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A nova era dos Garou no Mundo das Trevas

A 5ª edição de Lobisomem: O Apocalipse marca um renascimento ousado para um dos RPGs mais icônicos dos anos 1990

Por THIAGO CARDIM

Em 2021, quando fiz por aqui meu texto sobre o aniversário de três décadas de Vampiro: A Máscara, complementei a história com um depoimento pessoal no qual admiti que só me tornei RPGista de fato quando comecei a jogar Vampiro. Maaaaaaaaaaaaas rapidamente, claro, como bons fãs de Marvel/DC, passamos a incorporar – por vezes, de maneira um tanto melodramática e fora de contexto, mas entenda que por motivos de: adolescentes – diferentes tipos de personagens vindos do Mundo das Trevas. Caçadores de bruxas, fadas, espíritos, múmias… e especialmente lobisomens.

O que é bastante curioso é justamente pensar que eu sempre me interessei, como fã de filmes/livros/gibis/séries de horror, muito mais pelo mito dos lobisomens do que pelos vampiros em si. Só que, no mundo desenhado pela icônica White Wolf, foram raras as vezes em que tive a chance de jogar Lobisomem: O Apocalipse. Consigo contar nos dedos, aliás. Algo que pretendo corrigir com o lançamento da 5ª edição do jogo, a popular W5, lançada em 2023 no mercado internacional e que chegou recentemente ao mercado brasileiro via Galápagos Jogos.

Em tempo: num primeiro momento, estamos falando de RPG em sua raiz, essência mesmo – o jogo de interpretação de papéis (role-playing game) jogado em tabuleiro, com planilhas em papel, dados e tudo mais que você viu no cotidiano da molecadinha de Stranger Things. 😉

O Apocalipse não está chegando. O Apocalipse JÁ CHEGOU.

Caso você não manje muito desta ambientação, importante dizer que, ao contrário dos lobisomens retratados no cinema como monstros irracionais, os chamados Garou (“homem-lobo” em francês) são seres complexos, divididos entre sua natureza humana e espiritual.

Eles são guardiões da Terra, lutando contra forças que ameaçam o equilíbrio do mundo, representando temas de ecologia, espiritualidade e resistência cultural.

Na sinopse oficial, eles afirmam que Gaia está morrendo. “Enquanto as geleiras derretem, os mares transbordam. Enquanto o calor aumenta, as matas definham. A extinção ameaça milhões em favor de poucos. Os Garou – aguerridos metamorfos dilacerados entre a Fúria e o espírito, entre o Lobo e o Homem, campeões da Mãe-Terra – fracassaram. O Apocalipse está aqui. No entanto, uma nova geração de Garou invoca sua Fúria contra as forças da desolação, avareza e ganância que devastam a Mãe-Terra”.

Basicamente, o Apocalipse não é mais uma profecia distante, mas uma realidade presente.

Esta 5ª edição, no fim, é descrita como um jogo narrativo de horror ambiental e espiritual. O sistema foi cocriado por Justin R. Achilli e Karim Muammar (playtest designer e editor-chefe), com design adicional de Karl Bergström e Kenneth Hite.

Diferente das edições anteriores, Lobisomem: O Apocalipse – 5ª edição precisa ser entendido como um reboot completo do cenário. Eventos passados foram reinterpretados, e a história foi ajustada para refletir uma nova realidade onde o Apocalipse já está em andamento. Toda a unidade dos Garou foi desfeita, e as tribos agora operam de forma mais independente, refletindo a fragmentação do mundo espiritual e físico.

Ah, sim, vamos falar das tribos

Da mesma forma que os vampiros eram divididos em clãs com características muito próprias – dos anárquicos Brujah aos aristocráticos Ventrue, passando pelos misteriosos Tremere, pelos selvagens Gangrel, pelos alucinados Malkavianos, pelos performáticos Toreador e pelos assustadores Nosferatu, isso só pra ficar nos sete clássicos – e vindos de diferentes gerações que definem a força de seu sangue, os lobisomens se dividem nas tribos.

Na 5ª edição, temos 11 tribos jogáveis, cada uma com sua própria filosofia, cultura e objetivos:

Black Furies: Defensoras ferozes das mulheres e da natureza.

Bone Gnawers: Sobreviventes urbanos que vivem nas margens da sociedade.

Children of Gaia: Pacifistas que buscam a harmonia entre todas as criaturas.

Fianna: Bardos celtas apaixonados pela música e pelas histórias.

Get of Fenris: Guerreiros implacáveis que valorizam a força acima de tudo.

Glass Walkers: Tecnófilos que abraçam a modernidade e a tecnologia.

Red Talons: Lobos nascidos que desprezam a humanidade.

Shadow Lords: Mestres da manipulação e do poder político.

Silent Striders: Nômades que carregam segredos antigos.

Silver Fangs: A nobreza tradicional dos Garou, agora fragmentada.

Ghost Council: Buscadores de mistérios espirituais, muitas vezes incompreendidos por outros Garou.

Além dessas, há menções a tribos que se afastaram da Nação Garou, conhecidas como “wayward”, refletindo as tensões internas e a fragmentação do mundo Garou.

Integração com o Novo Mundo das Trevas


A 5ª edição de Lobisomem: O Apocalipse é parte do esforço de unificação do Mundo das Trevas, compartilhando sistemas de regras e uma linha do tempo coesa com Vampiro: A Máscara e Caçador: A Vingança. Isso permite campanhas interligadas e uma experiência de jogo mais integrada.

Ambos os jogos, Vampiro e Lobisomem, compartilham o mesmo sistema de regras, facilitando crossovers e interações entre personagens de diferentes jogos. Além disso, elementos como a Segunda Inquisição são ameaças comuns, afetando tanto vampiros quanto lobisomens, criando oportunidades para histórias interconectadas.

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Já que falamos em regras…

Vampiro, Lobisomem e demais variantes eram parte do chamado sistema Storyteller. Muito mais simples do que as muitas tabelas que sempre caracterizaram o D&D e o GURPS, ele consistia em rolagens de dados combinando atributos (físicos, mentais e sociais) com algum tipo de habilidade específica.

Numa luta, por exemplo, poderia ser força + briga para bater ou, quem sabe, destreza + esquiva para desviar da porrada. E tudo medido com bolinhas que iam de 1 (fraco) a 5 (excepcional).

Além disso, duas diferenças fundamentais ajudaram a quebrar um paradigma para quem estava acostumado com o Dungeons & Dragons tradicional: os dados não eram os clássicos de 20 lados, mas sim de 10; e o Mestre passou a ser chamado de Narrador.

No caso mais específico da 5ª edição de Lobisomem: O Apocalipse, o jogo introduz mudanças significativas nas mecânicas de jogo. Por exemplo, a utilização de Rage (Fúria). Agora, ela passa a ser um recurso central, representando a tensão entre o controle e o impulso primal dos Garou – e isso, de alguma forma, ajuda a inserir uma coisa mais terror sobrenatural e menos “Capitão Planeta” na estrutura do jogo, como alguns fãs costumavam reclamar.

Já os Dons, que são os poderes dos lobisomens, estão agora diretamente ligados à Vontade e ao Renome, substituindo o antigo sistema baseado em Gnose. Ou seja: para usar suas habilidades, agora os personagens não precisam se conectar a algo místico, que é quase como um Sétimo Sentido, tal qual os Cavaleiros do Zodíaco, mas sim com base em sua força de vontade e também à reputação que eles construíram ao longo dos anos – no fim, as cicatrizes de batalha passaram a ser tão importantes quanto às histórias contadas ao longo das eras sobre os guerreiros.

Mas… como surgem os lobisomens?

Aqui, temos uma mudança fundamental no cânone. Os Garou não são mais criados por meio de uma linhagem “genética”: a maioria dos lobisomens emerge como Parentes (Kin), que nascem com a capacidade de passar por uma Primeira Transformação, mas não seguem nenhum tipo de padrão discernível (exceto por algumas raras e discretas exceções).

O método pelo qual os Parentes são criados é deliberadamente mantido ambíguo e reconhecido como um mistério dentro do cenário.

Como resultado desse novo método de criação, Hominídeos e Lupinos (tipicamente chamados de “nascidos humanos” e “nascidos lobos”, respectivamente) são as únicas duas raças: não há menção a Metis como algo capaz de ocorrer.

As raças em geral são discretas: Garou nascidos lobos são um pouco mais raros proporcionalmente e, além de algumas sugestões sobre quais opções de criação de personagem podem ser usadas para representar a natureza nascida lobo de alguém, não há distinção mecânica entre as raças.

O retorno da White Wolf

A White Wolf e a empresa Islandesa CCP Games, responsável pelo MMO Eve Online, se fundiram. A ideia seria então criar um MMORPG totalmente inspirado no novo Mundo das Trevas. Mas, em 2011, o mercado não tava indo muito bem, uma porrada de gente foi pra rua e o jogo foi oficialmente cancelado. Enquanto isso, no ano seguinte, Richard Thomas, ex-diretor criativo da WW, foi lá e fundou a Onyx Path, uma nova editora que além de seus produtos proprietários (como Pugmire) também se especializou em produzir materiais licenciados para RPGs de mesa. Adivinha com quem eles logo foram fechar contrato? Mas claro, com a White Wolf. Tudo em casa. 😉

Só que aí, chapa, a alegria parece ter durado pouco porque meses depois a sueca Paradox Interactive, empresa de games como as franquias Europa Universalis e Hearts of Iron, foi lá, abriu o bolso e comprou a White Wolf. Que, vejam vocês, começou DO ZERO. A Onyx Path tava liberada pra desenvolver jogos de tabuleiros, enquanto a Paradox tava com foco em levar as devidas propriedades para os jogos eletrônicos – online, mobile, de console – e também para as adaptações previstas para cinema, séries de TV e afins (teve uma época em que todo mundo andava querendo um MCU pra chamar de seu, né…?).

Em maio de 2025, a Paradox Interactive anunciou o retorno da White Wolf, enquanto marca, agora como uma entidade independente responsável pelo licenciamento e publicação dos produtos do Mundo das Trevas. Essa mudança visa revitalizar a marca – teoricamente, agora a White Wolf supervisiona produtos ambientados nos mundos narrativos do Mundo das Trevas em todas as principais mídias, incluindo videogames, RPGs de mesa, jogos de tabuleiro, séries de streaming e muito mais.

“Isso marca uma nova era para a White Wolf, capacitando a marca a trabalhar em estreita colaboração com parceiros para criar histórias interconectadas e desenvolver mais produtos para os fãs”, afirma a empresa, em comunicado oficial. “A White Wolf está unificando seus vastos mundos narrativos e construindo seu legado de propriedades de entretenimento aclamadas que ressoam com seu público”.

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