Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.
Adão Negro

Adão Negro: uma divertida farofa em três atos

O tão aguardado e adiado filme baseado no anti-herói da DC, com Dwayne “The Rock” Johnson no papel principal, enfim saiu e… olha, Adão Negro não tá tão errado não, viu?

Por THIAGO CARDIM

O ano era 2014. Depois de muito zumzumzum nos bastidores, finalmente se confirmou que Dwayne “The Rock” Johnson se juntaria ao universo cinematográfico da DC como o Adão Negro. O anúncio aconteceu antes de Batman vs Superman, antes do filme da Liga da Justiça virar realidade, antes de sequer existir um #SnyderVerse de fato. Mas eis que, OITO ANOS depois, quando a gente nem sabe se existe mais um universo coeso e interligado da DC nos cinemas, eis que o filme do Adão Negro chega aos cinemas.

“O filme vai mudar o equilíbrio de poder do DCEU”, vinha martelando sem parar o marketeiro The Rock a respeito dos poderes do Adão Negro e, claro, do status da produção. Pois depois que pudemos assistir ao filme, veja, é bom que se diga que não só não muda nada como também não tinha, de fato, nada pra mudar. Porém… Confesso que discordo radicalmente de parte dos meus coleguinhas jornalistas, principalmente daqueles especializados em cultura pop, que saíram numa verdadeira fúria desmedida contra a produção.

E para explicar os motivos pelos quais, no frigir dos ovos, eu gostei deste diabo de filme, farei uma resenha em três atos. Que, pra facilitar a vida de quem não faz ideia de quem é o personagem (já que, afinal, o mundo não é feito só de leitores fanáticos de quadrinhos), será precedida por um prelúdio.

Adão Negro
Adão Negro

Prelúdio – Quem diabos é o Adão Negro?

Pra te explicar de quem se trata, vou recorrer a um combo de textos que fizemos (eu, Borbs e Renan) lá no JUDÃO.com.br, justamente quando foi confirmado que The Rock encarnaria o Adão Negro.  Além de não ser, de fato, um herói, o Adão Negro não é originalmente nem personagem da DC. Na verdade, tudo começou lá na Fawcett Comics. Foi a editora que, durante a Era de Ouro dos Quadrinhos, introduziu o Capitão Marvel (nome original do Shazam), que seguia muito das fórmulas dos super-heróis da época e foi criado por Bill Parker e C.C. Beck em 1940. O herói foi um sucesso quase que instantâneo, levando à criação da Família Marvel, com vários personagens com poderes parecidos.

Em 1945, Otto Binder e Beck introduziram uma contraparte maligna pro herói principal em The Marvel Family #1. Tudo começou com Teth-Adam, um egípcio que fora escolhido ainda durante o Egito Antigo pra ser o sucessor do Mago Shazam, recebendo os poderes de divindades GREGAS (algo que depois foi trocado pelas egípcias, POR FAVOR). Com tantos poderes nas mãos, Teth mata o faraó e causa a ira de Shazam, que o batiza de Adão Negro e o bane para um universo distante. Isso até 1945, né, que é quando o Adão volta para enfrentar a Família Marvel. Depois da treta, ele acaba morrendo e esta é a sua ÚNICA aparição na Fawcett.

A editora havia crescido muito naqueles anos e, por causa disso, provocou a ira da DC, que acreditava que o Shazam era uma cópia descarada do Superman. Rolou um processinho e uma enorme briga jurídica. Após o final da Segunda Guerra Mundial, as vendas de gibis caíram, a Fawcett não tinha como bancar esse rolo todo e abriu mão de toda a sua linha de HQs de super-heróis, fazendo com que o Adão Negro, junto com o Capitão Marvel, fosse pro limbo. Foi só em 1972 que a DC licenciou os direitos do personagem, voltando com o herói e também com o vilão – agora revivido por outro antagonista de Billy Batson, o Dr. Silvana. Aí rolaram MUITAS mudanças de origem pra ele entrar no canône da editora, desde a saga Crise nas Infinitas Terras, tornando-se até parte da Sociedade da Justiça em certo ponto, até que ele se tornasse um grande antagonista não só pro Shazam mas como pra todo o Universo DC, alguém com uma visão bem particular de “bem” e “mal”, o que o faz ficar frente à frente dos outros heróis – e até matá-los.

Tá entendido? Pois vamos ao que interessa.

Primeiro Ato – Gosto de filmes que cumprem o que prometem

Para o bem e para o mal, uma coisa é fato: Adão Negro entrega exatamente aquilo que vinha prometendo desde os trailers. Quando digo “para o mal”, é claro, seria SENSACIONAL ser surpreendido com algo ainda melhor, inovador, provocativo, único. Isso realmente não acontece com este filme aqui. Mas todo aquele clima que os vídeos promocionais vendiam, de aventura sem compromissos, de ação sem limites, tudo com uma pitadinha de humor, tá lá, sem tirar nem pôr.

Não é o filme que vai salvar o universo cinematográfico da DC e tampouco a categoria dos filmes de heróis. Ainda é apenas uma história de hominho. Mas do tipo gostosa, com sabor de pipoca com manteiga. Uma trama simples e direta sobre a nação fictícia de Kahndaq, sob o domínio da organização criminosa Intergangue, cuja história de luta é retomada graças à busca por um artefato misterioso, a coroa de Sabbac, e aos mitos envolvendo um campeão superpoderoso que poderia ajudá-los a retomar sua liberdade. O tal campeão, com uma história bem mais complexa do que seu povo imaginaria, é o Adão Negro, claro. Alguém que uma certa Amanda Waller, aquela mesma do Esquadrão Suicida, enxerga como um perigo em potencial e trata de enviar uma equipe de heróis liderada pelo Gavião Negro para conter a ameaça.  Tá aí o básico da trama.

Não é exatamente um “filme de Sessão da Tarde pra toda a família” conforme se dizia do próprio Shazam, na real. Mas, apesar de uma parcela de violência (com algumas cenas am câmera lenta que, OK, meio que já encheram bem o saco), é um filme fácil de entender, sem grandes pretensões épicas para além de sua história autocontida e que sabe lidar com o lado vilanesco do Adão sem exageros e ainda adicionando um belo tempero de coração.

No fim, cá entre nós, é quase como uma versão super-heróica do Escorpião-Rei. Com muito mais The Rock, claro. Entenda isso como quiser (até porque, se você odiou Escorpião-Rei, bom…).

Senhor Destino no filme do Adão Negro
Senhor Destino no filme do Adão Negro

Segundo Ato – Digam o que quiserem, o carisma de The Rock é um personagem por si só

O grande segredo de Adão Negro, aquele que nos faz passar um belo e agradável paninho para algumas reviravoltas rocambolescas do roteiro, reside no imenso carisma de Dwayne Johnson. Sabemos bem que ele está, digamos, longe de ser um ator de imensas habilidades dramáticas. Mas compensa sua imensa canastrice – que chega a ser divertida – com uma presença de tela e um domínio em cena que poucos intérpretes nesta categoria mais pop têm hoje em dia. Já era de se esperar que o seu Adão Negro, apesar de anti-herói, não fosse tão implacável e violento como dos gibis. Tamos falando de um cara que, apesar de egocêntrico e até um tantinho cínico, está apenas tentando encontrar o seu lugar no mundo depois de se deparar com uma sociedade ainda em convulsão depois de cinco mil anos.

A cada sorriso sarcástico, a cada tirada de tiozão, The Rock rouba a cena. Mesmo quando colocado pra trocar sopapos com um vilão demoníaco bastante genérico (e que aparece aos 45 minutos do segundo tempo, pra mostrar que, sim, o Adão e a Sociedade da Justiça só tiveram uma daquelas brigas típicas de gibi pra depois se unir contra um mal maior), ele brilha lindamente.

Mas é preciso ser justo e reforçar que ele não é a única ótima sacada em termos de elenco. O relacionamento entre o Gavião Negro (Aldis Hodge, lindo e cheio de classe) e seu amigo de longa data, o mago Senhor Destino (Pierce Brosnan, veterano notadamente se divertindo com toda a cacofonia) ocupa um espaço considerável na história e pode, inclusive, pavimentar próximos passos interessantes para novos desdobramentos da DC nas telonas.

Além disso, dois personagens humanos dão um colorido ainda mais bacana para o que se passa ao redor do Adão – o garoto adolescente Amon (Bodhi Sabongui), leitor de gibis e fã de super-heróis, cria uma conexão até fofa com o grandalhão semideus, despertando a esperança no Adão em algumas das cenas mais tocantes da película. A outra é sua mãe, Adrianna (Sarah Shahi), que luta pela revolução e ainda mete o dedo na cara do Gavião Negro (mais sobre isso depois), trazendo o protagonista de vez pra realidade.

Importante, no entanto, reforçar aqui um lembrete da nossa Gabi Franco – “uma coisa que me incomodou em Adão Negro foi o papel de ‘grilo falante’ de Adrianna. Por que diabos a mulher TEM QUE SER A MÃE DO ROLÊ com um monte de macho? Aconteceu A MESMÍSSIMA COISA com a Mulher-Maravilha em Liga da Justiça, dizendo ‘ain eu trabalho com um bando de crianças’ e com a mulher do Daniel LaRusso em Cobra Kai… porra, a mulher NÃO TEM que ser a sensata, adulta, a responsável do rolê, não. QUE SACO”.

Recado dado.

Gavião Negro no filme do Adão Negro
Gavião Negro no filme do Adão Negro

Terceiro ato – Um filme “sem lacração”? Ah, tá. Sei.

Um “grande” YouTuber do mundinho nerd, aquele mesmo cujo nome você já deve estar imaginando, disse que gostou de Adão Negro porque é só ação e sem “lacração”. Quando a pessoa usa o termo “lacração”, na verdade, eu já tendo a achar que ela é um total e completo imbecil, por definição. Mas se o sujeito aí entende, e eu acredito que sim, qualquer discussão minimamente “social” como “lacração”, pois, veja você, mais uma vez este fulano deve ter assistido outro filme que não o mesmo que eu. 😉

Se tem uma parada que eu gosto em filmes, séries e gibis com super-heróis é ver aquilo que vai ALÉM dos heróis. É entender mais do que o resultado da porradaria entre eles (que pode ser bem divertida, leia-se), mas sim o impacto que a presença de pessoas com superpoderes poderia ter na vida de gente normal, gente comum, gente como eu e você.

Em Adão Negro, Kahndaq é um pequeno país do Oriente Médio que poderia tranquilamente ser qualquer nação que vemos (ou, em alguns casos, não vemos…) nos noticiários, vivendo uma situação de opressão, com uma população empobrecida e subjugada. E quando o guerreiro de outrora se ergue, é óbvio que a população passa novamente a sonhar com sua liberdade e o apoia incondicionalmente, ainda que seus métodos sejam questionáveis. Quando a Sociedade da Justiça chega querendo botar banca, é evidente que eles ouvem “onde vocês estiveram este tempo todo em que a Intergangue esteve aqui?”. Acho até que ESTE lado tinha potencial para ser muito mais explorado, aliás. Porque, num universo com Batman, Superman, Mulher-Maravilha, tá lá apenas um único exemplo de um povo inteiro sendo sumariamente ignorado em seus pedidos de socorro enquanto os vigilantes mascarados se focam basicamente em salvar os EUA.

Ok, vamos ser honestos aqui, Adão Negro é só um filme de ação blockbuster norte-americano e tá longe de ser um tratado ou estudo político e social. Isso tá claro, não vamos exagerar. Mas digamos que toda a discussão que se segue (incluindo a que vemos assim que ele se senta no trono, emulando uma cena clássica dos gibis mas gerando um resultado BEM diferente daquele das páginas originais – e ainda bem!) é BEM interessante, a ponto de eu me pegar dizendo… OLHA, ERRADO ELE NÃO TÁ. Pelo menos, não de todo.

Sabe aquela vibe Erik Killmonger de ser? Pois é.

Se você caiu de paraquedas neste texto e simplesmente não conhece este site e nem este que vos escreve, pode chamar de “comunista”. Juro que vou entender.

Epílogo – Portanto, em resumo…

Tá claro, por uma SÉRIE de fatores, que The Rock quer fazer a DC acontecer nos cinemas de novo, não apenas como protagonista mas também como PRODUTOR. Adão Negro soa como uma espécie de NOVO pontapé inicial. Não tem cara de que deve ter continuação e, vamos lá, nem precisa. Mas o papel no qual aqueles personagens se colocam, a apresentação que é feita para cada um daqueles heróis, dá uma nítida sensação de que aquela pode não ser a última vez que vamos vê-los.

Lá em 2012, John Chu, diretor de G.I. Joe – Retaliação, disse durante a CinemaCon daquele ano que Dwayne “The Rock” Johnson era um “Viagra de Franquias”. O termo faz sentido. “Ele criou uma marca pra si mesmo diferente de todos os astros até então”, explicou o cineasta. “E traz energia para as propriedades que precisam”. Conforme o nosso amigo Leo Vicente Di Sessa, do ótimo Fala, Animal, disse, e a gente apoia e assina embaixo, talvez fosse a hora da Warner pensar em dar um boné pro Rocha e transformá-lo em sua versão particular do Kevin Feige…