Task: discutindo paternidades e masculinidades
Nova série do criador da sensacional Mare of Easttown não apenas mantém a qualidade lá no alto, como disseca o OUTRO lado das questões de gênero
Por THIAGO CARDIM
Importante fazer um adendo antes mesmo de começar: geralmente, aqui no QG do Gibizilla (também conhecido como “nossa casa”), eu e a Gabi tendemos a demorar um pouco para entrar em determinados hypes. Aqueles filmes-séries-gibis-discos que o mundinho pop imediatamente passa a amar, a gente vai degustar quase sempre um pouquinho mais tarde, sem muita pressa, pra entender mesmo qual é.
E por vezes até “é”, embora muitas vezes “não é”, rs.
Mas quando ouvimos falar (ainda que um tanto atrasados, confesso) de Task, nova série de Brad Ingelsby, imediatamente entramos na onda e devoramos todos os sete episódios disponíveis no HBO Max.
Simplesmente porque estamos falando do criador de Mare of Easttown, de 2021, uma das mais espetaculares produções televisivas dos últimos anos. E tal qual aconteceu com a trama protagonizada por Kate Winslet, também acho injusto dizer que Task é apenas uma série “policial”. Porque, sim, ela vai MUITO além do suspense policial que encabeça uma cadeia de subtramas secundárias, como eu mesmo escrevi a respeito de “Mare…”.
Existe na história uma série de pequenas sutilezas sobre pessoas. Gente simples e comum como eu e você. Policiais, motoqueiros, agentes do FBI; jovens, idosos, grisalhos em crise de meia-idade; namorados, maridos, amantes. Tanto faz. São pessoas cheias de dúvidas, equívocos e prestes a tomar as piores decisões possíveis em suas vidas.
Em seu próprio texto a respeito, a Gabi disse que “Mare of Easttown é, na verdade, uma saga de mulheres que defendem mulheres”. Pois eu complemento dizendo que, no extremo oposto, Task é uma saga de homens tentando entender o que faz e principalmente o que NÃO faz deles homens. E pais. Porque se “Mare…” tem todo um subtexto a respeito de maternidade, Task mergulha de cabeça em muitos tipos de paternidade.
“Fala um pouco, tua voz tá tão presa / Nos ensina esse jogo da vida”
Também ambientada na Filadélfia, Task gira em torno de Tom Brandis (Mark Ruffalo, um tiozinho suburbano comum, aqui igualmente despido de qualquer glamour de galã hollywoodiano), agente do FBI há muito afastado das operações de campo, trabalhando em feiras de emprego para arregimentar novos talentos para o birô.
Mas, ao seu redor, começa a se desenhar uma teia envolvendo violentos assaltos à estratégicos pontos de drogas da região comandados por uma conhecida gangue de motoqueiros. Os mascarados chegam de surpresa e levam toda a grana de maneira aparentemente muito simples, evitando arroubos de violência, como se soubessem muito bem onde e quando agir. Tem obviamente algo errado nesta história toda…
Desta forma, em especial por conta do desaparecimento de uma criança em meio aos roubos (tornando-se um espetáculo midiático que traz uma boa dose de pressão política à questão), Tom acaba sendo convocado a tirar a bunda da poltrona para liderar uma força-tarefa com o objetivo de desvendar quem está por trás das máscaras de Dia das Bruxas antes que uma guerra seja declarada nos bastidores. O desafio inicial? Aprender a lidar com cada um dos integrantes desta equipe de investigadores, que acabaram escolhidos por um antecessor que não pôde assumir a função de liderá-los.

Toda a história de mistérios e traições envolvendo os responsáveis por estes crimes – e não são poucos – e a revelação de como os personagens principais deste tabuleiro acabam conectados uns aos outros (mesmo que involuntariamente, de maneiras bem pouco óbvias) é de fato muito intrigante, numa narrativa desenhada com um excelente senso de timing – trabalhando tensão acelerada quando necessário, pisando o pé no freio para dar tempo à construção de personagens assim que a trama demanda.
Mas a grande graça de Task está em perceber que, de alguma forma, os principais homens desta história, por mais diferentes que sejam entre si, se conectam por serem pais… ou pelo menos, figuras paternas. O próprio Tom é um homem completamente apaixonado pelos filhos, que, no entanto, vive tentando afogar a culpa em copos de vodca. Culpa pelo incidente envolvendo o filho adotivo neuro divergente que resultou na morte de sua própria esposa; culpa por não conseguir perdoar a si mesmo e nem tampouco ao jovem; culpa por não saber como amar com leveza; culpa por deixar a situação afastá-lo inclusive das outras filhas, em especial a ainda adolescente, também adotiva.
A culpa também dobra os joelhos de Robbie Prendergrast (Tom Pelphrey, encontrando a glória depois de ter topado participar daquela bomba de série do Punho de Ferro), um sujeito que tenta de tudo para dar melhores condições aos filhos depois que a esposa simplesmente largou tudo e se foi. A culpa se mescla ao sentimento de vingança, porque ele quer punir os responsáveis pela morte do irmão – e acaba fazendo com que sua jovem sobrinha, Maeve (Emilia Jones), filha do irmão falecido, se torne responsável pelas crianças, perdendo a chance de viver seu próprio sonho de uma vida só sua.
E quando estes dois pais finalmente se encontram, o diálogo entre eles gera uma das cenas mais tensas e ao mesmo tempo preciosas de toda a série.
O quanto as escolhas que fazemos enquanto pais, pensando teoricamente no bem dos nossos filhos e deixando justamente a nós mesmos de lado no processo, podem justamente plantar um futuro sombrio para as nossas crianças?
O quanto o olhar paternal do velho gângster Perry Dorazo (Jamie McShane) a respeito do violento líder em ascensão Jayson Wilkes (Sam Keeley) pode enviesar suas ações e fazer com que a busca por defendê-lo, deixando de enxergar seus defeitos, acabe colocando ambos em rota de colisão? O quanto a busca por aprovação paternal de Anthony Grasso (Fabien Frankel, o arrombado Sir Criston Cole de “A Casa do Dragão”) pode levá-lo ao fundo do poço?
O quanto a dificuldade de admitir nossos erros, de deixar claro que não somos perfeitos, de permitir que nossos filhos entendam que somos humanos e que por vezes estamos quebrados e carregamos um peso maior do que podemos suportar, pode justamente ser ainda pior na relação com os filhos?
Task discute tudo isso. E ainda um pouco mais.
“Desculpe quando errei / Sempre quis te orgulhar”
A comparação pode até parecer desmedida mas, acredite, faz sentido: porque, da mesma forma que a segunda temporada do Pacificador, Tasktambém funciona como um estudo sobre a masculinidade. Sobre como o mundo (e os outros homens) espera que os homens sejam sempre fortes, resolutos, determinados. Que sejam sempre os protetores da família. Que orgulhem os seus próprios pais, que honrem o seu “legado”. E que não falhem jamais.
Quando Robbie percebe que Maeve (que, além de mulher, tem quase metade da sua idade) é a real protetora de seus próprios filhos enquanto ele se dedica a uma sede de sangue, o mundo dele simplesmente desmorona. Quando os machos alfa (e até mesmo alguns que deveriam ser seus “parceiros”) percebem que a policial Aleah (Thuso Mbedu) tem muito mais presença em combate e uma mira muitíssimo mais afiada do que seu tamanho sugere, sempre fica um clima estranho no ar. Quando Donna (Stephanie Kurtzuba) coloca o amante Perry em seu devido lugar, ele claramente pode ser visto engolindo em seco a sua tão poderosa posição de liderança.

Tom, por exemplo, simplesmente não aceita as limitações de sua idade e fica fora de si ao perceber que, sim, ele é um homem mais velho, não consegue mais correr ou lutar como antes e precisa, ora pois, de ajuda quando se machuca.
E mesmo quando dois homens têm a chance de tentar resolver uma questão abrindo o jogo e colocando os sentimentos em cima da mesa, eles primeiro se enxergam num embate de postura corporal, de frases feitas, de um quase conflito físico, para depois verem os castelos desabando diante de si mesmos. E isso em mais de uma ocasião e com diferentes personagens ao longo da história. É em momentos como este que a masculinidade absolutamente tóxica que tão bem conhecemos se rasga diante dos nossos olhos.
No fim do dia, Task é mais até do que apenas Mare of Easttown se olhando no espelho – é, na verdade, Mare of Easttown completamente virada do avesso. Task e Mare of Easttown parecem existir no mesmo universo, de alguma forma. Porque Task acaba explicando por qual razão as mulheres de Mare of Easttown precisam se proteger da forma que o fazem.
Obrigado Task por ir além do “drama policial” e nos oferecer um poderoso DRAMA HUMANO.