Jornalismo de cultura pop com um jeitinho brasileiro.

Os próximos passos do Ruivaverso

Batemos um papo com o querido Felipe Cagno, ninja do Catarse e criador do universo The Few and Cursed – dentro e também FORA dos gibis

Por THIAGO CARDIM

Embora esta seja a primeira vez que converso com o Felipe Cagno aqui pro Gibizilla, tá longe de ser a primeira vez que converso com ele enquanto jornalista especializado em cultura pop. Na época do JUDÃO, já batemos altos papos sobre diversos projetos e ele ainda foi nosso convidado no Asterisco, o saudoso podcast do site. Além de uma óbvia pandemia que chacoalhou as nossas vidas, muito mudou nestes dois anos prá cá. No caso do Cagno, entre nosso último papo e este, tem apenas UMA coisa que não mudou nada – o cara não para e o Ruivaverso só cresce e cresce, sem parar.

“Ruivaverso”, no caso, foi o nome que eu dei carinhosamente pra franquia The Few and Cursed. É, não é exagero nenhum chamar de “franquia” o verdadeiro universo de histórias que ele criou ao lado do desenhista Fabiano Neves. Tramas ambientadas em um universo distópico, uma espécie de Mad Max misturado com faroeste e muitas doses sobrenaturais. Inicialmente estreladas por uma misteriosa (e mortal) pistoleira conhecida apenas como Ruiva. E nas quais a dupla acreditou o suficiente pra seguir em frente mesmo depois de muitas portas fechadas por editoras. Foi aí que o Cagno descobriu o tal do financiamento coletivo e abriu as portas na base do pontapé.

O mundo da Ruiva fez tanto sucesso e recebeu tanto apoio em seu primeiro arco de histórias, o dos Corvos de Mana’Olana (recentemente lançado encadernado pela AVEC Editora), que Felipe resolveu ampliar esta ambientação. “A ideia de expandir o The Few and Cursed além da Ruiva veio com o início da produção do board game”, explica ele. “O Mike Gnade, o game designer, pediu que eu criasse mais locais, personagens, objetos lendários, etc, e aí me veio a ideia das Crônicas de The Few and Cursed – uma coletânea de curtas histórias por diversos artistas explorando os quatro cantos deste mundo deserto da Ruiva. Essa foi a primeira expansão mesmo além da Ruiva”.

Dentro das Crônicas, então, ele criou o personagem Bartholomew, um pirata que alcançou a imortalidade, mas viu o mundo secar e agora é um pirata sem os sete mares, uma alma penada vagando pelos desertos… E também estrela do recente Ambição Sem Volta, outro gibi financiado com sucesso via Catarse. “Eu sempre quis explorar a sua origem e daí surgiu o gibi com o Carlos Estefan e o Pedro Mauro”, conta, a respeito do projeto com a premiada dupla da Trilogia Gatilho. “O Bart inclusive está no jogo The Few and Cursed e tenho grandes planos para ele dentro do Ruivaverso”.

Além disso, tivemos outra graphic novel com novos personagens, Nação Sombria, igualmente surgida da necessidade do jogo de ter mais personagens e locais. “Eu criei a LaVerne exclusivamente para o board game, mas foi uma personagem que me apaixonei tanto por ela que eu não podia deixar de dar a ela o próprio título”, conta, acrescentando ainda: “eu só queria ilustrar que a expansão do Ruivaverso foi acontecendo de maneira muito orgânica, não foi nada meticulosamente planejada… Mas a partir do momento que começo a escrever diferentes histórias, eu sempre penso sim em como elas se conectam, quais personagens vão interagir uns com os outros, etc. O Ruivaverso já tem bastante material planejado para os próximos anos”.

O que vem por aí

Quem apoiou Ambição Sem Volta já tá ligado que, apesar das expansões, a Ruiva vai voltar em breve num novo arco, batizado somente de Dilúvio. O autor dá uma dica do que esperar… “Para quem acha que as aventuras da Ruiva vão se limitar ao ‘monstro da semana’ ou o ‘caso da semana’ como em algumas séries de TV dos anos 1990 e 2000, vai se surpreender. Dilúvio realmente será uma longa história contada em seis novas partes e que vai apresentar um elenco inteiro novo de personagens e levantar algumas questões morais e temáticas instigantes”.

Mesmo assim, ele revela, a Ruiva ainda é uma caçadora de maldições, então o arco começa com o que parece ser apenas mais uma caçada. E a partir daí é que uma teia de contos e vidas vão se intercalando.

A teia da vida da Ruiva, aliás, vai de fato além do Brasil. Depois de um hiato de quase dois anos, por motivos óbvios, nos meses de novembro e dezembro a dupla Felipe e Fabiano embarcou mais uma vez pros EUA, para continuar investindo na carreira internacional da personagem. “Primeiro fizemos a versão pocket da San Diego Comic-Con e depois fomos até Seattle para a Emerald City Comic Con. Foram duas convenções muito boas para gente e para o The Few and Cursed. Acabamos esgotando todo o nosso material em Seattle e ainda alavancamos a reta final da campanha no Kickstarter para financiar a revista #7 (a primeira parte de Dilúvio)”.

Pois é, assim como aqui no Brasil, lá fora eles também usam o crowdfunding para financiar as HQs nos EUA através do Kickstarter. “Os números impressionam. A campanha do encadernado fez quase 3mil apoiadores, enquanto as duas seguintes ficaram ali pelos 1.600. Esses resultados nos dão bastante liberdade para tentar mais e mais projetos ousados. Vem novidades por aí para esse ano de 2022”.

Eita, e que novidades seriam estas? Conta aí!

“Estou com dois sócios americanos e mirando sim bastante conteúdo fora dos quadrinhos”, dispara Felipe. “Mas de concreto agora, que podemos anunciar, é só um audiobook adaptando o arco dos Corvos e um projeto de música onde vamos lançar dois álbuns: um de música inspirada pelo universo e outro com trilha sonora para acompanhar a experiência de jogar o board game”.

Pra completar, aproveitando a experiência audiovisual do Felipe, rolaram dois curtas também para promover a nova temporada das HQs estrelando a Carol Costa como Ruiva. O primeiro já está online, enquanto o segundo ainda está em fase de pós-produção.

Existe vida além da Ruiva pro Felipe?

Mas claro que sim! O roteirista ainda conta pra gente que tá envolvido não só em um, mas em DOIS projetos totalmente fora do Ruivaverso. O primeiro é adaptação para quadrinhos de um piloto de animação de comédia chamado DARE, com o Sam Hart e o Vinicius Townsend na arte. “Os roteiristas do piloto original decidiram produzir a HQ e nos puxaram para a equipe. O projeto traz a história de um policial nada politicamente correto chamado Lucius Daren e sua fantasia de achar que é um supercop na Los Angeles de 2008. É um projeto bem-humorado, bem comédia”. 

Além deste, ele também está produzindo uma minissérie com o criador de uma série de TV que talvez você nem conheça, chamada CSI. Ao lado de Anthony Zuiker, ele tá desenvolvendo One-Eyed Jack. “O Anthony desenvolveu um argumento e eu estou escrevendo o roteiro e fazendo a edição da HQ que traz o Bräo e suas lindas aquarelas na arte”. A HQ conta a história de todos os personagens e forças envolvidas no maior tiroteio em massa que os EUA já teve, a tragédia do dia 1o de Outubro de 2017, quando um louco abriu fogo do 32o andar de um hotel em Las Vegas sobre o público de um festival de música country.


Mas não dá pra encerrar o papo com ele sem pedir O SEGREDO

Porque, vai, com certeza ele sabe. Afinal, qual é a dica pra tantos projetos bem-sucedidos no Catarse?

Ó só, não perde a conta com a gente – no Catarse, já foram cerca de 15 projetos financiados. “Tive 18 campanhas, mas algumas foram apenas uma pré-venda de material publicado via ProAc ou de editora”. Só que não acabou. “Lá no Kickstarter, plataforma semelhante americana, já foram outras 21 campanhas. É bastante coisa, eu realmente me encontrei no crowdfunding, eu amo este modelo de negócio”.

Então vai, revela aí a chave mágica…

“Quem dera eu soubesse”, diverte-se ele. “A verdade é que toda campanha é uma caixinha de surpresas. Claro que temos nossas expectativas, sempre, mas as campanhas sempre nos surpreendem, tanto de forma positiva quanto negativa”. Ele deixa claro que, sim, da mesma forma que já teve campanhas que superaram qualquer expectativa tanto em número de apoiadores quanto dinheiro levantado, teve uma ou outra campanha ali que achou que fosse rolar, mas até agora não chegou lá. “Mas seguimos na luta!”.

Pô, dá pelo menos uma dica, então. “Pra quem está pensando na primeira campanha, peça o menor valor possível como Meta Inicial. Mas assim, o menor MESMO. Esteja disposto inclusive a eventualmente bancar parte do projeto do bolso porque, quanto menor a meta, mais rápido ela será atingida e maior será o valor arrecadado a longo prazo”.

E ele explica em números. “Se o projeto custa R$ 10 mil, peça R$ 4 mil como meta inicial. É um risco, mas um risco necessário e que pode ser o que quebra ou não um projeto. Até porque levantar R$ 8 mil ou passar dos R$ 10 mil é melhor do que o projeto nem ser financiado”.

Aprendeu?