A história dos muitos Rhapsodys (of Fire)
Seminal banda italiana de power metal já teve não apenas algumas muitas formações, mas também diferentes nomes e grupos variados
Por THIAGO CARDIM
“Rhapsody, Rhapsody of Fire, Luca Turilli’s Rhapsody, Turilli/Lione Rhapsody, Rhapsody with Choir and Orchestra, Rhapsody com limão e gelo, Rhapsody zero lactose, Rhapsody e seus Blue Caps…”.
A piada da Van do Halen, no BlueSky, tem sido expediente padrão pra quem curte a obra da banda italiana. Afinal, eles estavam justamente anunciando mais uma das encarnações do projeto, aqui batizada de Rhapsody with Choir and Orchestra, na qual o vocalista Fabio Lione e o guitarrista Luca Turilli se reencontram outra vez.
Mas afinal de contas… por qual razão existem tantos Rhapsodys e, mais do que isso, por qual razão temos tantos diferentes nomes e formações derivadas?
Calma que este fã declarado do nosso eterno metal espadinha te explica!
Uma história legendária!
Olha só, pode chamar o som dos caras de power metal, power metal sinfônico, epic metal, Hollywood metal ou metal trilha sonora – estes dois últimos nomes, aliás, foram aqueles nos quais o tecladista Alex Staropoli mais insistiu quando tive a chance de conversar com ele, por telefone, para o finado portal AOL Brasil. Lutando contra um inglês com fortíssimo sotaque italiano, ele me explicou que a ideia deles sempre foi fazer um tipo de heavy metal que pudesse ser trilha sonora de uma produção hollywoodiana épica tipo Senhor dos Anéis.
Este sonho de moleques RPGistas começou em 1993, na cidade de Trieste, na região nordeste da Itália, quando os amigos Luca Turilli (guitarra), Alex Staropoli (teclado) e Daniele Carbonera (bateria) se juntaram numa banda chamada Thundercross – um colega de escola de Luca, o guitarrista Roberto De Micheli, fez parte da formação durante algum tempo, mas acabou saindo logo depois. Enfim, um ano depois, os caras lançariam sua primeira fita demo, “Land of Immortals”, com o vocalista Cristiano Adacher.
Enquanto ainda tentavam encontrar um baixista em definitivo, acabaram recebendo uma proposta da gravadora Limb Music Products & Publishing e, além de começar a trabalhar numa segunda demo, “Eternal Glory”, acabaram enfim mudando seu nome pra Rhapsody. Antes do lançamento do disco, o frontman acabou pulando fora, dando lugar para Fabio Lione, egresso de grupos como Labyrinth e Athena. A história começaria a ganhar forma aí.

Com o quarteto Lione, Turilli, Staropoli e Carbonera, devidamente completado pelos baixos do produtor Sascha Paeth e do músico de estúdio Robert Hunecke-Rizzo, nasceria o disco de estreia “Legendary Tales”, lançado em 1997 e inaugurando a chamada The Emerald Sword Saga, uma história de fantasia sobre a jornada heroica do Guerreiro de Gelo e que conecta conceitualmente os primeiros cinco discos da banda.
No disco seguinte, “Symphony of Enchanted Lands” (1998), eles já contariam com um baixista integrante pra valer, Alessandro Lotta, além do novo batera Alex Holzwarth (sim, aquele mesmo que gravou originalmente em estúdio a bateria do disco de estreia do Angra, “Angels Cry”). Ao longo da turnê, a banda já começou a compor aquele que é, pra mim, a sua grande obra-prima, “Dawn of Victory” (2000), o álbum que sozinho já ajuda a explicar claramente do que se trata o metal espadinha enquanto gênero musical.
Viriam depois “Rain of a Thousand Flames” (2001) e “Power of the Dragonflame” (2002), viriam outros novos integrantes – Patrice Guers (baixo) e Dominique Leurquin (como um segundo guitarrista) – e viria até mesmo o EP “The Dark Secret”, abrindo as portas não apenas para uma nova saga narrativa mas também para o igualmente aclamado “Symphony of Enchanted Lands II: The Dark Secret” (2004), contando com a narração do vozeirão de ninguém menos do que Christopher Lee, o poderoso Saruman da saga Senhor dos Anéis (realizando, claro, um sonho das versões adolescentes que criaram o Rhapsody anos antes).
Mas demoraria apenas dois anos para que as mudanças então começassem… E viesse um novo nome.
Pega fogo, cabaré!
Foi em julho de 2006 que o Rhapsody se tornou oficialmente Rhapsody of Fire. O motivo? “Questões de direitos autorais”, dizia o comunicado oficial, em tom misterioso. “O poder das chamas do dragão vai queimar mais forte do que nunca”, dizia Turilli, devidamente acompanhado por Staropoli na argumentação: “O nome Rhapsody of Fire representa melhor a energia que sempre esteve presente nesta banda e em sua música”.
Certo… claro que ambos sempre foram muito bons em criar suas próprias narrativas, inventar histórias épicas, lendárias, coisa e tal… Mas, afinal, qual teria sido o REAL motivo da mudança? Na época, muita gente do mundo da música apostava que poderia ser por conta da banda feminina australiana de mesmo nome, Rhapsody, formada por Kymberlie Harrison e Cathy Ford. Mas eu, particularmente, duvido muito: estamos falando de um grupo de minúscula representatividade, com apenas um hit ali pela metade dos anos 1990, a canção “Cowboy Lover”.
No entanto, a coisa toda aconteceu ali no começo dos anos 2000, com a ascensão da música em seu formato digital, naquele momento representado pela força da sigla MP3 – e na busca por uma fatia do bolo da iTunes Store, da Apple, a RealNetworks e a MTV lançaram uma loja de venda de músicas MP3 online chamada… Rhapsody. Talvez a parada esteja de fato aí. O serviço atendeu por este nome durante muito tempo, logo depois migrando para o formato de streaming e aí, em 2016, acabou também sendo rebatizado como… rufem os tambores… Napster. Pois é, o mesmo nome daquele software de compartilhamento de arquivos P2P que virou inimigo número 1 da indústria musical e do Metallica.
Ah, como o mundo dá voltas. 😀
Mas há quem diga que a treta seria descoberta, de fato, só em 2008, quando Luca Turilli jogou a merda no ventilador a respeito de uma batalha nos tribunais contra a sua antiga gravadora, a Magic Circle Music, cujo principal sócio é apenas e tão somente Joey DeMaio, o baixista do Manowar. Mudar de nome a partir de “Triumph or Agony” (2006) seria uma forma de fugir de obrigações contratuais? Pelo jeito, nunca saberemos muito bem. O fato é que o grupo, sempre bastante prolífico, acabou entrando em um hiato de quase dois anos, com Turilli se dedicando a um disco solo, Lione colaborando com o Vision Divine e o Kamelot, Holzwarth trabalhando ao lado do irmão Oliver (que foi, durante anos, baixista do Blind Guardian) e por aí vai…
Só que o hiato aparentemente plantaria as sementes do nascimento de um NOVO Rhapsody. Ou dois.

Uma parte fica comigo, outra com você…
Em 2009, além de relançarem seu catálogo com o novo nome pela antiga gravadora, a Limb Music, eles anunciariam o lançamento de “The Frozen Tears of Angels”, bolacha lançada pela gigante do heavy metal, a gravadora Nuclear Blast. Pouco depois, em 2011, viria “From Chaos to Eternity”, encerrando de vez não apenas a “The Dark Secret Saga” mas também toda a fase “As Crônicas de Algalord”. E também encerrando uma parceria de longa data: era a vez de Staropoli e Turilli se separarem, depois de quase duas décadas de parceria criativa. Ambos sempre disseram que a dissolução foi amigável, que eles se manteriam em bons termos, aquela coisa toda… Mas há quem diga que o hiato fez Turilli entender que precisava de espaço para criar sozinho.
O tecladista manteria o Rhapsody of Fire, enquanto Luca Turilli (junto com o baixista Patrice Guers, substituído por Oliver Holzwarth na formação original) montaria uma nova banda. Uma que atendia pelo criativo nome de Luca Turilli’s Rhapsody. Luca descrevia seu trabalho com a banda como sendo uma continuação “paralela” da discografia do Rhapsody of Fire, uma espécie de “universo alternativo”, sendo que seu primeiro disco era pensado para ser o décimo-primeiro projeto do Rhapsody original.
“Não deixamos a banda. Amigavelmente, nos dividimos em dois”, diziam eles.
Mas, calma, calma, que não acaba aí!
Com Alessandro Conti nos vocais, o Luca Turilli’s Rhapsody chegou a lançar dois discos: “Ascending to Infinity” (2012) e “Prometheus, Symphonia Ignis Divinus” (2015). Só que o futuro reservava OUTRA mutação pros caras…
Porque em 2016, enquanto a banda Rhapsody of Fire começava a desenhar o que seria o sucessor de “Dark Wings of Steel” (2013), ora ora, o vocalista Fabio Lione e o baterista Alex Holzwarth TAMBÉM sairiam do Rhapsody of Fire, deixando apenas Staropoli para trás como “integrante original” ou algo assim. Eis que Lione e Alex Holzwarth bandearam pro lado de Turilli e, junto com ele, Leurquin e Guers, montaram um projeto chamado Rhapsody (MAS QUE COISA, NÃO?), que saiu numa certa 20th Anniversary Farewell Tour.
Turnê de despedida do Rhapsody? Do original? Mas como, se o Rhapsody of Fire continuava lá, firme e forte, com uma nova formação – e com Giacomo Voli assumindo os vocais que outrora foram de Lione?
Enfim, a tal turnê foi um sucesso, celebrando o aniversário de “Legendary Tales” e com “Symphony of Enchanted Lands” sendo tocado na íntegra. Em 2018, depois de anunciar que o Luca Turilli’s Rhapsody estava se tornando oficialmente “inativo”, o guitarrista anunciava uma NOVA banda. Um novo filhote chamado… Turilli / Lione Rhapsody. Calma, não perca a conta! 😀
Não, nada de gravidade zero!
Depois do fim da tal turnê de 20 anos, eles de fato quiseram manter a banda em atividade, com a mesma formação mas usando um novo nome: Zero Gravity. Só que os produtores dos caras foram radicalmente contra e falaram: “galera, assim, é muito mais vendável que vocês continuem usando algo com o nome Rhapsody”. E foi o que eles fizeram.
Aí, o Turilli / Lione Rhapsody lançaria em 2019 um único disco de estúdio, “Zero Gravity (Rebirth and Evolution)”, que os fez entrarem em bem-sucedidas turnês com setlists obviamente bastante saudosistas. Mas em 2023, eles enfim decidiram fazer uma leva final de shows e encerrar a banda, “fechando para o bem este capítulo de suas carreiras” (ah, os press releases…).
Levemos em consideração que, em 2013, uma década antes, já tinha começado o namoro de Lione com o Angra – um show no 70000 Tons of Metal, depois uma turnê para celebrar duas décadas do disco de estreia “Angels Cry” e, enfim, a efetivação do cantor como vocalista oficial da banda brasileira a partir de 2014, com o ótimo “Secret Garden”.
Assim sendo, acabariam os filhotes do Rhapsody, deixando a tarefa de seguir o legado apenas e tão somente para o Rhapsody of Fire de Staropoli – que lançaria três outros discos: “The Eighth Mountain” (2019), “Glory for Salvation” (2021) e o recente “Challenge the Wind” (2024), todos com uma nova saga conceitual por trás – correto?
Pois calma aí, que 2025 estava chegando pra mudar tudo DE NOVO!

A vitória das orquestras
Com a chegada do hiato sem data pra terminar do Angra, obviamente que seus integrantes não iam ficar parados. E entre os muitos projetos paralelos de cada um deles, Lione foi lá conversar com seu passado e criou uma banda de nome… que rufem os tambores mais uma vez… Fabio Lione’s Dawn of Victory. Não, não tem Rhapsody no nome. Mas tem, no caso, uma orquestra.
A banda, que numa recente e extensa turnê pelo Brasil (trazendo a tiracolo as meninas da Dogma) foi formada por músicos locais, era acompanhada por uma pequena orquestra e tocava “Symphony of Enchanted Lands” na íntegra, além de uma série de clássicos do Rhapsody original. Porém, todavia, contudo, a iniciativa capitaneada pela produtora/editora Estética Torta deu tão certo que, em 2026, Lione fará uma nova rodada de datas pelo país, mas desta vez tocando “Dawn of Victory” de cabo a rabo.
Em São Paulo, por exemplo, o show será no dia 17 de janeiro, no Teatro APCD. Praticamente um mês depois que o Rhapsody of Fire de Staropoli estará, também em SP, só que no sempre icônico Carioca Club, fazendo RIGOROSAMENTE a mesma coisa, só que sem orquestra. Sim, no dia 14 de dezembro de 2025, a banda italiana estará por aqui TAMBÉM interpretando “Dawn of Victory” integralmente.
Isso é que a gente chama de um GLORIA PERPETUA em dobro! 😀
Mas pra encerrar… eis que temos Lione e Turilli de volta! Ou quase.
Semanas atrás, Luca Turilli saiu de um sumiço artísticos de alguns anos dizendo que estava retomando as atividades musicais, voltando a tocar guitarra… Muita gente apostava que ele traria a sua própria versão do Rhapsody de volta. Ou talvez uma delas, no plural. Bom, a aposta no retorno da parceria com Lione estava certa. Mas o tom vai ser ligeiramente diferente.
Em junho, surge o Rhapsody with Choir & Orchestra –que, além da participação dos antigos parceiros Dominique Leurquin (guitarra), Patrice Guers (baixo) e Alex Holzwarth (bateria), trará os sucessos da banda em arranjos ainda mais sinfônicos, com orquestra e coral. Por enquanto, estão confirmadas apresentações apenas na Cidade do México e em Santiago, no Chile. Mas obviamente que já estão apostando que teremos Brasil na rota também…
Turilli diz que o projeto é a realização de um sonho. “Não hesitei e aceitei imediatamente”. Já Lione reforça que, desde o começo, o objetivo do Rhapsody era unir o clima cinematográfico das trilhas sonoras e a emoção das sinfonias clássicas à energia do metal. “Finalmente trazer essa visão à vida na América Latina, cercados por fãs apaixonados, será inesquecível”.
Será este o último Rhapsody da família? Se algum dia Giacomo Voli resolver sair do Rhapsody of Fire, ele vai pensar em montar o seu Giacomo Voli’s Rhapsody?
Esperemos para ver o que nos revela o futuro…
Claudio Paixão
Ótimo texto, coerente, bem explanado e bem humorado, parabéns !