
Abram as portas (e o coração) pra Turma do Arrepio
Edição de luxo da Comix Zone resgata clássico subestimado dos quadrinhos infantis brasileiros
Por THIAGO CARDIM
Existem algumas produções culturais, em especial aquelas que deixaram uma marquinha peculiar nas nossas existências infantis, que costumam causar um pouco a (falsa) sensação de “será que só eu lembro disso?”. No meu caso, costuma acontecer bastante quando falo dos Wuzzles, um desenho animado da Disney cujos personagens eram animais misturados, tipo o Abeleão. Como eles não eram, sei lá, os Ursinhos Carinhosos, esta franquia fofa e absolutamente hegemônica acabou passando abaixo do radar de muita gente.
No fim, claro, eu já encontrei alguns fãs de Wuzzles ao longo da vida (porque, afinal, não, eu não sou o alecrim dourado que é o único que lembra deles). E percebi que, no fim, isso meio que também foi o caso da Turma do Arrepio, uma HQ brasileira infelizmente bastante subestimada que também ajudou a montar a minha identidade como leitor de gibis. Apesar de eu ter começado, obviamente, a ler gibis bem jovem – entre 7 e 8 anos – por conta da Turma da Mônica e da Disney, lá por volta de 1989, com 10 anos de idade, a Turma do Arrepio caiu nas minhas mãos. E eu pirei.
Eu sempre adorei o núcleo do Penadinho nos gibis do seu Mauricio por motivos de “criança se interessando por terror e monstros da Universal”, mas com a Turma do Arrepio, a coisa parecia soar um tanto diferente. Além daquele sabor tipicamente brasileiro, a criação de César Sandoval tinha um jeito mais peculiar de brincar com as referências aos filmes de horror, sendo infantil, mas sem nunca subestimar a minha jovem inteligência. Me pegou demais.
No fim, embora esta seja uma obra que marcou a minha infância, me incomodava ver que pouco se falava deles ao longo dos últimos anos, mesmo que em momentos de amplo resgate nostálgico – pelo menos até agora. Porque enfim a Comix Zone anunciou a pré-venda de uma edição de luxo de A Turma do Arrepio, reunindo cerca de 300 páginas das aventuras originais dos monstrinhos.
Mas… conta mais sobre isso, meu tio…
Tá bom, eu conto. A Turma do Arrepio apresenta um grupo de jovens monstros que vivem no Edifício do Arrepio (que tem um porteiro zumbi e um síndico humano, vale lembrar, rs), enfrentando situações cotidianas com um toque sobrenatural e muito bom humor. Lançada em 1989 pela Editora Globo, A Turma do Arrepio teve 43 edições regulares e um almanaque, sendo publicada até 1993. A criação é de César Sandoval, um renomado designer de animação e quadrinista brasileiro que iniciou sua carreira na revista Recreio nos anos 70 e tornou-se chefe de arte na Editora Abril. Destacou-se por criar versões infantis de personagens populares, como Os Trapalhões (sim, aquele gibi!), e por sua contribuição significativa à publicidade e animação nacional.
No fim, o sucesso da HQ – que, sim, foi mesmo um sucesso na época – levou à criação de um programa de TV exibido pela Rede Manchete em 1995. Com episódios de 30 a 45 minutos, a série trouxe os personagens para o live-action, ampliando ainda mais sua popularidade. Além disso, a marca gerou diversos produtos licenciados, como brinquedos, roupas e materiais escolares.

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Quem é quem em A Turma do Arrepio
Medéia – A bruxinha líder do grupo. Inteligente, sarcástica e sempre com um feitiço pronto na manga (nem sempre eficaz, diga-se). Costuma ser a voz da razão — quando não está criando confusão mágica.
Draky – Um vampirinho vaidoso, com sotaque afetado e uma queda por se achar irresistível. Foge do estereótipo de vilão: é mais atrapalhado do que ameaçador. E tem pavor de alho, claro.
Luby – O lobisomem da turma (além de meu personagem favorito, claro, rs). Forte, desengonçado e bonachão, com uma fome quase incontrolável. É o coração (e o estômago) do grupo, muitas vezes o responsável pelas melhores (e mais barulhentas) piadas físicas.
Tuty – A múmia nerd, cheia de conhecimento e referências enciclopédicas. Vive enfaixado em teorias, sempre com uma explicação científica ou esotérica na ponta da língua — nem que ninguém tenha pedido.
Stein – O nome entrega: um pequeno Frankenstein, garoto biônico superforte e com perfil de “jovem inventor”. Gosta de consertar as coisas (mesmo que não estejam quebradas) e vive criando máquinas malucas, tal qual o papai célebre.
Belfedo – O mascote da gangue (e a mais antiga criação do autor). Um morceguinho falante, esperto e metido a engraçadinho, que serve como alívio cômico e, às vezes, como narrador improvisado das encrencas da turma.
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Mas tudo que é bom, dura pouco…
E lá por volta da metade dos anos 1990, A Turma do Arrepio saiu de circulação, mantendo-se um silêncio muito mais assustador do que os moradores do famoso edifício dos personagens. A crise econômica no governo Collor foi arrasadora para o mercado de HQs – especialmente se você não fazia parte do conglomerado do Bairro do Limoeiro. O mesmo se deu com o programa de TV, que logo foi vítima do vindouro fim da Rede Manchete (já longe de seu ápice com os tokusatsu e os Cavaleiros do Zodíaco)…
A Turma do Arrepio teria ainda algumas edições lançadas em Portugal e no México – onde saiu com o nome de Creepy Monsters (sim, em inglês mesmo). A versão em espanhol ganharia espaço também no Panamá e em outros países da América Central.
O retorno da turminha ao mercado brasileiro começaria a se desenhar só por volta de 2009, quando a editora As Américas tentou reviver a série, lançando oito edições que, apesar de bem recebidas, não tiveram continuidade. As revistas optaram por uma nova colorização, um pouco mais “moderna”, digital, com degradês… Já em 2015, o Projeto Teatrando do Plaza Shopping lá de Itu realizou uma peça da “Turma do Arrepio”, com fantoches.
Em 2022, dois jogos d’A Turma do Arrepio para Android foram desenvolvidos pelo time da iniciativa SBT Games, um de corrida chamado “Turma do Arrepio Grand Prix” e outro de bater tazos chamado Flipz. Ambos, no entanto, estão agora fora do ar.
O grande anúncio, no entanto, se daria em 2023, durante uma live com o canal Fora do Plástico…

A edição da Comix Zone
Um dos editores da Comix Zone, Thiago Ferreira, contou recentemente, em um vídeo no seu canal, que não se passava um dia desde aquele anúncio, dois anos atrás, que alguém deixasse de perguntar nas redes: “tá, beleza, isso é muito legal… mas e A Turma do Arrepio?”. Por que a demora, portanto? Porque, ele explica, a editora fez toda a remasterização com o máximo de fidelidade possível, recolorindo a partir dos originais de maneira que o resultado final conversasse com os gibis da época da Editora Globo, de maneira mais orgânica e retrô.
E sim, César Sandoval está diretamente envolvido no projeto, garantindo que a essência e o estilo únicos da série sejam preservados na nova edição.
Como parte de sua missão em busca de outros públicos, para falar pra fora da bolha gibizeira, a ideia deste lançamento é que seja um trabalho de resgate do tipo daqueles que a editora norte-americana Fantagraphics faz com alguns clássicos, para apresentar bem a HQ pros novos leitores e também satisfazer o adulto que passou a infância lendo o título.
A edição atualmente em pré-venda na Amazon tem capa dura, lombada arredondada e 304 páginas coloridas impressas em papel couché. O volume vem recheado de extras: capas, esboços, estudos de personagens e uma entrevista exclusiva com César Sandoval. Como brinde, a edição traz ainda seis tazos colecionáveis com toda a turminha.
E mais: Thiago Ferreira ainda contou que, embora esta edição traga uma seleção das melhores histórias, eles já fizeram a remasterização e recolorização de todas as HQs originais, incluindo os especiais. Isso significa que, dependendo do sucesso, este pode ser apenas o volume 1… 😉
Sávio Christi
Pois bastante legal no caso! Mas por que não lançam histórias inéditas? Só vão ficar republicando histórias clássicas e raras no caso?!
Ah, sim: até onde sei, o gentílico dos Estados Unidos (da América) é só americano… seria norte-americano se tivesse “do Norte” no nome completo do país, e não tem no caso! Tudo beleza aí?
Thiago Cardim
Sobre lançarem histórias inéditas, eu adoro a ideia. Talvez o resultado desta primeira edição empolgue o Sandoval.
Agora, sobre “americano”… Eu JAMAIS vou chamar os EUA apenas de “América”. Porque América é o Norte, Central e do Sul, são eles, somos nós, é todo mundo neste pedaço de mundo. Porque eles não são a América. E sim os Estados Unidos da América. Chamá-los de “norte-americanos” é dar uma boiada e reconhecer que eles ocupam uma parte considerável da América do Norte, o continente do qual fazem parte. E olhe lá, porque Canadá e México também são norte-americanos, no fim das contas. Talvez seja o caso de adotar de vez o estadunidense mesmo. Tá aí. Bem lembrado. 😉