocalista ainda toca violão, percussão, um pouco de gaita de boca e teclado e agora está estudando bateria. Trazido pelo pai, que tinha dupla sertaneja, pra São Paulo, na capital paulistana ela foi moldando sua identidade musical. “Toco na noite há 20 anos e já tive diversas bandas de covers e duos acústicos”. Mas este NOVO projeto surgiu quando Angel foi apresentada, por um amigo em comum, à guitarrista Bruna Tsuruda.

A gênese das Malvadas

Nascida em São Paulo, Bruna se interessa por música desde cedo, tocando por influência do pai, com quem aprendeu os primeiros acordes. Grudada na guitarra desde os 14 anos, foi autodidata durante muito tempo – mas não tinha embarcado em nenhum projeto de músicas próprias até então. As únicas experiências eram com covers. Com a Angel, percebeu um monte de interesses em comum e aí ambas resolveram então montar juntas este combo só de minas pra fazer rock n’ roll com atitude e assinatura.

Depois de muito procurar, elas chegariam ao time ideal, a ser completado pela baterista Juliana Salgado e pela baixista Marina “Ma” Langer.

Natural de Belém do Pará, a Juliana faz pós-graduação em educação musical aqui em São Paulo. “Vim para São Paulo há pouco mais de dois anos, então a maioria da minha história na música ocorreu em Belém mesmo, cidade em que construí minha maturidade musical. Lá, eu tive muitas bandas desde o início da minha carreira, entre covers e autoral”, explica ela. Já a Ma, apesar de ter começado a tocar baixo aos 12 anos, quando se apaixonou por Fear of the Dark, do Iron Maiden, é formada em Engenharia Ambiental e Sanitária, pós-graduada em Engenharia de Infraestrutura Urbana e com MBA em Gestão de Negócios. Mas o currículo não a impediu, nunca, de se dedicar à paixão musical. Com a banda Self Destruct Metallica Tribute, começou a se destacar no cenário roqueiro da capital. Elas todas se conheceram e tudo se encaixou.

Mas quando a gente usa o verbo “conhecer”, é bom deixar claro – até aquele momento, não pessoalmente. A pandemia fez tudo rodar à distância. Mas mesmo assim, rodou lindamente.

A gestação de um álbum na pandemia

“Foi um desafio e tanto”, admitem as quatro, em uníssono, quando questionadas sobre como foi compor e gravar sem se encontrar para trocar aquelas figurinhas frequentes que uma banda obviamente precisa em estúdio. “A pandemia foi um divisor de águas na vida de todo mundo, mas principalmente na dos músicos. Como nossa banda foi formada durante a quarentena, demoramos pelo menos 2 meses para nos vermos pessoalmente”, explicam as integrantes.

Antes disso, elas mandaram todas as gravações de ideias de música pelo WhatsApp mesmo e, via comunicador instantâneo, conversaram sobre as composições. “O primeiro ensaio foi somente para selar as músicas, e o próximo encontro já foi direto para a gravação dos singles Mais um Gole e Cada Escolha uma Renúncia”. Elas passaram o ano de 2020 praticamente assim, se vendo poucas vezes apenas para ensaios pontuais. “Em 2021, intensificamos um pouco os encontros por conta dos compromissos (shows e disco), fazíamos 50% das ideias de música à distância e 50% presencial. Assim tentamos levar e seguimos até hoje, enquanto tudo não volta ao normal”.

Mesmo assim, a conexão fez nascer A Noite Vai Ferver, o primeiro disco do grupo.

E a noite ferveu

As quatro fazem questão de ressaltar que têm um gosto musical muito parecido – mas listar as bandas favoritas, que possam servir como as referências musicais da Malvada, gera uma lista bastante eclética, que varia de medalhões como Deep Purple, Led Zeppelin, Black Sabbath, Whitesnake e AC/DC, porradarias clássicas como Megadeth e Metallica e também sonoridades mais contemporâneas como Linkin Park, Bring Me the Horizon, Stone Sour, Sevendust, Ego Kill Talent, Trivium…

Por isso mesmo, elas dizem que é complicado definir um estilo. “Vamos deixar para o público dizer isso, pois nos consideramos uma banda de rock que mescla influências desde o clássico, passando pelo grunge indo até o mais moderno e pesado”. O disco todo, e aí nós aqui concordamos, é bem pra cima, positivo, cheio de energia, poderoso. “Todos vão se identificar de alguma forma tanto com as músicas quanto com as letras”.

Sem qualquer receio de aproveitar a visibilidade que a Angel teve na ainda imensamente popular TV aberta (“O nome da banda foi divulgado e tivemos muita visibilidade com isso. Foi ótimo! Toda oportunidade de aparecer no mainstream deve ser aproveitada”), elas querem tentar romper a bolha, fora do nicho roqueiro. Justamente por isso, para evitar que fiquem restritas apenas ao público headbanger (aka “metaleiro”, rs), elas resolveram tocar na nossa língua natal.

“Simplesmente não existe nenhuma banda no cenário nacional que seja formada só por mulheres e que ainda canta em português”, afirmam. “Nós acreditamos que é possível, enxergamos como uma oportunidade de refazer a cena do rock nacional”. E ainda completam: “Queremos conquistar todo o Brasil”.

A hora e a vez das minas

Estamos vivendo um cenário extremamente produtivo para bandas de rock formadas só por mulheres aqui no Brasil, em especial com nomes como Nervosa e Crypta. Isso é fato. Portanto, finalmente esta porta se abriu e não tem mais volta? “Com toda certeza! (…) E nós também,sentimos a responsabilidade de manter esse legado no qual as bandas de mulheres sejam normalizadas. Durante a história sempre houve bandas formadas só por homens, por que não podem ser só mulheres, não é mesmo?”. Mas com toda a certeza. A Malvada, do seu lado, também quer inspirar muitas outras meninas/mulheres a fazerem seus trabalhos autorais. “Principalmente se for rock, rs. Se depender da gente, não tem mais volta”.

E sem medo algum deste nicho que pode ser (e, bom, é mesmo) machista pra diabo. “Somos uma banda de mulheres totalmente independentes em estilo, espírito, essência e todo o resto. Vamos encarar da mesma forma que encaramos fazer o nosso disco”, declaram em conjunto. “Falamos do que quisermos, vestimos a roupa que queremos, e não nos importamos com julgamentos alheios. Nosso trabalho autoral tem qualidade suficiente e confiamos na nossa competência. Acreditamos que o nosso som é suficiente para quebrar quaisquer paradigmas que ainda existem na sociedade brasileira”.

Escuta aí!

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