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Quando o Kaiju começa a ganhar forma e tamanho

Coletivo de quadrinistas da Baixada Santista está cheio de planos para o futuro – mas sem tirar da frente o objetivo primordial: produzir quadrinhos acessíveis, tanto no preço quanto no conteúdo

Por THIAGO CARDIM


Vocês podem dizer que eu estou sendo bairrista e, por ser um orgulhoso #Familia013, cá estou abrindo espaço para uma iniciativa da terrinha. Vocês podem dizer que eu estou dando moral porque um dos articuladores do projeto foi meu professor da faculdade e até participou da banca do meu TCC. Vocês podem dizer até que o mascote do Gibizilla – criado, aliás, por um querido colaborador aqui do site e TAMBÉM deste projeto em particular – naturalmente tende a gostar de qualquer coisa minimamente relacionada com monstros e lagartos gigantes.

Vocês podem dizer tudo isso e, na verdade, quem me conhece e acompanha o Gibizilla sabe que, de verdade, eu pouco me importo. Porque podia ser apenas e tão somente por isso e PRONTO. Mas não é. E sim porque a ideia da Kaiju Editora, em um mundo de gibis de capa dura custando os olhos da cara para atender uma meia dúzia de sedentos lombadeiros, é realmente muito legal.

É ampliar. É democratizar. É trazer de volta pros gibis uma galera que largou mão; é apresentar os gibis pra uma turma que não sabe que dá pra ir além de Marvel-DC-Disney-Mônica; é mostrar que a gente aqui no Brasil consegue fazer gibi leve, pop, divertido, de gênero e que não custe os olhos da cara.

E tudo começou com o Bar e o Mauro.

Kaiju desponta no horizonte da cidade

Formado em publicidade e propaganda pela Universidade Católica de Santos, nosso Alexandre Bar não apenas é mestre em Comunicação e Cultura com ênfase em quadrinhos históricos ou organizador da Steampunk Santos. Ele também é professor universitário, ilustrador com passagens por revistas como a Dragão Brasil e o site RedeRPG, além de coautor de livros como “Muito Além dos Quadrinhos” e “Como Usar as História em Quadrinhos na Sala de Aula”.

O seu parça na empreitada é o Mauro de Abreu, também formado publicitário mas pela Unisanta (a mesma que deu o diploma a este que vos escreve), alguém que trabalhou durante anos na área do audiovisual, produzindo comerciais, vídeos institucionais, documentários e programas para TV – além da animação independente Onigomanjhas (que vocês DEVIAM assistir, sério, eu tive a honra de ver quando ainda era um trabalho de conclusão de curso). Foi desta dupla que partiu a Kaiju Editora, hoje reunindo um bocado de gente talentosa e querendo fazer acontecer.

“A Kaiju Editora foi criada para produzir quadrinhos acessíveis, tanto no preço quanto no conteúdo”, explicam ambos, em entrevista conjunta e exclusiva ao Gibizilla. “Acreditamos que existe um público potencial muito grande, formado principalmente por jovens e adolescentes, que pode ser trazido pra dentro das histórias em quadrinhos. São pessoas que já estão acostumadas com diversos tipos de narrativas, muitas delas complexas, vindas principalmente dos games e animações, e entendemos que esse público tem a cabeça aberta para experimentar novos materiais e novas mídias”.

Eles admitem que parte do seu trabalho (“de formiguinha, sabemos disso”) é entender os motivos pelos quais uma mídia antes tão popular e ainda tão influente na cultura pop encolheu tanto e se tornou algo nichado e elitista. “Para alcançar esse público, apostamos muito no trabalho editorial, conversamos muito com os autores que entram para nossa equipe sobre o que pretendemos como editora e damos algumas diretrizes para eles poderem desenvolver personagens fortes e universos coesos, afinal nossas metas são produzir boas histórias e furar bolhas”.

Tudo começou, como bem cabe depois de um ataque de kaiju (os populares monstros gigantes da cultura pop japonesa, tal qual Godzilla e, claro, o Gibizilla), com um aperitivo de raios e gritos.

Uma antologia pra abrir os trabalhos

Uma compilação de histórias curtas, barata e de leitura rápida. Essa foi a maneira que eles encontraram de apresentar vários personagens ao mesmo tempo mantendo uma periodicidade razoável, no caso, a cada três meses. “Muitas vezes nos referimos à revista Raios & Gritos como um ‘aperitivo’, uma maneira de apresentarmos novos universos que serão trabalhados posteriormente em títulos próprios”.

Eles sabem que a concorrência pela atenção e pelo bolso do público é acirrada, então é preciso mostrar, antes de tudo, continuidade. “Nós sentimos, até aqui, que a periodicidade tem sido o diferencial da Raios & Gritos”, explicam. “É mais fácil de convencer alguém a apostar no seu material quando já existem várias edições publicadas”. Além disso, a variedade também é importante, porque inevitavelmente os leitores elegem os seus favoritos. “Assim, vamos mapeando essas informações para entendermos nosso público e nortear os próximos lançamentos”.

Mas qual é o critério de seleção? Os gêneros principais da revista são Sci-Fi (Raios) e Terror (Gritos), mas obviamente que eles brincam um pouco com aventura e humor também. “Outra característica que procuramos é a diversidade de estilos e temas. Gostamos muito de ter artistas diferentes entre si e procuramos sempre misturar equipes que entreguem resultados que não sejam óbvios”.

Na primeira fase da revista, que se encerrou na quinta edição, o critério foi convidar artistas que eles já conheciam e nos quais podiam confiar. “Eles apostaram no projeto desde o dia zero, foi uma experiência espetacular e acabamos no caminho conhecendo artistas maravilhosos que acrescentaram demais à revista”.

Mas, na segunda fase, que vai da sexta à nona edição, o critério foi diferente. “Algumas histórias e artistas chegam até nós e analisamos se encaixa na revista, se gostamos, conversamos e explicamos nossos objetivos; se tudo der certo, selecionamos. Outras são pessoas que já queríamos na equipe e acabamos convidando, mas o principal nesse processo é saber se a história que será contada tem potencial para se tornar uma série, se tem fôlego ou se é um material fechado, para outro tipo de publicação”, contam eles.

A distribuição é modesta, vendendo em eventos na Baixada Santista, Grande São Paulo e ABC, além de enviar pelo correio para todo Brasil via contato por mensagem ou e-mail e também pelo Marketplace da Amazon. “Estamos em algumas lojas de quadrinhos em São Paulo como a Comix Book Shop e Loja Monstra, além da Realejo Livros em Santos. Um dos nossos principais objetivos para o primeiro semestre é ter uma loja virtual própria e vender direto pela Amazon. Mas também estamos procurando alguns pontos de distribuição fora de SP”.

Uma coisa importante de reforçar aqui, no entanto: cada edição trimestral da Raios & Gritos não sai via financiamento coletivo, como acabou virando padrão no mercado. Mas sim como uma aposta. “Parcelamos as edições na gráfica e temos três meses para quitar uma edição e imprimir a próxima. Pode parecer loucura, mas até aqui deu tudo certo, não nos endividamos e estamos cobrindo todas as despesas da editora com as próprias vendas”, confessam eles. “Consideramos isso uma grande vitória”.

Eles optaram por não fazer financiamento coletivo para a Raios & Gritos por dois motivos: o primeiro é o logístico. “Apenas três meses para produzir uma revista inteira, ir aos eventos, montar a campanha e entregar as recompensas seria impossível, nossa equipe é pequena e os atrasos seriam inevitáveis, aí perderíamos o trunfo da periodicidade”. Já a segunda razão é mercadológica mesmo, porque eles imaginam que pedir para um público, que não conhecia o material ainda, ir financiando o projeto seria mais difícil do que convencer as pessoas com o material pronto em mãos.

“Sem contar que, no financiamento coletivo, acabaríamos atingindo apenas o público ‘iniciado’ de HQs, não o público que estamos mirando no projeto”. Mas eles não descartam utilizar plataformas como o Catarse para OUTRAS publicações… Porque os planos são muitos.

A Raios & Gritos permanece como carro-chefe (e a partir da sexta edição, começa uma nova fase com três novas histórias seriadas e uma história fechada por edição, além de quatro histórias de uma página), tendo a sua primeira equipe toda formada por mulheres numa história seriada de zumbis escrita pela Marcella Rossetti (da série literária Filhos da Lua) e desenhada-colorida pela Lari Del Cistia.

Outra das seriadas será algo que eles estão chamando de “sci-fi hard ao estilo Kirby”, escrita pelo Giovanni Spinelli e desenhada pelo Bruno Ferrante (ambos da equipe da Nerd Vintage e da HQ “Feliz Natal, Peter Parker”), e a última seriada é a mais difícil de descrever sem entregar a surpresa, mas trata-se de uma aventura sci-fi com muitos personagens que se passa em um universo com referências muito populares, uma releitura escrita pelo Rodrigo Piovezan (da HQ “Guerreiros”) e desenhada e colorida pelo Milton Rocha Jr. “Pra completar a sexta edição ainda temos a história de terror ‘Ouroboros’ escrita pelo Emílio Batista (da HQ ‘Anarquia’) e desenhada pelo Amilton Santos (que desenhou a capa da quinta edição)”, revelam.

Mas a Kaiju também promete ir além da Raios & Gritos – no primeiro semestre, chega a primeira graphic novel da editora, chamada “Crônicas do Horror – O Devorador de Almas”, a primeira de uma trilogia escrita pela Marcella Rossetti e desenhada pelo Alexandre Bar. Para o segundo semestre, começam os lançamentos das primeiras revistas seriadas estreladas pelos personagens saídos da Raios & Gritos: “Monstros & Máquinas” do Alexandre Bar, ambientada no universo steampunk de Monstro do Porto e Piratas do Ar; “Barão Von Torpe” do Gustavo Sanchez com cores do Silas Chosen, continuação das bizarras aventuras do misterioso Barão e seus asseclas; e “Zelador Espacial” do Mauro de Abreu com desenhos do Sam Coza e que conta uma saga espacial milhares de anos no futuro.

“Essas três revistas terão o mesmo formato da Raios & Gritos, só que com 44 páginas + capa, e terão inicialmente a periodicidade semestral”, contam. “Nossa previsão é lançar a primeira delas em setembro. Temos muitos outros projetos em diferentes níveis de desenvolvimento, mas temos que respeitar nossos limites atuais, nosso crescimento não depende apenas da nossa capacidade de produção, como já dito antes, precisamos de uma distribuição e canais de venda melhores, isso também passa por uma presença forte nas redes sociais e um canal de YouTube”. Eles dizem que estão tentando atingir esses objetivos da mesma maneira que chegaram até aqui, com calma e muito planejamento. “Mas temos confiança que estamos no caminho certo”.

A gente entende vocês perfeitamente, irmãos caiçaras. 😉

Em tempo: se você se interessou por Raios & Gritos, dá pra comprar os primeiros números na Amazon, ajudando eles e A GENTE também.

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