Desvendando o multiverso do Avantasia
Prestes a voltar mais uma vez ao Brasil agora em novembro, o projeto de Tobias Sammet reúne uma discografia que é, antes de tudo, uma verdadeira miríade de boas histórias
Por THIAGO CARDIM
O que começou em 2001 como um projeto paralelo de um vocalista de power metal virou uma das narrativas mais ambiciosas da história do gênero. Ao longo de duas décadas, Tobias Sammet (originalmente o vocalista da banda Edguy) construiu um verdadeiro multiverso musical onde cada álbum é uma janela para o inconsciente: fé e razão, dor e redenção, arte e loucura, sonho e realidade.
Mais do que criar “óperas metálicas” à frente do Avantasia, projeto no qual é idealizador, compositor e mestre de cerimônias, ele traduziu dilemas humanos em linguagem mitológica – e fez isso com a ousadia de um cineasta e a emoção de um poeta. De The Metal Opera a Here Be Dragons, o Avantasia é mais uma prova de que o metal pode ser também literatura cantada. Um teatro sonoro onde cada faixa é uma fagulha de imaginação.
Depois de uma apresentação majestosa na edição 2025 do Bangers Open Air, a banda retorna ao Brasil para uma performance na íntegra agora no dia 29 de novembro, para uma única apresentação em solo brasileiro na casa de shows Vibra São Paulo. E pra te ajudar a aquecer os motores, resolvemos desvendar as histórias por trás de cada um dos dez discos do projeto – que criou uma série de álbuns conceituais, com histórias contadas do início ao fim das faixas.
Se liga aqui.
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The Metal Opera (2001): o início do sonho – OUÇA AGORA
Foi em 2001 que Tobias Sammet decidiu tirar do papel um projeto que misturasse heavy metal, ópera e fantasia épica; algo que soava megalomaníaco demais para uma banda convencional. Assim nasceu o Avantasia, cujo nome vem da fusão de “Avalon” e “Fantasia”, e que logo se tornaria uma das maiores sagas conceituais do metal moderno.
O primeiro disco, The Metal Opera, apresenta a base mitológica que guiaria todo o universo de Avantasia: um conto ambientado no século XVI, onde o jovem monge Gabriel Laymann descobre conspirações entre a Igreja e forças demoníacas que tentam controlar o conhecimento humano. Quando Gabriel encontra o elfo Elderane, ele é apresentado ao portal para um mundo paralelo: o próprio Avantasia, um reino que simboliza o imaginário, a liberdade e a espiritualidade.
A história, cheia de metáforas sobre fanatismo religioso e censura do saber, é conduzida por uma constelação de vozes do metal mundial, que provou que o metal podia contar histórias complexas e sensíveis – e que Tobias Sammet estava prestes a construir um universo musical próprio. O sucesso foi tão estrondoso que a sequência viria logo no ano seguinte, completando o primeiro ciclo do Avantasia.
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The Metal Opera Part II (2002): o fim de um ciclo – OUÇA AQUI
Lançado em 2002, The Metal Opera Part II funciona como o fechamento da primeira grande saga do Avantasia. Tobias Sammet retoma a jornada de Gabriel Laymann, o monge que se rebelou contra a Inquisição para libertar mentes e almas. Agora, ele precisa enfrentar as consequências de seus atos – enquanto o mundo dos homens e o reino mágico de Avantasia entram em colapso.
A trama amplia o escopo da narrativa: o fanatismo religioso e o controle político dão lugar a uma reflexão mais existencial sobre fé, livre-arbítrio e sacrifício. Gabriel percebe que a fronteira entre o real e o simbólico é tênue, e que a salvação talvez não esteja nem na fé cega nem na razão absoluta, mas na capacidade humana de imaginar e sonhar.
Com The Metal Opera Part II, o Avantasia encerra sua primeira era – uma duologia que solidificou o nome de Tobias Sammet como um dos maiores contadores de histórias do metal contemporâneo. O que começou como um “projeto de estúdio” se transformou em um universo musical completo, com apresentações ao vivo e tudo mais, onde cada disco seria uma nova peça de um mesmo mosaico fantasioso.
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The Scarecrow (2008): o nascimento do novo herói – OUÇA AQUI
Se os dois Metal Opera foram o prólogo de um universo, The Scarecrow é o primeiro capítulo de uma nova mitologia. O disco inaugura a chamada Wicked Trilogy, expandindo o universo do Avantasia para temas mais psicológicos: culpa, amor, rejeição e redenção. Aqui, Tobias Sammet cria um protagonista sem nome, um anti-herói que encarna a solidão e o isolamento do artista moderno.
A história gira em torno de um homem deformado emocionalmente, rejeitado pela mulher que ama e consumido por dúvidas existenciais. Sentindo-se um pária, ele é tentado por forças sobrenaturais que o transformam no “Espantalho” – metáfora para alguém que perdeu a própria humanidade. A narrativa alterna entre fantasia e introspecção, refletindo sobre como a fama, o ego e a dor moldam a alma.
A metáfora do “Espantalho”, com toques do Fausto de Goethe que vende sua alma ao diabo (aquele mesmo do chirrin chirrion #entendedoresentenderão), seria o fio condutor dos dois discos seguintes, transformando dor pessoal em uma epopeia sobre o autoconhecimento.
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The Wicked Symphony (2010): o caos como música – OUÇA AQUI
Lançado junto com Angel of Babylon, The Wicked Symphony é o segundo ato da trilogia e representa o auge da ambição criativa de Sammet. Aqui, o Espantalho continua sua jornada, agora em busca de redenção, mas ainda atormentado por vozes internas e tentações externas.
É um disco sobre reconstrução, onde o protagonista tenta transformar seu sofrimento em arte, criando uma “sinfonia do caos”.
As letras transitam entre o inferno interior e a ascensão espiritual, sem deixar o peso de lado. No centro da narrativa, o Espantalho percebe que o dom da inspiração é também uma maldição. A música o eleva, mas o isola. Ele inclusive encontra a beira do precipício, real e metaforicamente falando.
Sammet descreveu o álbum como “a luta de um homem com os próprios demônios”, o que torna The Wicked Symphony talvez o trabalho mais humano do Avantasia: grandioso, sim, mas profundamente confessional (muito se fala, principalmente nos bastidores, sobre a figura do Espantalho ser inclusive um tanto autobiográfica).
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Angel of Babylon (2010): a queda e o despertar – OUÇA AQUI
Fechando a trilogia, Angel of Babylon é o momento em que o protagonista encara o fim do ciclo: a glória, a queda e a redenção final. Se The Wicked Symphony é o caos criativo, aqui temos o despertar espiritual. O Espantalho finalmente compreende que o amor e o perdão são as únicas saídas de um mundo movido a vaidade e culpa.
É um fechamento cinematográfico, no qual o herói abandona a persona do Espantalho e encontra paz, aceitando sua dualidade.
Sammet encerra a trilogia reafirmando o tema-chave de todo o Avantasia: a imaginação como fuga e cura, a arte como refúgio da alma.
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The Mystery of Time (2013): o relógio da existência – OUÇA AQUI
Depois de uma pausa de alguns anos, Tobias Sammet ressurgiu com um novo conceito, mais filosófico e menos pessoal, mas igualmente emocional.
The Mystery of Time é o início de uma nova saga: uma reflexão sobre a relação entre fé, ciência e a percepção do tempo. A história acompanha um jovem cientista vitoriano chamado Aaron Blackwell, que tenta conciliar sua crença religiosa com o avanço do racionalismo, em um mundo que passa a medir até mesmo a alma em minutos.
A trama gira em torno de uma sociedade secreta chamada Watchmaker’s Guild (a Guilda dos Relojoeiros), que tenta controlar a humanidade manipulando o tempo e a percepção do livre-arbítrio. É um álbum que discute o determinismo e o conflito entre o espiritual e o mecânico, temas que ecoam tanto em Blade Runner quanto no Fausto que se tornou referência para a Wicked Trilogy.
The Mystery of Time é, em essência, sobre o peso da razão e o preço do controle. Tobias Sammet cria aqui um dos universos mais complexos de sua carreira, unindo introspecção, filosofia e grandiosidade épica.
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Ghostlights (2016): entre a fé e a loucura – OUÇA AQUI
Três anos depois, Ghostlights chega como a continuação direta de The Mystery of Time, expandindo o universo e adicionando camadas sombrias à história. O cientista Aaron Blackwell agora confronta as consequências de suas descobertas: o colapso psicológico diante da percepção de que o tempo é uma ilusão e que a humanidade pode estar aprisionada em um ciclo eterno.
Talvez seja o disco mais teatral e sombrio da discografia do Avantasia, com atmosferas que lembram “O Fantasma da Ópera”, mas sem perder o DNA power metal. Sammet descreveu o álbum como “uma jornada pela mente de um homem assombrado pela própria curiosidade”.
O disco aprofunda o dilema iniciado no anterior: a luta entre o divino e o científico, o medo do desconhecido e a busca por significado em um mundo cada vez mais artificial (oi, IAs, tô falando com vocês, rs).
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Moonglow (2019): o refúgio dos desajustados – OUÇA AQUI
Após duas sagas densas e filosóficas, Moonglow surge como um suspiro: um álbum sobre isolamento, escapismo e aceitação.
Tobias Sammet descreve a obra como “a história de um ser que não se encaixa em nenhum lugar, que foge para o luar para encontrar paz”. É, em essência, uma fábula sobre outsiders e sonhadores: uma espécie de espelho espiritual do próprio Sammet (e que, se você parar pra pensar, pode ser até o outro lado do espelho do Espantalho).
A trama segue um ser sobrenatural (metade humano, metade criatura) que vive escondido em um castelo, observando o mundo sem participar dele. Ao longo das faixas, ele tenta compreender se deve se revelar ao mundo ou continuar nas sombras. O “moonglow” é o brilho da lua que o guia, símbolo de esperança e introspecção.
Moonglow é sobre encontrar beleza na solidão: uma parábola moderna sobre empatia e diferença. Após anos de tramas densas, Tobias entrega aqui seu álbum mais íntimo, sem perder o senso de espetáculo.
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A Paranormal Evening with the Moonflower Society (2022): os fantasmas da criatividade – OUÇA AQUI
Após o lirismo de Moonglow, Tobias Sammet mergulhou ainda mais fundo no lado sombrio da mente criativa. A Paranormal Evening with the Moonflower Society é, segundo o próprio autor, um “conto sobre artistas invisíveis e criaturas da noite – almas que vivem entre mundos, sem jamais pertencer totalmente a um só”.
É, ao mesmo tempo, uma continuação espiritual e uma expansão simbólica do universo de Moonglow.
O álbum apresenta uma galeria de personagens que representam os fantasmas da imaginação: inspirações que sussurram, dúvidas que assombram, musas que aparecem e desaparecem. A “Moonflower Society” é um clube de espíritos e excêntricos, metáfora para os artistas e sonhadores que sobrevivem à margem da normalidade, geralmente no universo noturno.
As letras giram em torno do isolamento criativo (pandemia, lembra?), da pressão por relevância e da convivência com os próprios monstros internos. É um álbum sobre a paranormalidade da arte, o estado entre razão e loucura que todo artista enfrenta. Um tema que Tobias conhece bem e que transforma em poesia sonora.
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Here Be Dragons (2024/2025): navegando rumo ao desconhecido – OUÇA AQUI
Lançado em 2024 na Europa (e chegando ao Brasil em 2025), Here Be Dragons é o primeiro álbum do Avantasia a romper com a estrutura conceitual tradicional — ainda que mantenha a aura narrativa e simbólica. O título vem da inscrição usada em mapas medievais para indicar territórios inexplorados, e é exatamente disso que se trata: a coragem de se aventurar em novos mares criativos.
Aqui, Sammet abandona os personagens fixos e cria uma obra sobre o ato de recomeçar: pessoal, artístico e emocionalmente. Ele mesmo descreveu o disco como “uma carta de amor à incerteza, ao risco e à necessidade de continuar sonhando mesmo quando não há mapa algum à frente”.
Here Be Dragons é também o primeiro disco do Avantasia pós-pandemia, e isso se reflete nas letras. Há um senso de vulnerabilidade, de humanidade à flor da pele. A grandiloquência dá espaço à contemplação. Ainda é fantasia, mas uma fantasia mais madura, onde o herói é o próprio Tobias Sammet e sua relação com a arte.
Se os álbuns anteriores falavam de mundos mágicos, este fala do ato de criar mundos. É uma despedida simbólica de uma era e, talvez, o prenúncio de uma nova fase: mais autêntica e, paradoxalmente, mais real.
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